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Análise: com culpa no cartório, Kiev vai reciclar narrativa de Bucha para explicar ataque em Sumy

No dia 14 de abril de 2025, a professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca e membro do Centro de Investigação sobre Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), Danielle Makio, comentou à Sputnik Brasil as implicações jurídicas e narrativas do ataque russo à Universidade Estadual de Sumy, na Ucrânia.

Makio destacou que a realização de uma cerimônia militar em área urbana, com grande circulação de civis, “coloca a população local em risco absoluto” e constitui uma grave violação aos princípios do Direito Internacional Humanitário. Para a pesquisadora, a proximidade entre alvos civis e militares infringe a obrigação de distinguir entre combatentes e não combatentes, e expõe uma estratégia deliberada do governo ucraniano de usar “escudos humanos” para moldar a percepção pública internacional do conflito.

A professora também chamou atenção para a forma como o episódio tem sido abordado pela mídia ocidental. Segundo ela, o silenciamento ou a omissão sobre a natureza militar do evento em Sumy revela uma “seletividade narrativa” que reforça uma dicotomia simplista, apresentando a Ucrânia como vítima absoluta e a Rússia como agressora irracional. “Essa construção binária não resiste a uma análise mais crítica dos fatos em campo, mas é sustentada pela força do mainstream midiático”, afirmou Makio.

Para a especialista, há o risco concreto de que o ataque em Sumy seja transformado em “uma nova Bucha”, referência à controvérsia em torno da cidade ucraniana onde imagens de civis mortos geraram forte comoção internacional em 2022. “Se a cobertura continuar a descontextualizar os fatos, será mais uma oportunidade de manipulação da opinião pública internacional, com impactos diretos na escalada do conflito e na inviabilização de iniciativas de paz”, concluiu a pesquisadora.

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Te vira! ‘Desprezo de Trump’ força Europa a arcar com custos, embora continente já pague a conta

No dia 17 de fevereiro de 2025, o doutorando em Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança, Tito Livio Barcellos Pereira, e membro pesquisador do Centro de Investigação sobre Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou na Sputnik Brasil as implicações da política externa de Donald Trump sobre a segurança europeia e a gestão dos custos do conflito na Ucrânia.

Tito destacou que a postura de Trump reforça uma redistribuição de responsabilidades no cenário internacional, pressionando os aliados europeus a assumirem um papel mais ativo na sua própria defesa. Para o pesquisador, a mudança de abordagem dos Estados Unidos gera um dilema estratégico para a União Europeia, que precisa equilibrar seus interesses de autonomia com a realidade de uma infraestrutura de defesa ainda dependente da presença norte-americana.

Segundo o pesquisador, a falta de um consenso dentro da UE sobre como lidar com essa nova realidade pode levar a um cenário de fragmentação política ou, alternativamente, ao fortalecimento de iniciativas como a Cooperação Estruturada Permanente (Pesco) para reduzir a dependência de Washington. No entanto, ele ressalta que esse processo será lento e exigirá investimentos significativos, além de uma reformulação das relações transatlânticas.

“Os americanos não abrirão mão de sua presença militar no continente europeu, assim como os europeus não querem se desligar totalmente dessa segurança. O que está em jogo aqui não são laços de amizade, mas cálculos estratégicos e interesses nacionais”, afirmou Tito.

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Trump pode usar corrupção nos envios de ajuda à Ucrânia como cartada para encerrar o conflito?

No dia 17 de janeiro de 2025, o doutorando em Relações Internacionais na Universidade Estatal de São Petersburgo, Pérsio Glória de Paula, e a mestranda em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP), Maria Eduarda Carvalho de Araújo, ambos pesquisadores do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisaram na Sputnik Brasil o impacto da corrupção nos envios de ajuda à Ucrânia e como isso pode ser explorado por Donald Trump para pressionar Kiev a negociar a paz.

Pérsio destacou que a dependência ucraniana do apoio ocidental é um fator determinante para a continuidade do conflito e que a contenção desses recursos poderia forçar Kiev a dialogar com Moscou. Já Maria Eduarda ressaltou a crescente impopularidade do auxílio financeiro à Ucrânia nos Estados Unidos e na Europa, agravada por suspeitas de desvio de recursos. Segundo a pesquisadora, esse cenário fortalece partidos que defendem o fim desse suporte e levanta questionamentos sobre os reais interesses por trás da assistência internacional.

