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Exercendo uma curiosidade feminista sobre as desigualdades de gênero no mercado de trabalho: lutas históricas e desafios atuais

Maria Eduarda Kobayashi Rossi*

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema enfrentado em todo o mundo[1]. Nos Estados Unidos, a média da diferença salarial é de 18%, já nos países da União Europeia, esse número é de 12,7%. Na América Latina, a desigualdade salarial também persiste, e no Brasil, em especial, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  (IBGE, 2022) mostram que as brasileiras recebem, em média, 78% do salário dos homens, representando uma diferença de 22%. Neste primeiro de maio, em que se comemora o Dia do Trabalhador, trazemos uma contextualização acerca da entrada das mulheres no mercado de trabalho e alguns dos desafios atuais. Ademais, ao praticar uma curiosidade feminista[2], influenciada por Cynthia Enloe (2004, 2014), buscamos olhar criticamente para a condição das mulheres no ambiente laboral, e as dinâmicas de poder que permitem a perpetuação da desigualdade até o presente.

O Dia do Trabalhador é uma data comemorada internacionalmente, e a história de sua criação está relacionada ao início uma grande greve nacional, iniciada no dia 1 de maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA), visando promover a redução jornada de trabalho  para oito horas diárias. Os protestos, organizados por sindicatos e estimuladas por anarquistas, foram reprimidos pela polícia. Além da disseminação da violência direta sobre a população, destaca-se, também, a condenação de cinco sindicalistas anarquistas à forca. Um deles se suicidou na prisão, e os demais foram enforcados em 11 de novembro de 1887, cuja data ficou conhecida como “Revolta de Haymarket”.

Exercendo uma curiosidade feminista, cabe-nos questionar: onde estão as mulheres nessa história? Embora seus nomes não ganhem destaque na origem da data, é importante lembrar que as mulheres desempenharam uma função ativa e essencial nas lutas sociais (em especial, no movimento antiescravista) dos EUA, cuja participação foi fundamental para organizar campanhas pela garantia de direitos às mulheres anos mais tarde (DAVIS, 2004). Como destacado por Angela Davis: “[n]o final da década de 1820, muito antes da Convenção de Seneca Falls, celebrada em 1848, as mulheres trabalhadoras começaram a organizar manifestações e greves protestando ativamente contra a dupla opressão que sofriam como mulheres e como trabalhadoras industriais” (DAVIS, 2004, p. 63, tradução nossa). No Brasil, as mulheres exerceram um papel importante no movimento negro (GONZÁLEZ, 2021), bem como na luta contra a ditadura cívico-militar. Segundo Célia Pinta (2003), os grupos feministas cresceram nas décadas de 1970 e 1980, e neles participavam principalmente mulheres de classe média e operárias. A criação de tais grupos, principalmente nas capitais, foi impulsionada por mulheres intelectuais de esquerda.

Ao olhar para a evolução do movimento feminista, a socióloga argentina Dora Barrancos (2022) lembra-nos que as hierarquias de gênero, cujas consequências são manifestas, dentre muitas outras formas, na desigualdade de salários entre homens e mulheres, foi construída e reforçada historicamente, baseada na criação de papéis de gênero. Como destacado por Connell (2015, p. 32), a partir da noção da diferença entre os dois sexos biológicos são criadas imagens de gênero e, em consequência, padrões sociais que promovem a subalternização de determinados corpos, influenciando, inclusive, as escolhas profissionais[3]. As mulheres são associadas à passividade e ao amor, sendo-lhes delegadas tarefas domésticas e de cuidado, bem como empregos menos valorizados e o trabalho não remunerado no lar. Em contrapartida, aos homens são associados à imagem de força, agressividade e responsabilidade e, em consequência, são delegadas tarefas relacionadas à arena pública, à tomada de decisão, defesa e aos cargos de liderança.

No período da Revolução Francesa, as mulheres nem sequer eram consideradas cidadãs plenas e, por isso, não possuíam direitos civis e políticos ⏤ fato que incentivou a criação dos movimentos sufragistas. Há duas décadas, a grande maioria das mulheres não podia ingressar no mercado de trabalho exercendo tarefas que não fossem de cuidado e serviços gerais, como a limpeza dos espaços. Com o passar do tempo, houve um crescimento histórico do número de mulheres no mercado de trabalho e, inclusive, ocupando  altos cargos de liderança, entretanto a lacuna salarial persiste, principalmente pelo fato de que as mulheres continuam ser super-representadas em empregos vulneráveis[4].

A noção de “empregos vulneráveis” engloba: trabalhos não remunerados (como os trabalhos domésticos e de cuidado, que discutiremos a seguir), trabalhos com menos horas, trabalhos pouco remunerados e trabalho sem proteção social. Silvia Federici (2019a, 2019b), uma das principais referências do feminismo marxista, denuncia em suas obras como as mulheres estão na base de sustentação de um sistema capitalista desigual, cruel e violento, o qual se aproveitou (e se aproveita) do trabalho doméstico não pago para a sua expansão. Esse tipo de trabalho é entendido, pela autora, como “a violência mais sutil que o capitalismo já perpetuou contra qualquer setor da classe trabalhadora” (FEDERICI, 2019b, p. 12). A violência é dita sutil porque o sistema capitalista se aproveitou das normas e papéis de gênero, presentes no imaginário da sociedade, para reafirmar a ideia de que tais tarefas não representam um trabalho, mas apenas um ato de amor natural à feminilidade.

Um exemplo atual da sobrecarga das mulheres em muitas horas de trabalho ficou evidente durante a pandemia de covid-19, em que coube a elas exercer, para além de seus trabalhos, as tarefas de cuidado, tendo sua jornada de trabalho ampliada exponencialmente. Tal fato levou, no espaço científico, à diminuição da produção acadêmica das mulheres, em especial àquelas que são mães, isso fica evidente na pesquisa Parent in science. Em adição, de acordo com os dados da CEPAL (2021), as mulheres ocupavam as posições de maior risco de exposição e contaminação, como no comércio e na área da saúde. O  documento também mostra que as mulheres exerceram o triplo do trabalho não remunerado em comparação com os homens nos países da América Latina.

Importa destacar, ainda, que a desigualdade salarial está entrelaçada com outros marcadores sociais, tais como a classe e a raça. Conforme o IBGE (2022), a porcentagem de pessoas negras ocupando cargos de gestão é de 29,5%, enquanto a população branca ocupa 69%. Isso se deve à desigualdade de oportunidades alinhada a um problema estrutural: o racismo. Carolina Maria de Jesus é um exemplo de mulher trabalhadora e periférica que sentiu, em seu cotidiano, o peso da desigualdade social que permanece como um problema na sociedade brasileira. No livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, Carolina Maria de Jesus (1992) conta as dificuldades sentidas em seu cotidiano como mãe, catadora de lixo e moradora da favela do Canindé, na cidade de São Paulo, denunciando problemas sociais como a fome e a inação do Estado em garantir, principalmente, os direitos econômicos, sociais e culturais dessa população. Antes de mudar-se para São Paulo, a autora viveu em Minas Gerais e, assim como sua mãe, foi empregada doméstica. Vale ressaltar que a literatura brasileira está repleta de exemplos, evidentes, em especial, na poesia como forma sensível de tocar a experiência humana, da subjugação das mulheres negras, seja no mercado de trabalho público ou no âmbito doméstico.

Nos estudos de Segurança Internacional com foco nos indivíduos trabalha-se a questão da segurança humana, a qual está baseada na ideia de que os seres humanos devem ser livres do medo (freedom from fear), ou seja, das ameaças que possam ferir a sua integridade, e das necessidades (freedom from want) (DUFFIELD, 2005). As questões de segurança e intervenções internacionais, principalmente após os anos 2000, passaram a carregar um forte nexo com as questões de desenvolvimento, em perspectiva ampliada, na qual se defende a busca pela expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam (SEN, 2001), de modo a proteger as pessoas da violência direta e oferecendo-as oportunidades para poderem desenvolver suas capacidades e viverem a vida que almejam viver (ou seja, conforme os princípios que são caros a cada pessoa). Diante destas questões, cabe-nos destacar, tendo exercido uma curiosidade feminista, que a segurança humana, atualmente, não é uma condição desfrutada por todas as pessoas em todo o mundo, principalmente pelas mulheres racializadas e migrantes nas periferias tanto do Sul quanto do Norte global, que vivem em uma situação estrutural marcada pela insegurança.