Para saber mais, clique aqui: Corrupção na Ucrânia pode ser arma de Trump para encerrar conflito, dizem especialistas.

Contrabando e Estado falido: saiba por que EUA desnuclearizaram a Ucrânia após a queda da URSS

No dia 6 de dezembro de 2024, o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou na Sputnik Brasil as razões por trás da desnuclearização da Ucrânia após a queda da URSS.

Tito explicou que os EUA, ao emergirem como potência unipolar no pós-Guerra Fria, desempenharam papel decisivo na transferência de armas nucleares soviéticas para Moscou, evitando o surgimento de novas potências nucleares. Ele destacou ainda o contexto geopolítico que culminou na adesão da Ucrânia ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) como país não nuclear, em 1994.

Para saber mais, clique aqui: Entenda como EUA atuaram na desnuclearização da Ucrânia após a queda da URSS

Terra incógnita: a identidade nacional russa pós-dissolução da URSS

Maria Eduarda Carvalho de Araujo*

O dia 26 de dezembro de 2023 marcou 32 anos desde a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Este marco teve repercussões significativas na arena internacional, especialmente na forma como influenciaram os projetos e o comportamento da Federação Russa em contextos regional e global (Dias, 2014). Este texto disserta sobre o processo de formulação da identidade nacional russa após a dissolução da URSS, destacando as diferentes tradições e escolas civilizacionais, influenciadas pela interação e relações com o Ocidente (especialmente Estados Unidos e Europa) (Tsygankov, 2019). Assim, observa-se que o processo de estabelecimento de uma identidade nacional russa esteve a par com a necessidade de redefinição da estratégia nacional de política externa.

A dissolução da URSS marcou o colapso de um sistema de valores que refletia uma crença compartilhada sobre o destino da Rússia e das demais nacionalidades presentes naquele espaço geográfico (Ferraro Junior, 2016; Tsygankov, 2007). De acordo com Malinova (2017), este acontecimento exigiu a reconstrução das identidades nacionais das antigas repúblicas soviéticas em fronteiras simbólicas, adaptando e estabelecendo narrativas sobre o passado em um novo contexto político. A Federação Russa, em particular, enfrentou o desafio de desenvolver uma identidade nacional própria, pois, conforme argumentado por Malinova (2017) e Kuzio (1997), tanto a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), quanto o Império Czarista, possuía uma identidade nacional distinta, pois a mesma passou pela construção da nação concomitantemente com a do império. Ou seja, a identidade nacional tendia a ser associada ao país como um todo, ao invés de alguma parte em específico. Dessa forma, após a dissolução da URSS, em 1991, a Federação Russa teve de estabelecer uma nova identidade nacional, recuperando recursos simbólicos e históricos, que estavam permeados por ideologia e sujeito a debates, gerando controvérsias profundas e alimentando conflitos políticos ao invés de promover uma coesão mais ampla.

Além disso, a dissolução da URSS, marcou uma situação de crise de identidade, reavivando o pensamento civilizacional na Rússia bem como o dualismo histórico sobre se a Rússia seria considerada um país europeu ou asiático (Tsygankov, 2007; Segrillo, 2016). Ao retomar o passado e a formação do Leste e Oeste, bem como as invasões de povos de ambos os lados, Segrillo (2016) aponta que a Rússia se viu obrigada a se posicionar estrategicamente com relação às influências externas, sendo desenvolvidas três escolas de pensamento sobre a civilização russa. A seguir se encontra uma tabela onde são apresentadas as principais características dessas escolas de pensamento. Contudo, vale pontuar que algumas existem desde o Império Czarista e todas são muito complexas e dinâmicas, dialogando entre si e apresentando, em certos pontos, similaridades ou até mesmo ambiguidades internas, abarcando também mudanças de paradigmas e alterações no decorrer do tempo:

Tabela 1 – Principais características das escolas russas de pensamento em política externa e a civilização russa

Descrição Atores Relação com as RIs
Ocidentalista (Westernizers) Enfatizam a semelhança e uma afinidade natural da Rússia com o Ocidente, o considerando uma civilização progressista e a mais viável. Por meio da união com as nações do Ocidente, a Rússia seria capaz de superar seu atraso econômico e político, bem como ser capaz de responder às ameaças externas. No período pós-soviético, pode ser subdividida entre liberais e sociais democratas. Alguns atores são:

●       Boris Yeltsin, ex-presidente da Federação Russa (1991 – 1999);

●       Dmitri Trenin, especialista russo e diretor do Carnegie Moscow Center entre 1994 e 2022.

Após a dissolução da URSS, os liberais russos estavam convencidos de que o novo mundo global era definido pela difusão do Ocidente, dos valores do mercado livre e da democracia liberal.

A visão de integração e parceria estratégica com o Ocidente, de Boris Yeltsin, assumia o desenvolvimento de instituições democráticas liberais e a construção de uma economia de mercado aos moldes ocidentais.

Estatista (Statists) Enfatizam a soberania, o status de grande potência nos assuntos globais; a defesa e fortalecimento do Estado Russo; nas capacidades econômicas e militares. Entre os principais atores pós-soviéticos, estão:

●       Yevgeny Primakov, primeiro-ministro da Rússia (1998 – 1999);

●       Sergei Karaganov, cientista político russo que dirige o Council for Foreign and Defense Policy.

Acreditam que a Rússia estaria exposta a ameaças externas e deveria permanecer uma grande potência capaz de responder a elas. Consideram a grandeza e a força da Rússia como objetivos de política externa.
Civilizacionista (Civilizationists) Enxergam a Rússia como uma civilização de valores culturais autênticos e distintos do Ocidente. Alguns pensadores defendem um compromisso com os valores do Cristianismo Ortodoxo, enquanto outros veem a Rússia como uma síntese de várias religiões e uma unidade eurasianista orgânica e distinta da cultura europeia e asiática. Composto por eurasianistas e nacionais comunistas. Algumas figuras contemporâneas são:

●       Patriarca Kirill, bispo ortodoxo russo;

●       Vladimir Putin, presidente da Federação Russa entre 2000 a 2008 e 2012 a 2024; e primeiro-ministro entre 1999 a 2000 e 2008 a 2012.

Mais orientados ao status quo, com respostas mais agressivas aos dilemas de segurança da Rússia. No contexto pós-soviético, alguns pensadores defendem a expansão externa como o melhor meio de garantir a segurança da Rússia, sendo também visto como legítimo e permitido no contexto internacional.

Fonte: tabela organizada com base em Tsygankov (2019); Tsygankov (2021) e Segrillo (2016).

As três escolas de pensamento procuram apresentar opções internacionais para a Rússia, de maneira a ter uma coerência com a história nacional e o mundo (Tsygankov, 2007; Segrillo, 2016). Como Tsygankov (2019) argumenta, a identidade da Rússia é um continuum, influenciado pela interação com o Ocidente em um processo histórico, retomando os tempos de Pedro, o Grande. Embora, em um contexto mais recente, as reformas de Gorbachev e a desintegração da URSS tenha aberto espaço para novos políticos russos que viam o país como uma parte da civilização ocidental, Tsygankov (2007) afirma que a tradição ocidentalista, quando aplicada no campo político pós-soviético, possuía fraquezas em estabelecer um paralelo histórico do país com o seu passado para justificar a adesão ao Ocidente. A perspectiva de integração fez necessário desenvolver instituições liberais democráticas e implementar reformas econômicas radicais, que aprofundaram a polarização sobre os caminhos que o país deveria seguir. O objetivo era inserir a Rússia e ganhar um status integral nas instituições econômicas e de segurança europeias, como a União Europeia (UE) e Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), seguindo o conceito de Casa Comum Europeia (Ferraro Junior, 2016, Tsygankov, 2007; Silva; Ilikova, 2022).

Porém, a conclusão foi que as reformas ocidentalistas e liberalizantes minavam a soberania russa e enfraqueciam a capacidade de modernização do Estado. Isso levou ao fortalecimento da oposição, que defendia uma identidade eurasianista e a Rússia como uma grande potência centrada em valores de ordem e segurança. À medida que o cenário se desenvolvia, apesar do processo de expansão da OTAN, os laços comerciais entre a Rússia e a Europa começaram a se fortalecer, consolidando o pensamento liberal no discurso nacional. O consenso sobre o eurasianismo, inspirado em Primakov, foi considerado ultrapassado e potencialmente conflituoso, exigindo uma revisão do dilema civilizacional da Rússia (Tsygankov, 2007).