Ainda que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha proposto, dentro do escopo da Agenda 2030, a igualdade de gênero enquanto um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que devem ser garantidos pelos Estados às comunidades, os dados apresentados ao longo do texto são uma evidência de que a desigualdade persiste. Tendo isso em mente, esperamos, por fim, que este Dia do Trabalhador seja uma data para tomar consciência de que ainda há muito a fazer para que a igualdade de gênero, em especial no mercado de trabalho, saia da teoria e se concretize, na prática, para todas as pessoas do mundo. O alcance deste objetivo, porém, não é tarefa fácil, pois pressupõe a mudança das relações de poder que estão na base de funcionamento da dinâmica internacional capitalista, como evidenciado por Federici.

*Maria Eduarda Kobayashi Rossi é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP. Pesquisadora do Iaras- Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Iaras-GEDES). Pesquisadora bolsista FAPESP (processos 2021/04480-3 e 2022/01182-4).

Imagem: A lacuna salarial de gênero no mundo do trabalho. Por: Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Notas:

[1] Para mais informações sobre a diferença de gênero no mercado de trabalho, sugerimos a consulta aos dados organizados pela OIT, os quais estão disponíveis no link: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#global-gap>. Acesso em 25 de abril de 2023.

[2] O exercício da curiosidade feminista, segundo Enloe, busca analisar a realidade social e, questionar as normas naturalizadas, percebendo as dinâmicas de poder que promovem a desigualdade de gênero.

[3] No que se refere a este tema, em Portugal, lugar de onde a autora escreve, pesquisadores do Centro de Estudos Sociais (CES), em conjunto com diversas instituições parceiras, estão desenvolvendo o projeto “Igual-Pro: as profissões não têm gênero”, que busca questionar e desconstruir os estereótipos de gênero relacionados às distintas profissões no mercado de trabalho e áreas de estudo. Os avanços do projeto podem ser acompanhados pelo site (https://projetos.cite.gov.pt/pt/web/igualpro/pagina-inicial), e os próximos relatórios serão divulgados no em breve. Tatiana Moura e Tiago Rolino, que estão a frente dessas atividades, são boas referências para aqueles(as) que se interessam pelos estudos de gênero e masculinidades.

[4] Nosso entendimento acerca da definição de “empregos vulneráveis” segue os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mais informações podem ser encontradas em: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#unemployed-vulnerable/vulnerable-employment>. Acesso em 25 de abril de 2023.

 

Referências

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DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Boitempo Editorial, 2016.

DE JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Editora Ática. 10 edição. 1992. Disponível em: <https://dpid.cidadaopg.sp.gov.br/pde/arquivos/1623677495235~Quarto%20de%20Despejo%20-%20Maria%20Carolina%20de%20Jesus.pdf.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

CEPAL. Brechas de género en el mercado laboral y los efectos de la crisis sanitaria en la autonomía económica de las mujeres. 2021. Disponível em: <https://www.cepal.org/sites/default/files/presentations/presentacion_aguezmes_180121.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

CONNELL, Raewyn. Gênero: uma perspectiva global. nVersos Editora. 2015.

DUFFIELD. Human Security: Linking Development and Security in an Age of Terror, 2005. Disponível em: <http://members.chello.at/intpol_gkc4/Duffield%202005b.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

ENLOE, Cynthia. Bananas, beaches and bases: Making feminist sense of international politics. University of California Press, 2014.

ENLOE, Cynthia. The curious feminist: Searching for women in a new age of empire. University of California Press, 2004.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. Editora Elefante: Coletivo Sycorax, 2019b. Disponível em: http://coletivosycorax.org/wp-content/uploads/2019/09/CALIBA_E_A_BRUXA_WEB-1.pdf

FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Editora Elefante: Coletivo Sycorax, 2019a. Disponível em: http://coletivosycorax.org/wp-content/uploads/2019/09/Opontozerodarevolucao_WEB.pdf

GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Zahar Editora. 2020.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdade social por cor ou raça no Brasil. 2022. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf>.  Acesso em 30 de abril de 2023.

OIT, Organização Internacional do Trabalho. InfoStories. The gender gap in employment: What’s holding women back?. 2022. Disponível em: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#intro>.

PINTO, Célia. Uma história do feminismo no Brasil. Fundação Perseu Albramo. 2003. pp. 40-66.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das letras, 2018.

Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia: a violência sobre os corpos no Brasil e a contribuição das abordagens queer

Kimberly Alves Digolin*

Júlio Fernandes dos Reis**

 

O Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia é celebrado em 17 de maio. A data foi escolhida em alusão ao dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou oficialmente a homossexualidade de sua lista internacional de transtornos mentais, no ano de 1990, o que possibilitou um grande avanço na luta pelos direitos civis dessa população. Segundo relatório de 2019 da ILGA World (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association), cerca de 74% da população mundial vivia sob legislações que criminalizavam as práticas homossexuais em 1969; número que caiu para 27% em 2018. No entanto, não considerar mais a homossexualidade como uma doença foi apenas um passo inicial para garantir mais igualdade e dignidade para todos aqueles que se identificam com a comunidade LGBTQIA+. Nesse texto, abordaremos brevemente a forma como o Regime Internacional dos Direitos Humanos incluiu o combate à LGBTfobia, o lugar que o Brasil ocupa nesse cenário, bem como a contribuição das abordagens queer para compreender a segurança internacional e as raízes da violência sobre esses corpos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada durante Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948, inicia-se com a frase “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. No entanto, décadas de sistemáticas discriminações motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero deixaram à mostra a necessidade que o debate coletivo incluísse de modo mais específico os direitos das pessoas LGBTQIA+. Houve uma tentativa, embora fracassada, de incorporar os “Princípios de Yogyakarta” – documento elaborado por especialistas de 25 países e que reconhece a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero como violação aos direitos humanos – ao direito internacional em 2007. Mas a primeira resolução da ONU sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero foi adotada apenas em junho de 2011, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos[1], após diversos debates sobre leis discriminatórias, práticas em nível nacional e sobre as obrigações dos Estados em relação à proteção dos direitos da comunidade LGBTQIA+.

Em seguida, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) elaborou um relatório evidenciando “um padrão de violência sistemática e de discriminação dirigida às pessoas em todas as regiões em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero – desde discriminação no emprego, na assistência médica e educação, à criminalização e ataques físicos seletivos” (ACNUDH, 2012). A partir desse relatório foi convocado um painel de discussão em março de 2012, quando, pela primeira vez, representantes de diversos Estados se reuniram na ONU para debater formalmente o assunto. No ano seguinte, a ONU lançou a campanha “Livres & Iguais” com o objetivo de promover direitos iguais e tratamento justo para pessoas LGBTQIA+ de todo o mundo, a partir da disponibilização de informação pública e do apoio de celebridades, líderes políticos e religiosos.

Em suma, o direito internacional[2] aponta que os Estados devem cumprir cinco medidas práticas para salvaguardar os direitos das pessoas LGBTQIA+: proteger as pessoas da LGBTfobia; prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante contra pessoas dessa comunidade; revogar as leis que criminalizam pessoas a partir de suas orientações sexuais ou identidades de gênero; proibir a discriminação a essas pessoas; e proteger as liberdades de expressão, associação e reunião pacífica das pessoas que se identificam como LGBTQIA+. Entretanto, apesar de serem frutos de debates coletivos importantes, essas determinações seguem sendo descumpridas. O mapa abaixo destaca em vermelho os países em que a homossexualidade ainda é criminalizada.

No caso do Brasil, o país possui um Movimento LGBTQIA+ bastante forte e atuante desde 1978. O grupo Somos – Grupo de Afirmação Homossexual e o GGB (Grupo Gay da Bahia) são exemplos de organizações de resistência e luta pela preservação e garantia dos direitos dessa parcela da população. A luta dessas e outras associações produziu efeitos na legislação nacional que, já em 1985 – cinco anos antes da OMS –, conseguiu que a homossexualidade não fosse mais considerada uma doença pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).

Ademais, o Movimento também conquistou o estabelecimento de políticas públicas focadas no auxílio desse contingente populacional, que sempre esteve em situação de vulnerabilidade, como os Programas Nacionais de Direitos Humanos de 1996, 2002 e 2010. Nessa linha do tempo de conquistas, o casamento civil entre casais do mesmo sexo foi legalizado em 2013; o direito das pessoas de alterarem seu gênero e nome civil nos cartórios, agora sem a obrigatoriedade do indivíduo já ter passado por uma cirurgia de redesignação de sexo, foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018; e, por fim, em 2019, o STF também concedeu a possibilidade dos crimes de LGBTfobia serem enquadrados na lei do racismo, enquanto uma legislação específica para esse tipo de discriminação não é elaborada.