Com a chegada de Putin ao poder nos anos 2000, a visão da Rússia como uma potência europeia marcou uma alteração na ideia civilizacional e uma nova visão dos interesses nacionais da Rússia (Tsygankov, 2019). Essa mudança de percepção baseou-se na exploração do passado russo, na história da identidade nacional e concentrou-se na segurança, na sobrevivência e na reconstrução econômica. Na segunda metade de 1999, os movimentos rebeldes chechenos e as explosões em prédios residenciais em Moscou, seguidos pela queda dos preços do petróleo, chamaram a atenção do Ocidente para a Rússia. Isso se deveu ao seu apoio na luta contra o terrorismo e à crescente importância do fornecimento de energia para as economias europeias (Tsygankov, 2007).

No entanto, após as revoluções coloridas na Geórgia, Ucrânia e Quirguistão, entre 2003  e 2005, juntamente com o forte apoio do Ocidente nestes movimentos, a Rússia os interpretou como desestabilizadores e direcionados contra o poder e a segurança do Kremlin. Além disso, a vontade da Ucrânia e da Geórgia em juntar-se à OTAN adicionou uma percepção russa de insegurança estratégica (Tsygankov, 2019). Este processo fez com que a Rússia emergisse como crítica ao Ocidente, buscando estabelecer seu próprio nicho econômico e político nos mercados globais e instituições políticas, bem como no reforço de sua influência no espaço pós-soviético (Dias, 2014; Tsygankov, 2021). Exemplos desses comportamentos são, como Dias (2014) aponta: as iniciativas regionais para preservar sua influência na região, por meio da Comunidade de Estados Independentes e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, também estão, assim como Tsygankov (2021) argumenta, as políticas de construção de uma União Econômica Euroasiática, a busca por melhorar a posição da Rússia dentro da Organização de Cooperação de Xangai e na movimentação para a Ásia, nas dimensões econômicas e políticas.

Como Tsygankov (2021) observa, as tensões entre Rússia e Ocidente, que vão, em um período mais recente, desde às revoluções coloridas, à guerra na Geórgia, em 2008, até a anexação da Crimeia, em 2014 e que atinge seu ápice com a crise ucraniana, por exemplo, auxiliaram no fortalecimento de vozes nacionalistas, que pressionaram o Kremlin a enquadrar seu discurso em termos civilizacionais, alterando sua trajetória para uma postura vista como antiocidental. Estes aspectos, ao lado da desintegração da URSS e o confrontamento com a necessidade de redefinir a estratégia de política externa, seguida pela dificuldade da Rússia em ser reconhecida e se projetar como um membro à altura do Ocidente nos fóruns internacionais contribuiu para um crescente orgulho nacional e fortalecimento dos valores distintos da Rússia e de seu caráter de grande potência (Dias, 2014; Tsygankov, 2021).

Concomitantemente, como Makio e Fuccille (2023) argumentam, as políticas de memória se tornaram uma questão de interesse do Estado desde 2005 e, a partir de 2012, passou a haver uma reformulação da identidade russa, se baseando em um apelo às memórias de eventos que marcaram a história russa. Malinova (2017) aponta que a Grande Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial) se mostrou a mais utilizável em termos de pensar o passado da Rússia. Isso exigiu uma adaptação dos discursos soviéticos e das práticas de comemoração. Assim, a dissolução da URSS e seu passado previamente consolidado são usados para garantir a continuação da identidade ao longo do tempo por meio da memória e de suas políticas.

O que se observa são tentativas para a inserção da Rússia no sistema internacional, influenciadas pelo desenvolvimento e comportamento em relação ao Ocidente. Este processo parece entrar, conforme Dias (2022) aponta, em um novo momento de competição sobre uma área de influência contestada tanto pela União Europeia quanto pela Rússia. A autora argumenta que o comportamento russo na invasão da Ucrânia mostra que os esforços de controle do espaço pós-soviético é um elemento central para a Rússia. Ademais, como Tsygankov (2019) argumenta, esta movimentação vem se enquadrando em discursos que seguem linhas civilizacionais, retomando memórias de um passado sagrado e que destaca a Rússia como uma potência independente da civilização europeia, algo visto com clareza tanto no discurso de anexação da Crimeia, em março de 2014, quanto no discurso de início da operação militar especial na Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Assim, o que se observa, por meio das escolas de pensamento russas e neste amplo processo político pós-soviético, especialmente mais recentemente, com a invasão na Ucrânia, é que o que determina as escolhas de política externa por parte de Moscou se baseia em como o Ocidente assimila a Rússia enquanto um membro igual e legítimo no sistema internacional. Neste processo, a legitimação da política externa russa baseia-se na articulação entre as tradições civilizacionais, que definem as imagens do país, sua identidade perante o mundo e na definição do futuro que se espera para a Rússia.

*Maria Eduarda Carvalho de Araujo é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bacharela em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). É bolsista CAPES, membro-fundadora do CIRE (Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético) e pesquisadora no Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: mec.araujo@unesp.br

Imagem: Foto de Roman Verton – Moscow, Rússia. Por: Pexels/Roman Verton.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIAS, Vanda Amaro. As relações da Rússia com a Ucrânia, Bielorrúussia e Moldova: poder, dependências e assimetrias no espaço pós-soviético. In: DAEHNHARDT, Patrícia; FREIRE, Maria Raquel (org.). A política externa russa no espaço euro-atlântico: dinâmicas de cooperação e competição num espaço alargado. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. Cap. 2. p. 57-84.

FERRARO JUNIOR, Vicente Giaccaglini. A construção do sistema político da Rússia pós-soviética: relações executivo-legislativo e federalismo de 1990 a 2015. In: SEGRILLO, Angelo; DOMINGUES, Camilo; FERRARO JUNIOR, Vicente Giaccaglini. Rússia, Ontem e Hoje: ensaios de pesquisadores do lea sobre a história da Rússia. São Paulo: Fflch/Usp, 2016. p. 57.

KUZIO, Taras. Borders, symbolism and nation‐state building: Ukraine and Russia. Geopolitics and International Boundaries, v. 2, n. 2, p. 36–56, 1997.

MAKIO, Danielle; FUCCILLE, Alexandre. The 2014 Russian Invasion of Crimea: identity and geopolitics. Revista Brasileira de Política Internacional, [S.L.], v. 66, n. 1, p. 1-20, 2023. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329202300113.

MALINOVA, Olga. Political uses of the great patriotic war in post-soviet Russia from Yeltsin to Putin. In: FEDOR, Julie; KANGASPURO, Markku; LASSILA, Jussi; ZHURZHENKO, Tatiana. War and memory in Russia, Ukraine and Belarus. Glasgow: Palgrave Macmillan, 2017. Cap. 2. p. 43-70.

SEGRILLO, Angelo. EUROPE OR ASIA?: the question of Russia’s identity in the discussions between westernizers, slavophiles and eurasianists and an analysis of the consequences in present day russia. 2016. 279 f. Dissertação (Pós-Doutorado) – Curso de História, History Department (Fflch), Universidade de São Paulo, Sao Paulo, 2016.

SILVA, André Luiz da; ILIKOVA, Lilia. A política externa russa e suas relações com a América Latina e o Brasil. Iberoamerica, [S.L.], n. 4, p. 70-91, 2022. Institute of Latin American Studies of the Russian Academy of Sciences ILA RAS. http://dx.doi.org/10.37656/s20768400-2022-4-04.

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A Ásia Central Pós-Soviética: 32 anos depois

Guilherme Geremias da Conceição*

Historicamente a Ásia Central foi uma região disputada por grandes potências, tendo em vista suas riquezas naturais e sua posição estratégica no coração da Eurásia[1]. Ainda assim, passadas três décadas desde o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da emancipação de cinco novos Estados no local, essa região permanece chamando pouca atenção dos estudiosos brasileiros dada à escassez de pesquisas disponíveis sobre o assunto. Mesmo que, com os desdobramentos recentes na política internacional, as perspectivas econômicas quanto ao uso de seu potencial exportador energético estejam sob análise, as características do desenvolvimento social da região, bem como a compreensão sobre os seus processos políticos, quando estudadas, continuam sendo conduzidas por um debate ocidental enviesado. Nesse sentido, com vistas a desfazer a aparência monolítica das repúblicas, este texto objetiva realizar um breve balanço sobre a Ásia Central pós-soviética, analisando seus projetos de integração regional e os posicionamentos internacionais adotados pelos países que compõem a região separadamente.