Porém, apesar de tantos avanços em favor do Movimento LGBTQIA+ no Brasil, o Estado ainda figura como aquele que mais mata os indivíduos dessa população entre os países nos quais a homossexualidade não é criminalizada. Os dados do GGB mostram que, em 2021, foram registrados 300 casos de mortes de pessoas dessa comunidade, o que significa a ocorrência de uma morte a cada 29 horas no país. Esses dados são um reflexo do preconceito estrutural na sociedade nacional, que ainda discrimina e marginaliza esses indivíduos, principalmente a parcela transsexual, que registrou 80 assassinatos no primeiro semestre de 2021.

Embora o grau de violência seja inegável, vale destacar que a posição ocupada pelo Brasil nesse ranking também pode estar associada ao fato de existirem dados divulgados sobre a violência contra a população LGBTQIA+ no país, especialmente coletados por ONGs ou organizações da sociedade civil. Ou seja, é possível que outros países, ainda que não possuam uma legislação específica que caracterize a homossexualidade como prática ilegal, possuam taxas maiores que as brasileiras e apenas não existam dados suficientemente divulgados.

A partir disso, é possível notar que, além de motivações étnicas e de nacionalidade, a violência também envolve os corpos, as orientações sexuais e identidades de gênero. Durante séculos a comunidade LGBTQIA+ foi pejorativamente denominado como queer – termo que remete à Queer Street, que no século XVI abrigava aquelas pessoas entendidas como “a escória britânica”. No entanto, mais recentemente houve um processo ativo para ressignificar o termo queer; distanciando-o da ideia pejorativa de retratar “os estranhos” e aproximando-o da concepção crítica de “estranhamento”, de problematização dos padrões binários e preconceituosos que embasam as discriminações.

As abordagens queer sobre política internacional, e mais especificamente sobre segurança internacional, nos ajudam a compreender a forma como as questões de gênero, sexualidade, raça, nacionalidade e classe são elementos centrais para o processo de formação do Estado e do próprio aparato militar-burocrático, uma vez que são estruturas moldadas a partir da percepção de masculinidade. Em outras palavras, nos ajudam a compreender a forma como a heterossexualidade branca traz consigo valores e práticas que não apenas estão incluídas, mas que estruturaram a segurança internacional; e, portanto, a própria noção de segurança e inimigo.

A partir dessas abordagens queer podemos analisar as contradições históricas e a forma como esses padrões político-econômicos estão baseados no discurso binário de um modelo a ser seguido e de um contraponto abjeto a ser perseguido ou exterminado. O Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia é um marco para lembrarmos a importância de se analisar as raízes desiguais do sistema internacional e a forma como elas buscam legitimar as violências contra corpos que representam luta e resistência.

 

* Professora de Relações Internacionais na Universidade Paulista (UNIP), mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Iaras-GEDES. Contato: kimberly.alves.digolin@gmail.com

** Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e integrante do Núcleo de Estudos de Gênero Iaras-GEDES. Contato: julio.reis@unesp.com

Imagem em destaque: Pride 2018. Por: Miguel Discart/Flickr.

Imagem no corpo do texto: Mapa sobre criminalização de relações entre pessoas do mesmo sexo. Por: Nações Unidas.

[1] O Conselho de Direitos Humanos da ONU foi criado em 2006 e, até aquele momento, os debates sobre direitos LGBTQIA+ eram tratados apenas de modo específico, em casos pontuais. Além disso, os principais atores políticos a chamarem atenção para o tema no âmbito da ONU ainda eram as organizações não-governamentais dedicadas à prevenção e tratamento do HIV-AIDS.

[2] Para mais informações sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+ na ONU, recomendamos o artigo de Renata Nagamine (2019).

A violência de gênero contra as populações indígenas: a outra face do desenvolvimento neoextrativista

Helena Salim de Castro*

 

Nos últimos dias, ganhou destaque nas redes sociais as denúncias de líderes indígenas Yanomami sobre o abuso e a violência sexual contra meninas e adolescentes cometidos por homens envolvidos na atividade do garimpo ilegal. O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana, Júnior Hekurari Yanomami, denunciou em sua conta no Twitter que uma menina, de 12 anos, foi violentada até a morte e outra, de quatro anos, está desaparecida após uma invasão de garimpeiros na comunidade Aracaçá, em Roraima.

A denúncia se soma a tantos outros abusos perpetrados contra a população há anos. No começo do mês de abril, foi divulgado um relatório produzido pela Hutukara Associação Yanomami sobre violações sexuais cometidas por garimpeiros contra adolescentes no ano de 2020. Além da destruição ambiental, eles deixaram um rastro de proliferação de doenças sexualmente transmissíveis. Esse cenário de violência não acomete apenas o povo Yanomami, mas muitas outras populações tradicionais e comunidades rurais pelo país. 

Os conflitos por terra não são uma novidade no Brasil. No entanto, como retrata o projeto Mapa dos Conflitos, da Agência Pública de Jornalismo Investigativo em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), na última década houve uma acentuação das ocorrências de conflitos no campo, particularmente na Amazônia Legal. Eles ocorrem em um contexto em que são perpetradas atividades depredadoras da natureza como queimadas, desmatamentos, mineração, entre outros. Não só naquela área, mas por toda a América Latina, a concentração de terras, herança da colonização, e a adoção de um modelo de desenvolvimento neoextrativista estão por trás de muitos dos conflitos, que são, por sua vez, atravessados por elementos de gênero. 

Segundo Maristella Svampa (2019, o. 33), o neoextrativismo “pode ser caracterizado como um modelo de desenvolvimento baseado na superexploração de bens naturais […], assim como na expansão das fronteiras de exploração para territórios antes considerados improdutivos do ponto de vista do capital”. A diferença com o “extrativismo clássico” estaria no fato de que, naquele, os fundos arrecadados com a atividade extrativista e a exportação dos bens primários seriam “invertidos em políticas sociais redistributivas para combater a pobreza” (MUNOZ C., 2013, p. 120, tradução própria). Para a socióloga argentina, esse modelo foi aplicado na América Latina no início do século XXI. Os países da região, muitos governados por lideranças progressistas, aprofundaram e incentivaram uma política de desenvolvimento sustentada na exportação de bens primários – o que a autora chamou de “Consenso das Commodities” (SVAMPA, 2019). 

Após anos colhendo os lucros econômicos dessa política, a região estaria vivendo, atualmente, a terceira fase do modelo[1], denominada por Svampa (2019) como a da “exacerbação do neoextrativismo”. Essa fase, que teria se iniciado a partir de 2013-2015, é marcada pela queda dos preços das commodities. Para fazer frente a essa instabilidade econômica, os governos latino-americanos têm impulsionado ainda mais os projetos extrativistas e aprofundado a reprimarização das economias nacionais. Somam-se a esse cenário o declínio da hegemonia progressista e uma reconfiguração política na região, com a ascensão de governos conservadores e alinhados à direita. No Brasil, essa mudança política resultou, dentre outras perdas de direitos, no desmantelamento das instituições responsáveis pela fiscalização das áreas ambientais e na diminuição dos recursos e esforços para o enfrentamento da violência no campo

Tais processos se refletem no aumento dos conflitos socioterritoriais e no crescimento da violência estatal e paraestatal, a qual é dirigida, muitas vezes, contra os corpos das mulheres e outros sujeitos feminizados. Além de agressões físicas e lesões corporais, as mulheres, nesses contextos de conflitos no campo, são vítimas de assédio moral e violação sexual, principalmente quilombolas e dos povos originários. O histórico de colonização e exploração dos territórios, corpos e subjetividades de indígenas e afrodescendentes estrutura a violência contra as mulheres latino-americanas. Elas são duplamente subjugadas – por preconceitos de gênero e raça/etnia – e, com isso, consideradas menos humanas, inferiores diante da imagem do homem branco e ocidental, apresentado como o ser racional e superior. A violência sobre essas mulheres, principalmente a de cunho sexual, é, portanto, invisibilizada em um contexto de masculinização do território e justificada como prática estruturante de um modelo de desenvolvimento patriarcal e liberal. 

Svampa (2019) chama atenção para a histórica relação entre atividades extrativistas, masculinização dos territórios e reforço do patriarcado. Em um cenário em que há uma concentração da população masculina, atividades como a prostituição e o tráfico de mulheres são concebidas como naturais, invés de inseridas em um contexto de problemas sociais e econômicos. Ademais, há reforço de um ambiente de desigualdade de gênero, marcado pela não valorização do trabalho doméstico, assimetrias salariais e o fortalecimento do que seria considerado a atribuição das mulheres, vistas como cuidadoras do lar (SVAMPA, 2019). 