Uma vez que foram conservadas as fronteiras nacionais-administrativas, herdadas do período soviético, inúmeros problemas relacionados à distribuição de recursos, à infraestrutura, ao sistema de transportes e às questões étnicas eclodiram nas jovens repúblicas. Entregues a sua própria sorte, estas precisaram se estabelecer rapidamente enquanto Estados independentes sem a experiência de tê-lo feito anteriormente. Dessa forma, para os “cinco stãos” da Ásia Central, o fim da URSS significou enfrentar uma dura transição para o incerto e o desafio de organizar, em um curto período, quadros tecno-burocráticos e estruturas político-administrativas sem o respaldo prestado pela União anteriormente[2]. Embora alguns países da região tenham conseguido manter uma relativa estabilidade pós-1991 – o que não implica adoção de práticas democráticas ou a recusa de usar a violência contra opositores, como nos casos do Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão –, outros viveram momentos de conflito e tensão política desde os primeiros anos de emancipação, como foi a guerra civil no Tadjiquistão entre 1992 e 1997, e a instabilidade política pós-Revolução Colorida, ou “Revolução das Tulipas”, no Quirguistão entre 2005-2011 e 2017-2020 (Linn, 2004; Kubicek, 2011).

No tocante à política externa, os países da Ásia Central vêm se comportando de maneira pendular em relação às divergências territoriais que possuem entre si e às alianças bilaterais e regionais que firmaram durante os últimos trinta e dois anos. No caso tadjique, por exemplo, existe uma constante oscilação no relacionamento com os vizinhos Uzbequistão e Quirguistão. Enquanto, em 2018, Tashkent e Dushanbe discutiram sobre a cooperação industrial de defesa e exercícios militares conjuntos, em 2021, uma disputa por um corpo de água na divisa quirguiz se transformou em um dos confrontos fronteiriços mais graves desde 1991. No caso das relações, por vezes tensas, uzbeque-turcomenas, o Turcomenistão aceitou assinar a Convenção do Mar Cáspio em 2018 e trouxe uma resolução parcial para as disputas de fronteira com o Uzbequistão, com o qual mantém uma cooperação estratégica no setor energético. Podemos, ainda, considerar que embora o Estado turcomeno, rico em gás e autodeclarado “neutro”[3], e o Tadjiquistão possuam diferenças no quadro dos recursos naturais, ambos compartilham uma longa fronteira com o Afeganistão, principal produtor de heroína e ópio do mundo. Este fato, somado ao papel de rota para grupos extremistas, não somente destaca as fragilidades destes Estados como também o seu caráter de “escudos”, enquanto fiadores da segurança regional (Visentini, 2022; De Haass, 2017).

Por sua vez, o Quirguistão, conhecido como a “Suíça da Ásia Central” por abrigar as principais montanhas e bacias hidrográficas da região, tentou estabelecer uma política externa multidimensional concentrada em relações flexíveis com os Estados vizinhos. Mesmo que o início da década de 1990 tenha sido marcado por hostilidades com o Uzbequistão e o Cazaquistão, resultado da saída de Bishkek da zona do rublo, as três nações logo se aproximaram e criaram uma união econômica, a Comunidade Econômica da Ásia Central – hoje fundida com a União Econômica Eurasiática (UEE). Dessa forma, as disputas na fronteira uzbeque-quirguiz se estabilizaram na medida em que o Uzbequistão reconheceu a dependência dos recursos hídricos do vizinho e que o Quirguistão passou a necessitar do gás uzbeque. No mesmo sentido, o Cazaquistão apostou em uma inserção global multi-vetorial – em alguns momentos ocidentalizada. O país desenvolveu uma política exterior que equilibrou a triangulação Rússia-China-Estados Unidos no local ao mesmo tempo que sustentou as iniciativas de integração regional e a disputa velada pela hegemonia centro-asiática com o Uzbequistão.

O movimento conciliatório também foi adotado pelo Estado uzbeque recentemente. O país é o mais populoso e o único que compartilha fronteiras com os demais Estados da região, além de possuir a força militar mais especializada. Hoje, Tashkent, de maneira inversa ao modelo de inserção internacional tímido – e por vezes contraditório – desenvolvido desde o início da independência, busca cada vez mais a consolidação de relações bilaterais harmônicas, tornando-se novamente um player significativo para o xadrez geopolítico regional (Cornell; Starr, 2018; Toktogulov, 2022).