No intuito de expandir as fronteiras do extrativismo, a violação sobre os corpos das mulheres também adquire uma função instrumental. Além das mortes diretas e a transmissão de doenças, os abusos e as violações podem gerar rupturas no tecido comunitário, com o enfraquecimento do papel ancestral das mulheres, e o abandono das terras. A comunidade Aracaçá, por exemplo, foi queimada após as denúncias do estupro e da morte da menina de 12 anos. De acordo com lideranças indígenas, é uma tradição dessa população abandonar o território após a morte de alguém. No entanto, até o momento não se tem confirmação sobre as causas do incêndio e para onde foram e se estão seguras as mais de 20 pessoas que viviam na comunidade. 

O terror propagado pela presença e as ações dos garimpeiros nesses territórios gera o deslocamento forçado dos povos. O abandono das terras abre espaço, por sua vez, para a exploração realizada pelo capital nacional e transnacional em nome do ideal de desenvolvimento moderno-liberal – no qual o desenvolvimento é concebido como um processo linear em busca do crescimento econômico. A violência sobre os corpos das mulheres adquire, portanto, amplos significados no contexto dos conflitos socioterritoriais. Não é uma mera consequência de um cenário de disputas. Sob uma lógica patriarcal e colonial a respeito dos corpos e das subjetividades de alguns atores, as violações se constituem como práticas estruturantes do modelo de desenvolvimento neoextrativista e de uma ordem social patriarcal. Como resume Hernández Castillo (2017, p. 36, tradução própria), a violação dos territórios dos povos indígenas e campesinos produz “deslocamentos que deixam suas terras ‘livres’ para o capital. Nessa investida de violência e desapropriação, os corpos das mulheres têm se convertido também em territórios para ser invadidos e violados”. 

* Helena Salim de Castro é doutora e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Pesquisadora do IARAS – Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP); e do Núcleo de Estudos Transnacional de Segurança (NETS – PUC-SP).

Imagem: Garimpo ilegal no Pará. Por: Ibama.

[1] A primeira fase compreende o período entre 2003 e 2008-2010, denominada como “fase da positividade”. A segunda seria a da “multiplicação dos megraprojetos”, compreendendo o início da segunda década dos anos 2000. Para maior aprofundamento, consultar Svampa (2019).

 

Referências bibliográficas:

HERNÁNDEZ CASTILLO, R. A. Confrontando la Utopía Desarrollista: El Buen Vivir y la Comunalidad en las luchas de las Mujeres Indígenas. In: VAREA, Soledad; ZARAGOCIN, Sofía (Comp.). Feminismo y Buen Vivir: Utopías Decoloniales. PYDLOS Ediciones, Cuenca: Ecuador. 2017, p. 26 – 43. ISBN: 978-9978-14-355-1

MUNOZ C., María José. El conflicto en torno al Territorio Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure: Un conflicto multidimensional. Cultura representaciones soc, v. 7, n. 14, p. 67-141, 2013. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2007-81102013000100004&lng=es&nrm=iso. 

SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. Tradução de Lígia Azevedo. São Paulo: Elefante, 2019. 192 p.  ISBN: 978-85-93115-45-5

Dia Internacional da Mulher: vozes em movimento pela proteção dos direitos sexuais e reprodutivos na América Latina

Laís Gomes Sartori*

Maria Eduarda Kobayashi Rossi **

No dia 08 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher. A criação desta data foi oficializada em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU), e as explicações acerca de sua origem comumente afirmam que se trata de uma homenagem às 129 mulheres operárias que, no ano de 1857, foram mortas em um incêndio criminoso em uma fábrica têxtil localizada na cidade de Nova Iorque. Para além desta história, é importante ressaltar a origem desta data em lutas anteriores, notadamente àquelas lideradas por feministas socialistas como a alemã Clara Zetkin (1857-1933) e a russa Alexandra Kollontai (1872-1952), cujas ações contestavam o funcionamento do capitalismo industrial emergente, bem como o preconceito cotidiano enfrentado por mulheres tanto nos locais de trabalho, quanto no ambiente doméstico.

Os corpos queimados em Nova Iorque contam a história de uma enorme quantidade de vidas que trabalhavam de forma precária para sustentar um sistema capitalista que, por sua vez, precisa da destruição da vida humana, bem como da natureza, para sobreviver e se fortalecer (ALLIEZ; LAZZARATO, 2021; FEDERICI, 2019). Em reação, a conscientização das mulheres incita à luta por mudanças não apenas nas suas formas de trabalho, como também na forma de organização social. Surgem os movimentos organizados em prol do sufrágio universal, da igualdade salarial, e de diversas outras pautas, como os direitos sexuais e reprodutivos[1].

Para além de um dia de homenagem às mulheres e de reflexão acerca de suas lutas por direitos e oportunidades sociais, esta data encoraja inúmeras mobilizações feministas.  Muitas vezes essas mobilizações estão alinhadas à luta antirracista, à busca pelo fortalecimento democrático com mais representatividade na política, bem como aos esforços para a preservação do meio ambiente e  para o desenvolvimento sustentável – como ressaltado pela ONU na campanha do 8M de 2022. Além disso, algumas pautas históricas continuam presentes, como a busca contínua por maior equidade de gênero e pela garantia e proteção de direitos . Este texto traz um panorama do contexto e das lutas recentes na América Latina, ressaltando o tema dos direitos sexuais e reprodutivos.

 

Direitos reprodutivos como direitos humanos

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorrem cerca de 73 milhões de abortos induzidos no mundo a cada ano, muitos deles realizados por mulheres e meninas que sofreram violações sexuais. Os procedimentos clandestinos para a realização do aborto podem causar sérios riscos à saúde das gestantes, levando a diversas mortes que, muitas vezes, são subnotificadas e impedem a efetivação de ações pela salvaguarda da saúde e bem-estar de tantas vidas. Um exemplo disso ocorre no Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto realizada em 2016, “cerca de metade das mulheres que abortam precisam ser internadas” (DINIZ et al, 2016). Dados mais recentes afirmam que no ano de 2019, o SUS contabilizou aproximadamente 195 mil internações por aborto, sejam eles espontâneos ou consentidos.

Vale mencionar que os temas como aborto e saúde sexual das mulheres são, em muitos países, negligenciados. Violências como o estupro e o feminicídio são apenas a ponta de um iceberg de uma cultura patriarcal que esconde diversas violações estruturais e culturais, como assédios e preconceitos que, consequentemente, privam as mulheres do controle de seus corpos. Para lutar contra isso, as primeiras movimentações para a garantia dos direitos das mulheres ocuparam espaço nos sistemas internacional e nacional, principalmente, a partir da década de 1990.

A associação dos direitos reprodutivos aos direitos humanos é fruto da era contemporânea e das diversas frentes de lutas feministas ao redor do globo, que passaram a discutir a sexualidade e a reprodução humana de maneira ampla, contestando os padrões socioculturais vigentes na época. A Conferência Mundial de Direitos Humanos, de 1993, declarou, pela primeira vez, que os direitos das mulheres e meninas eram inalienáveis e compreendiam parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. Essa discussão foi o pontapé inicial para que as reflexões acerca do direito reprodutivo tomassem forma e ganhassem espaço em meio ao discurso internacional. Posteriormente, durante a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), em 1994, que se conceituou o termo “direito reprodutivo”[2] como conhecemos hoje.

Em relação ao cenário americano, é possível observar o posicionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), composto por dois órgãos, a Comissão e a Corte. O primeiro é responsável por assegurar e observar o cumprimento dos direitos humanos no continente americano realizando recomendações aos Estados, por exemplo. Já o segundo é um órgão judicial autônomo que visa salvaguardar as exigências da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e julgar possíveis violações. Em alguns relatórios temáticos[3], a CIDH destacou a importância do direito à saúde reprodutiva às mulheres, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade social, reconhecendo que o aborto inseguro viola esse direito, a integridade e a privacidade femininas. Além disso, a Comissão também ressaltou que a criminalização do aborto afeta negativamente diversas esferas da realidade dos corpos que têm a capacidade de gestar, sendo obrigação dos Estados prezarem por serviços de assistência eficientes em casos de abortos inseguros. A Corte IDH já admitiu casos envolvendo a questão do aborto, o último ficou conhecido como o Caso Manuela e familiares vs. El Salvador. Em dezembro de 2021[4], o Estado salvadorenho foi condenado internacionalmente pela criminalização de uma jovem que buscava assistência de saúde em meio a uma emergência obstétrica – a jovem havia sofrido um aborto espontâneo, porém a médica que atendeu Manuela denunciou-a por ter abortado voluntariamente, o que gerou uma condenação da 30 anos de prisão por homicídio qualificado.

É importante ressaltar, ainda, que o debate e o reconhecimento desses direitos em plataformas e conferências não significa, necessariamente, que eles serão aplicados na prática, em políticas públicas, leis ou ações governamentais. O percurso para a conquista dessas questões é longo e desafiador, e inúmeras mulheres sofrem diariamente devido à negligência de órgãos nacionais e internacionais, principalmente quando o assunto envolve o aborto e a autonomia do corpo feminino.

Certamente, há inúmeros casos como o de Manuela, alguns foram julgados em cortes internacionais, já outros, a maioria, são silenciados e provocam diariamente violações aos direitos reprodutivos femininos, destruindo a realidade de milhares de mulheres ao redor do mundo. Assim, ainda que as comissões internacionais auxiliem na ampliação de um ativismo em prol da garantia dos direitos das mulheres, a América Latina continua sendo uma região com altos índices de abusos e violações (SEGATO, 2016; CEPAL, 2021). Diante deste cenário, os movimentos sociais e feministas continuam vivos e em transformação, (re)inventando-se e fortalecendo-se pela arte[5], e pela (re)ocupação das ruas, pressionando por políticas públicas que promovam justiça social.

 

Mudanças recentes e mobilizações em 2022

Neste ano, diversas ações pelo Dia Internacional da Mulher (8M) ocorrem na América Latina. No Brasil, muitas ativistas lutam contra a violência sexista, fome, desemprego, fragilidade democrática e insatisfação política, com destaque para os movimentos liderados pela Marcha Mundial das Mulheres. No México, as movimentações coletivas buscam por ações concretas em favor dos direitos das mulheres e o fim da repressão dos movimentos feministas no país. Na Argentina, que alcançou a legalização do aborto no final de 2020, as mobilizações já começaram em 2 de março, em protestos contra o abuso grupal de uma jovem em um carro. As atividades foram lideradas pelo coletivo feminista Ni una a menos.

Em outros países da região, os avanços são mais lentos e custosos como, por exemplo, no Chile, onde o aborto era proibido em qualquer circunstância até meados de 2017. Após essa data, foi permitido apenas em casos de estupro, risco de vida da mulher e má formação do feto. Em 2021 houve iniciativas para a descriminalização do aborto na Câmara dos Deputados chilena, no entanto, o processo foi arquivado no fim do ano. Para o 8 de março de 2022, em meio a um duro processo constitucional, os movimentos feministas chilenos estão nas ruas com o objetivo de conter a ascensão da extrema direita no país.

De modo semelhante, no Equador, a situação enfrentada pelas feministas é desafiadora: apenas em janeiro deste ano a Assembleia Nacional descriminalizou o aborto em casos de estupro. Esse avanço, entretanto, ainda pode ser vetado pelo presidente do país. Assim, as ações das mulheres equatorianas para o 8 de março estão centralizadas, principalmente, na luta por uma lei mais abrangente e justa para a descriminalização do aborto.

É da Colômbia que vem os ventos mais recentes de mudança. No país, o aborto até a 24ª semana de gestação foi descriminalizado em 21 de fevereiro de 2022 e, ademais, foi reafirmada uma lei de 2006 que permitia o aborto legal em casos de estupro, riscos à saúde da gestante ou má formação fetal. O processo analisado na Corte Constitucional Colombiana contou com 5 votos favoráveis e 4 contrários. Além disso, as atividades foram protagonizadas pelos movimentos feministas, que clamaram por políticas públicas capazes de auxiliar a saúde das mulheres, oferecendo métodos contraceptivos, atendimentos médicos, acesso à informação e aos serviços de aborto seguro, bem como à educação sexual.  As ações feministas na América Latina pretendem juntar forças para atuar ativamente em tempos tão turbulentos, em que as destruições causadas pela pandemia, bem como ao aumento das violações, instabilidades políticas e a contrarresposta conservadora ameaçam diariamente a vida das meninas e mulheres latino-americanas.

 

* Laís Gomes Sartori é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP, bolsista FAPESP. Pesquisadora do GEDES.

** Maria Eduarda Kobayashi Rossi é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP, bolsista FAPESP. Pesquisadora do GEDES.

Imagem: Ativistas participam de marcha contra a violência de gênero no Equador. UN Women/Johis Alarcon.

 

Notas:

[1]De acordo com o Instituto Nacional da Saúde da Mulher, o direito reprodutivo faz referência ao direito das pessoas escolherem livremente “se querem ou não ter filhos, quantos filhos vão ter e em que momento da vida”. As políticas para a promoção deste direito também devem garantir informações sobre os métodos contraceptivos, educação sexual e planejamento familiar. Já os direitos sexuais, referem-se ao “Direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do(a) parceiro(a)” bem como “direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS. Direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem discriminação”. Para mais informações, acesse: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/direitos_sexuais_reprodutivos_metodos_anticoncepcionais.pdf.

[2]Os direitos reprodutivos “baseiam-se no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos decidirem livre e responsavelmente sobre o número, espaçamento e quando devem ter os seus filhos e de terem acesso à informação sobre a forma como fazê-lo, bem como o direito de beneficiarem de saúde sexual e reprodutiva do mais alto nível. Também incluem o direito de todos tomarem decisões sobre a reprodução sem discriminação, coerção nem violência.” (CIPD, 1995)

[3]https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/BDL/2015/10240.pdf

https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/BDL/2011/7512.pdf

[4]El Salvador é um dos poucos países americanos que ainda penaliza o aborto em qualquer situação.

[5]É importante salientar, ainda que em nota complementar, que a arte (expressa por meio de cartazes, danças, teatros e muitas outras formas) é um elemento constante nos coletivos e ações feministas. Um exemplo disso é o movimento One Billion Rising, ativo não apenas na América Latina, como também em diversos países do globo.

 

Referências

ANIS – Instituto de Bioética. Aborto: por que precisamos descriminalizar? Argumentos apresentados ao Supremo Tribunal Federal na Audiência Pública da ADPF 442. Brasília. Letras Livres. 2019. Disponível em: <https://anis.org.br/wp-content/uploads/2020/07/RELATORIO-ABORTO-PT.pdf>. Acesso em 6 de março de 2022.

ALLIEZ, Éric; LAZZARATO, Maurizio. Guerras e Capital. Editora Ubu. 2021.

DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2017, v. 22, n. 2, pp. 653-660. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016>. ISSN 1678-4561. Acessado 5 Março 2022.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa. Editora Elefante. São Paulo. 2019.

SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Traficantes de sueños, 2016.

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher: Reflexões acerca das raízes da violência contra as mulheres e a questão do Estado (Parte II)

Gabriela Aparecida de Oliveira *

Maria Eduarda Kobayashi Rossi **

 

No artigo “Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher: avanços e retrocessos na América Latina e no Brasil sob a pandemia” oferecemos um panorama sobre os efeitos da criação do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher sobre as vidas de mulheres latino-americanas e brasileiras. Embora haja avanços significativos, principalmente no que se refere a uma maior visibilidade das desigualdades de gênero e ao estímulo a ações de prevenção e combate às violências contra mulheres e meninas, não podemos perder de vista o fato de que a América Latina continua a ser a região mais perigosa para elas fora de uma zona de guerra. E por que isso ocorre?

De acordo com autoras feministas como Rita Segato (2014, 2016), os corpos das mulheres são espaços onde as múltiplas violências foram naturalizadas desde a colonização. A cultura patriarcal tem disseminado ações de enorme crueldade, que se fazem presentes até hoje. Nas palavras de Segato: “O acesso sexual está contaminado pelo universo do dano e da crueldade — não apenas apropriação dos corpos, sua anexação enquanto territórios, mas sua destruição. Como os danos, conquista, roubo e estupro estão associados, eles permanecem, portanto, como ideias correlatas ao longo do período de instalação das repúblicas e até a atualidade[1]” (SEGATO, 2016, p. 21, tradução nossa).

No atual contexto de pandemia e ascensão de governos mais autoritários na região, a violência contra mulheres ganha requintes de crueldade. Desamparadas pelo Estado, elas sofrem uma sobrecarga com os serviços domésticos e de cuidado ⎼ aderindo a jornadas duplas ou triplas de trabalho, e ficando mais expostas à violência doméstica por passarem mais tempo em casa. Observa-se, portanto, uma forte relação entre a perpetuação da violência e exploração dos corpos feminilizados ⎼ principalmente de mulheres não brancas e periféricas, como ressaltado por Françoise Versés (2021) e, na realidade brasileira, por autoras como Sueli Carneiro (2011), Lélia Gonzalez (2020) ⎼ e a lógica capitalista de  histórica acumulação de capital.

Como ressaltado por Silvia Federici (2019), o trabalho não-remunerado ou “trabalho reprodutivo” refere-se a uma série de atividades relacionadas à educação, ao cuidado e à reprodução biológica, os quais são imprescindíveis para a reprodução da força de trabalho que mantém as engrenagens do capitalismo funcionando.

A lógica neoliberal também cria seu próprio discurso acerca do trabalho feminino, salientando que a solução para libertar-se da opressão está no abandono das tediosas tarefas domésticas e na inserção das mulheres no mercado de trabalho. Entretanto, estes discursos conhecidos como “feminismo liberal” escondem o fato de que a sua “libertação” só pode acontecer mediante a exploração da mão-de-obra feminina não-branca, e muitas vezes migrante, que passa a desempenhar essas tarefas indesejadas (HOOKS, 2020). Em contextos de crise socioeconômica e desamparo do Estado, as mulheres não-brancas são as mais afetadas, pois devem ocupar-se de atividades reprodutivas e de cuidado que, em outros momentos, poderiam ser desempenhadas pelo próprio Estado por meio de políticas públicas. Como exemplo, podemos citar as políticas públicas para a concessão de apoios financeiros, além do oferecimento e melhoria de serviços públicos de cuidado, como asilos para idosos, creches e escolas integrais para crianças (ILO, 2018). No que se refere às questões reprodutivas, as políticas oferecidas pelo Estado contam com a oferta de anticoncepcionais, capacitação dos profissionais de saúde para assistência em planejamento familiar, programas de saúde e prevenção nas escolas, bem como a garantia de uma boa saúde e atendimento (BRASIL, 2005).

Segundo a Oxfam Brasil (2020), durante a pandemia, o desemprego atingiu principalmente mulheres negras (babás, empregadas domésticas, motoristas, profissionais da saúde) que não tiveram a opção de ficar em casa e seguiram trabalhando sob condições insalubres e com alto risco de contaminação. Não à toa, a primeira vítima do coronavírus detectada no Brasil foi uma mulher negra de 57 anos e empregada doméstica. A ONU Mulheres (2021) observa que, na região Norte do Brasil, as mulheres indígenas foram as mais impactadas, pois “são elas que acessam políticas públicas, vão à cidade e se expõem ao cuidar de vários assuntos da família, tendo que sair das aldeias”.

No que se refere à maior exposição à violência durante a pandemia, os índices de agressões, estupros e feminicídios aumentaram no Brasil e ao redor do mundo. Em 2019, três em cada dez mulheres foram violentadas e 1.326 feminicídios foram registrados no país (um aumento de 7,1% em comparação aos índices de 2018), além de um estupro a cada oito minutos. Em 2020, o número de feminicídios teve um pequeno acréscimo, o que não significa que seja um cenário menos alarmante: foram 1.350 casos que correspondem a uma mulher morta a cada seis horas.

Além de o fator étnico-racial ter uma importante influência sobre esses índices (as mulheres negras e indígenas são as mais expostas à violência), destacamos também a questão das mulheres transexuais e travestis. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), aproximadamente 70% da população trans do país não conseguiu acesso às políticas emergenciais do Estado, por conta da sua situação de vulnerabilidade social que inclui a falta de documentos e acesso à moradia e serviços básicos de saúde e educação. Muitas mulheres trans continuaram se prostituindo para manter sua renda, ficando mais expostas ao vírus. O isolamento social tampouco evitou violências, pois é dentro de suas casas – que deveriam ser, a princípio, o lugar mais seguro – que muitas mulheres são agredidas e mortas. No caso das mulheres trans, houve um acréscimo de 43% de assassinatos no ano de início da pandemia. Essa situação evidencia como a vulnerabilidade socioeconômica de mulheres está profundamente relacionada à violência sofrida por elas.

 

Realidades latino-americanas e perspectivas futuras

Perante a ineficiência dos Estados latino-americanos em promover boas condições de vida para a sua população (sobretudo feminina, negra, indígena e LGBTQIA+) em um contexto de crise econômica e pandemia, movimentos feministas da Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia e México têm resistido e se organizado para cobrar ações dos governos, além de recorrer a redes de apoio comunitário. Na realidade, tratam-se de demandas históricas que se tornaram ainda mais urgentes, senão, inadiáveis.

Nas manifestações do Dia Internacional da Mulher (8 de Março de 2021), as argentinas pediam a visibilização e a elaboração de políticas públicas para diminuir a superexploração das mulheres; o direito a uma lei trabalhista para travestis e transexuais e uma reforma judicial feminista contra a violência. Em complemento, sob o lema “A pandemia não é desculpa”, as uruguaias tomaram as ruas, mostrando o protagonismo das mulheres na mitigação da pobreza na pandemia. As chamadas “ollas populares” (“panelas populares”), refeitórios populares coletivos, atenderam milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade no país.

Também se destacam movimentações no Chile, onde mulheres percorreram as ruas de Santiago em um movimento pela construção coletiva de uma nova constituinte, buscando enterrar a constituição neoliberal, autoritária e excludente da ditadura de Augusto Pinochet. Uma das características da nova constituição seria a “criação de um governo feminista que combata a violência de gênero e garanta o direito de cada mulher decidir sobre o seu corpo”. Nos dias atuais, as perspectivas são positivas para o Chile, onde o segundo turno das eleições presidenciais, realizado no dia 19 de dezembro, foi disputado por José Antonio Kast, um candidato pinochetista e ultraliberal (o conhecido “Bolsonaro chileno”), e Gabriel Boric,  representante da esquerda política nacional, terminando com a vitória desse último. A presença da extrema direita no país aparenta ser uma reação conservadora (ou “backlash”) a uma constituição que, dentre outras coisas, pretende incorporar uma perspectiva de gênero e objetivos feministas que podem abalar as estruturas vigentes. A conquista da esquerda, porém, traz esperança para outras eleições presidenciais, como a que ocorrerá no Brasil em 2022.

Tanto no Chile, quanto no Brasil e outros lugares do mundo, presenciamos a precarização das vidas de milhões de mulheres que continuam resistindo dentro de um sistema patriarcal, machista, misógino, racista e que ainda cultiva uma série de preconceitos contra a população LGBTQIA. Portanto, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher nos suscita reflexões que vão além da conscientização da sociedade e operacionalização de medidas a curto prazo: nos faz questionar toda a dinâmica capitalista que tem o poder de decidir quais corpos são dignos de viver e quais são matáveis (MBEMBE, 2016; BUTLER, 2020), e vislumbrar alternativas dentro e fora do Estado.

 

* Mestranda em Paz, Defesa e Segurança Internacional pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e pesquisadora do IARAS – Núcleo de Estudos de Gênero do GEDES.

** Graduanda em Relações Internacionais pela UNESP, bolsista FAPESP (processo 2021/04480-3).

Imagem por: UN WOMEN.

 

[1] No original “El acceso sexual se ve contaminado por el universo del daño y la crueldad —no solo apropiación de los cuerpos, su anexión a territorios, sino su damnación —. Conquista, rapiña y violación como damnificación se asocian y así permanecen como ideas correlativas atra- vesando el periodo de la instalación de las repúblicas y hasta el presente” (SEGATO, 2016, p. 21).

 

Referências Bibliográficas

BIROLI, Flávia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. Boitempo Editorial, 2020.

BUTLER, Judith. Corpos Que Importam: os limites discursivos do” sexo”. n-1 edições, 2020.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo Afrolatinoamericano. Zahar; 1ª edição. 2020.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. Editora Elefante: Coletivo Sycorax, 2019. Disponível em: http://coletivosycorax.org/wp-content/uploads/2019/09/CALIBA_E_A_BRUXA_WEB-1.pdf

HOOKS, bell. Teoria feminista. Editora Perspectiva SA, 2020.

MBEMBE, Achille.  Necropolítica. In: Arte & Ensaios. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. n. 32. 2016.

SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Traficantes de sueños, 2016.

SEGATO, Rita. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Revista Sociedade e Estado – Volume 29, Número 2,  Maio/Agosto 2014.

VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Ubu Editora, 2020.

ZARAGOCIN, Sofía. La Geopolítica del Útero: hacia una geopolítica feminista decolonial en espacios de muerte lenta. IN: Cruz, D y Bayon, M. (Eds.), Cuerpos, territorios y feminismos. Quito: AbyaYala y Estudios Ecologistas del Tercer Mundo, 2018.

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher: origens, avanços e retrocessos na América Latina e no Brasil sob a pandemia (Parte I)

Gabriela Aparecida de Oliveira *

Maria Eduarda Kobayashi Rossi **

 

O Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher (25 de novembro) foi instituído em 17 de dezembro de 1999, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, e homenageia as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal. Elas foram assassinadas por seu ativismo contra a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo (1930-1961), na República Dominicana. A criação da data pode ser vista como um reflexo dos esforços de movimentos feministas, os quais objetivam operacionalizar transformações sociais pelo fim da violência de gênero ⎼ que atinge não apenas mulheres e meninas, mas também homens, meninos e a população LGBTQIA +.

O contexto de sua criação foi marcado por uma série de avanços sobre as questões de gênero na agenda internacional. Destaca-se, em ordem cronológica: a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, 1979), a Declaração sobre Eliminação da Violência Contra a Mulher (1994), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995), bem como a elaboração da Resolução 1325/2000. Essa última originou a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, ressaltando a necessidade da participação de mulheres nos espaços políticos, nos processos de resolução de conflitos e construção da paz.

Desde sua origem, a data objetiva mobilizar a consciência social crítica, estimulando a efetivação de projetos, políticas públicas e planos de ação nacionais para prevenir as violências contra as mulheres e meninas, bem como proporcionar a igualdade de gênero na política[1]. Incentiva-se, também, a realização de pesquisas e a difusão de dados sobre o tema em questão. Vale mencionar que, no âmbito da ONU, muitos projetos são financiados pelo Fundo internacional para a eliminação da violência contra as mulheres e pelo Fundo para a Igualdade de gênero, os quais foram criados, respectivamente, em 1996 e 2009.

No Brasil, desde 1997, tais órgãos contribuíram para o financiamento de diversos projetos como o “Iyà Àgbá – Rede de Mulheres Negras Contra a Violência”, realizado pela Fundação Criola em 2005, e o projeto “Juventude e Arte para qualquer parte: pelo fim da Violência contra as Mulheres” realizado pela Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA, em 2017. Além disso, há cada vez mais iniciativas que buscam envolver os homens nas ações transformativas, incentivando a construção de masculinidades positivas. Nesse sentido, uma das instituições brasileiras que mais se destacou foi o Promundo, com os projetos “Engajando Homens para Acabar com a Violência Baseada em Gênero: um Estudo de Intervenção e Avaliação de Impacto em Vários Países” (2008) e “Envolvendo os jovens para acabar com a violência contra mulheres e meninas no Brasil e na República Democrática do Congo” (2016-2017).

No ano de 2021, em homenagem às pautas trazidas pelo dia 25 de novembro, a ONU Mulheres criou a campanha “Una-se pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, realizada entre os dias 20 de novembro e 10 de dezembro. As ações buscaram reduzir as violências que se manifestam das formas: direta (agressão física), estrutural, psíquica, sexual (como o estupro, mutilação genital), obstétrica e política. Tais violações cresceram durante o período da pandemia de COVID 19, e merecem atenção nacional e internacional. De acordo com a ONU Mulheres (2021): “A pandemia exacerbou fatores de risco para a violência contra mulheres e meninas, incluindo desemprego e pobreza, e reforçou muitas das causas profundas, como estereótipos de gênero e normas sociais preconceituosas. Estima-se que 11 milhões de meninas podem não retornar à escola por causa da COVID-19, o que aumenta o risco de casamento infantil. Estima-se também que os efeitos econômicos prejudiquem mais de 47 milhões de mulheres e meninas vivendo em situação de pobreza extrema em 2021, revertendo décadas de progresso e perpetuando desigualdades estruturais que reforçam a violência contra as mulheres e meninas”.

Na América Latina, o alto índice de violências de gênero e feminicídios – que coloca a região como o lugar mais perigoso no mundo para as mulheres – também sofreu um acréscimo durante a pandemia (TRICONTINENTAL, 2020). Em um contexto de crise econômica e ascensão de governos de direita e extrema direita na região, as violências contra mulheres e outros grupos marginalizados aumentam em número e crueldade. Observa-se, na América Latina, uma alta instabilidade política e econômica, bem como um acirramento do conservadorismo religioso (principalmente neopentecostal) e do neoliberalismo. Nesse contexto, atores de distintos perfis ideológicos coincidem no desprezo aos direitos humanos e aos tratados internacionais assinados para a garantia de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Ainda que o período anterior, marcado por governos de esquerda e centro esquerda, não tenha, necessariamente, promovido um avanço desses direitos, hoje vemos o fortalecimento da atuação de grupos conservadores religiosos e seculares. Assim, além da retirada de direitos de mulheres e outros grupos vulnerabilizados, presenciamos, em muitos países, a transformação de movimentos sociais em inimigos políticos. Como consequência, temos a deslegitimação de suas pautas e atos violentos dirigidos a ativistas (BIROLI et. al., 2020).

No Brasil, o projeto “Elas no Congresso” do Instituto AzMina, divulgou um levantamento das ações do governo de Jair Bolsonaro, constatando que os discursos misóginos, machistas, racistas e LGBTQIA+fóbicos do presidente de extrema-direita têm sido, de fato, colocados em prática. Em uma análise profunda de decretos, portarias, medidas provisórias, cartilhas de campanhas governamentais, direcionamento orçamentário, execução orçamentária e propostas legislativas, o AzMina concluiu que o ataque aos direitos das mulheres tem caracterizado as ações do atual governo.

Dentre essas ações, destacamos a perda de status ministerial por parte da antiga Secretaria de Políticas para Mulheres, a criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (cujos discursos restringem a concepção de “família” à família patriarcal e heteronormativa, também conhecida como “família triangular”: composta por pai, mãe e filhos, na qual a mulher deve desempenhar papéis de gênero tradicionais como cuidar da casa e dos filhos), e a extinção do programa “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência” (que foi substituído pelo programa “Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos”). Também se destaca a má gestão dos recursos que seriam destinados às políticas voltadas para a promoção de direitos e oportunidades sociais para mulheres. Dados mostram que o governo deixou de usar um terço dos recursos aprovados entre 2019 e o primeiro semestre de 2021, uma cifra de quase R$ 400 milhões que poderiam ter sido gastos no combate à violência de gênero, incentivo à autonomia e saúde feminina.

Ainda que o panorama das lutas feministas mostrem um avanço de suas conquistas e impactos sobre a sociedade, os dados recentes deixam evidente que muitas ações e políticas públicas devem ser feitas. Nesse sentido, é importante refletir sobre o papel do Estado na promoção da igualdade de gênero. Essa questão é assunto do artigo “Reflexões acerca das raízes da violência contra as mulheres e a questão do Estado” (clique aqui para ler!).

 

* Mestranda em Paz, Defesa e Segurança Internacional pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e pesquisadora do IARAS – Núcleo de Estudos de Gênero do GEDES.

** Graduanda em Relações Internacionais pela UNESP, bolsista FAPESP (processo 2021/04480-3).

Imagem por: UN WOMEN.

 

[1] Sobre este tema, é importante ressaltar  que a ONU Mulheres da América Latina e Caribe publicou, em 2020,  o documento “Rumo à paridade e à participação inclusiva na América Latina e no Caribe”, o qual foi elaborado em preparação para a 65º Comissão da ONU sobre a Situação da Mulher (CSW), trazendo avanços e desafios sobre a participação das mulheres em espaços públicos. Além disso, em 2020, a ONU esquematizou um mapa sobre a participação das mulheres na política, o qual pode ser consultado pelo link: <https://lac.unwomen.org/en/digiteca/publicaciones/2020/03/women-in-politics-map-2020>. Acesso em dezembro de 2021.

 

Entre dos pandemias: la ONU ante la violencia de género y la covid-19

Cristian Daniel Valdivieso [1]

Joyce Miranda Leão Martins [2]

 

En noviembre de 2018, el Secretario General de las Naciones Unidas, António Guterres, mencionaba, por motivo de la celebración del Día Internacional para la Eliminación de la Violencia Contra la Mujer, que la violencia contra las mujeres y las niñas es una pandemia. El actual máximo representante de la ONU ha apelado de forma incesante para la necesidad de promoción de medidas que permitan hacer de la igualdad de género una realidad consolidada en el respeto, la solidaridad y el trabajo conjunto entre representantes, ciudadanos y ciudadanas de los países del sistema internacional. El uso del término género, que indica la distinción entre condicionamientos biológicos de construcciones sociales, enseña que la institución cree que el enfrentamiento de esa pandemia también pasa por el combate a los simbolismos prejudiciales.

La enfermedad diagnosticada hace dos años por Guterres se ha agudizado con la llegada de otra pandemia, la Covid-19. Pese a que la propagación del virus y el prolongado impacto económico, ya evidente en todas las latitudes del planeta, son actualmente los grandes faroles de atención internacional, se acumulan víctimas invisibles de la violencia de género. Datos de la organización ONU Mujeres indican que la violencia de género se ve agravada por el confinamiento.

En estos momentos de resguardo social, los efectos psicológicos de la pandemia pueden resultar en el incremento de variados tipos de violencia, incluso la física. A esto se acompaña la ausencia de mecanismos de denuncia de casos de violencia familiar. En países como Argentina, Brasil, Colombia y México, la violencia contra las mujeres incrementó entre 30% y 50%. Asimismo, en Ecuador y Honduras, los hogares provisorios de acogida a mujeres maltratadas quedaron abarrotados, y los mecanismos de ayuda telefónica o virtual se han visto anulados por la inevitable presencia de los agresores en los hogares. Casos como Colombia, con más de 300 feminicidios entre enero y mayo, y Chile, con un aumento del 500% de pedidos de socorro por violencia de género, son el reflejo de la realidad regional.

En Argentina, Chile y España, los gobiernos han recurrido a la creación de códigos secretos, como el pedido de la “mascarilla 19” o “el tapabocas rojo” en farmacias, para que las víctimas puedan denunciar a sus agresores de forma segura y accionar efectivos policiales. Entretanto, ¿qué acciones están siendo promovidas por organizaciones internacionales para reforzar el combate a la violencia de género?

En primer término, es importante destacar que las acciones internacionales en función de la lucha por la igualdad de género comenzaron de forma tardía. Las convenciones de la ONU iniciaron solo en 1975, en las cuales, por motivo del Día Internacional de la Mujer, se organizó la Primera Conferencia Mundial sobre la Mujer, en México, y se promovió una agenda permanente para eliminar la discriminación contra la mujer y promover la igualdad de género. Como consecuencia de ello, uno de los principales marcos de la historia contemporánea a respecto de este tema es la resolución 1325 del Consejo de Seguridad que, buscando la igualdad e inclusión real en actividades político-sociales, insta a que las mujeres sean apoyadas por sus respectivo Estados en funciones de promoción de la paz en toda la verticalidad de sus jerarquías.

Como bien indica el art. 1 de la Carta de la ONU, de 1945, el objetivo principal de la institución es “mantener la paz y la seguridad internacionales”, meta irrealizable sin la igualdad, que involucra justicia y representación política, como señala Nancy Fraser. El art. 8 de la misiva reza que no se establecerá restricciones para la participación de mujeres y hombres en la ONU, respetando condiciones de igualdad de género. Sin embargo, la realidad muestra la existencia de brechas que denuncian por sí mismas la desigualdad en el propio seno de la entidad.

En el mismo año en que Guterres denunciaba la violencia de género como una pandemia, se anunciaba que, por primera vez en la historia de la institución, los altos cargos del organismo alcanzaban la paridad entre hombres y mujeres. Esto es evidencia de que, si bien la lucha por la igualdad está ocurriendo, lo hace a paso lento. Además, como la realidad lo refleja, la escaza divulgación mediática de este acontecimiento inédito refleja el bajo grado de relevancia que se otorga a estos temas a nivel internacional.

En segundo término, y bajo este crítico escenario de pandemias, la ONU y sus Estados-miembros enfrentan un complejo rompecabezas. La coyuntura demanda la reestructuración de los mecanismos que hasta ahora han permitido dar aquellos pasos lentos en favor de la igualdad. El momento exige urgencia.

Los impactos de la Covid-19, además del drástico incremento de violencia, gira en torno a aspectos económicos, profesionales, sociales y de movilidad en momentos de ampliación de flujos migratorios. Para las mujeres, dadas las condiciones de desigualdad de género, esos impactos son todavía peores: ellas ven una deterioración de sus ya precarias condiciones de vida, principalmente en lugares periféricos. Los cuerpos de salud en América Latina están constituidos en un 70% por mujeres, lo cual indica que ellas se encuentran más vulnerables en varios ámbitos, como ocurrió con el incremento de violencia hacia el personal médico en el trasporte público. Las mujeres también constituyen la principal mano de obra del subempleo, sin garantías ni resguardo de derechos. Desde otro ángulo, el trabajo no remunerado en el hogar es un peso duplicado por la presencia de sus hijos que no pueden acudir a las escuelas.

Otros impactos que se profundizan son la falta de acceso a créditos que permitan promover incentivos económicos de medios de subsistencia. La precaria situación de la mayoría de mujeres en Latinoamérica las vuelve más vulnerables en la medida en que ni siquiera poseen acceso a servicios básicos. Muchas de ellas son víctimas de explotación sexual. Aquellas que dependen de servicios públicos de salud, una grande mayoría, ven sus prioridades eliminadas. Si bien la crisis sanitaria actual demanda de esfuerzos conjuntos, el ya precario servicio de salud pública de algunos países de la región hoy se ve en la necesidad de robustecer en tiempo récord sus profundos déficits, muchas veces sacrificando la atención a gestantes.

Dado este complejo campo de batalla, ONU Mujeres ha emitido documentos que pretenden contribuir con respuestas a la crisis. Entre los puntos principales encontramos sugerencias para que los países trabajen en función de garantizar la atención reproductiva de las mujeres, sin dejar que sea una prioridad. Garantizar que las mujeres que forman parte de ese 70% del cuerpo médico latinoamericano tengan los instrumentos necesarios para enfrentar de forma adecuada la pandemia. Ese punto viene al encuentro de episodios en los cuales trabajadoras de salud han denunciado la falta de insumos para su propia protección, como ocurrió en el Ecuador.

Otro elemento es el aprovechamiento de la tecnología para facilitar la circulación de informaciones confiables que permitan que las víctimas de violencia de género encuentren vías seguras de denuncia y para prevenir el ciberacoso. Sugiere también que los datos gubernamentales en las diversas instancias político-sociales sean discriminados por sexo para que mejores políticas públicas sean destinadas de acuerdo a las necesidades y para combatir la sub-representación. Esta medida se vuelve central al momento de pensar que, conforme se aproxima la ya llamada “nueva normalidad”, es urgente que el uso de datos permita visibilizar las necesidades de mujeres que sufren de forma profunda los efectos de la epidemia de Covid-19 y para la elaboración de propuestas que permitan que ellas tengan garantías laborales, político-sociales y económicas que inclusive antes no tenían.

Por último, la ONU sugiere que los Estados promuevan políticas que permitan una división igualitaria con relación al trabajo no remunerado. Este punto refuerza la constante llamada al trabajo conjunto que realiza Naciones Unidas, pues la igualdad de género no es una tarea únicamente de las mujeres o que deba ser luchada apenas por ellas. Por el contrario, para conquistar una verdadera igualdad de género se requiere de la conciencia de hombres y de toda la sociedad para fortalecer la justicia social y aproximar a las mujeres que fueron excluidas de los contratos sociales.

Tal vez el principal enemigo de tan necesarias conquistas sea la mentalidad autoritaria, que no desea que tan antigua pandemia tenga un punto final. Que rechaza la participación de las mujeres en el espacio público y la libertad de ellas. Por eso, la lucha contra la violencia de género es también una lucha por más y mejor democracia.

El día 25 de noviembre se cumplieron 60 años que la dictadura de Rafael Trujillo, en República Dominicana, asesinó a las hermanas Mirabal, activistas contrarias a su régimen. La muerte de Minerva, Patria y María Teresa, debido a la gran conmoción que causó, fue también el inicio del fin del gobierno de Trujillo. Desde 1981, Latinoamérica conmemora el 25 de noviembre el día contra la violencia de género. Consecuentemente, marca también la lucha por igualdad y por derechos. Son justamente estos que no pueden quedar en el olvido. Aunque sean positivas las urgentes sugerencias de ONU, el reconocimiento de los derechos, y la exigencia relacionada al hecho, es fundamental para que las mujeres estén más fuertes ante otras pandemias y violencias. Para vencerlas, es preciso apresurar el paso.

 

Cristian Daniel Valdivieso es doctorando en el PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP) y investigador del GEDES; Joyce Miranda Leão Martins es doctora en Ciencias Políticas por UFRGS y investigadora de posdoctorado en PUC/SP.

 

Imagen de: Naciones Unidas.

[1] Doutorando do PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Membro do GEDES.

[2] Doutorada em Ciência Política pela UFRGS. Pós-doutorado em Ciência Política pela PUC/SP.