Como resultado do fim da Guerra Fria, os novos e instáveis países da Ásia Central também tiveram de lidar com uma série de atores internacionais dispostos a assentar sua presença na região, principalmente interessados em sua posição estratégica e nos recursos energéticos[4]. Abria-se, assim, um grande espaço para competição e concorrência entre atores locais e extrarregionais, com a entrada de países ocidentais na região e o sucesso de acordos para exploração de gás e petróleo, os quais deveriam compor com os países centro-asiáticos no decorrer dos anos 1990 em um movimento relacionado com a retração russa logo após o desmantelamento da URSS). Nesse sentido, Moscou não tardaria a retornar ao cenário com força total, principalmente porque busca controlar tais rotas de exportação via Comunidade dos Estados Independentes (CEI) ou via UEE. Já o esforço chinês de aproximação teria início em 1997 com a compra de direitos de exploração no Cazaquistão. Dependendo de importações de petróleo desde o começo dos anos 1990, Pequim procurava diversificar seus parceiros e diminuir a dependência das rotas marítimas de transporte (Cornell; Starr, 2018; Visentini, 2022).

Outros países também demonstraram interesse em fechar acordos com a Ásia Central. Entre eles estão Azerbaijão, Coreia do Sul, Índia, Irã, Paquistão, Japão e, mais recentemente, a Turquia, que busca capitalizar suas ligações culturais e étnicas com a região em troca de concessões econômicas e benefícios políticos (Toktogulov, 2022). Os Estados Unidos também aumentaram sua presença local no começo dos anos 2000, quando teve início a guerra ao terrorismo. A resposta americana aos ataques de 11 de setembro criou a necessidade de estabelecer pontos de apoio na conflagração contra o Afeganistão. Para tanto, Washington buscou parcerias com os países centro-asiáticos, estabelecendo bases militares em alguns deles. Esse contexto marca a aproximação entre os EUA e Uzbequistão, concretizada com a instalação na base de Karshi-Khanabad (K2). Processo semelhante foi desenvolvido com o Quirguistão através da criação de uma base (mansitcenter) localizada no aeroporto de Manas[5] (Schwirtz, 2011). No entanto, apesar dos esforços ocidentais de manter ativos esses canais de comunicação com os governos regionais, as pressões para a democratização e um possível epicentro de Revoluções Coloridas que se agregaram à presença dos EUA fez com que os regimes passassem a se sentir ameaçados.

Neste contexto, ocorre uma maior aproximação com a Rússia e a China, representados na figura da Organização para Cooperação de Xangai (OCX). Segundo Collins (2009), a criação da OCX[6] – uma evolução dos Cinco de Xangai – demonstra a existência de um espaço para cooperação em temas de segurança sem que os governos da Ásia Central percebam isso como uma ameaça. Isso se deve ao fato de que esses países teriam suas reivindicações contra movimentos radicais internos atendidas no âmbito da organização, como a Estrutura Antiterrorista Regional (SCO-RATS), sediada em Tashkent. Além disso, a OCX trabalha  em conjunto com a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), cujo mandato inclui a participação de sua Força Coletiva de Reação Rápida no combate ao terrorismo. Esta organização adjacente, fundada pela Rússia em 2002, conta com a participação da Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, e representa um forte pilar da influência do Kremlin na região (Visentini, 2011).

Como um último elemento-chave para entender o núcleo eurasiano pós-soviético, vale mencionar o desenvolvimento do que se convencionou chamar de Nova Rota da Seda ou Belt and Road Initiative (BRI). O conjunto de ambiciosos projetos de construção de rodovias, ferrovias, gasodutos e oleodutos hoje representa a incontestável conexão entre a infraestrutura chinesa e as repúblicas da Ásia Central. Estima-se que, entre 2013 e 2020, a quantidade total de investimentos chineses no Cazaquistão no âmbito da BRI foi de US$18,69 bilhões destinados ao setor de energia, transporte e mineração. Enquanto as empresas chinesas representam atualmente um terço do total de investimentos estrangeiros no Quirguistão, e participam a níveis superiores a 50% na dívida externa do Tadjiquistão. Os números são também expressivos no Uzbequistão, onde o IDE chinês foi de US$3,9 bilhões nos últimos três anos e tende a duplicar até 2025 (Gerstl; Wallenböck, 2020).

Ainda que de maneira mais tímida, o Turcomenistão também integra a estratégia de Pequim por meio do gasoduto Ásia Central – o qual conecta os campos Bagtyyarlyk e Iolotan ao coração da China, via Uzbequistão – e do Corredor Norte-Sul – que liga Rússia, Cazaquistão, Turcomenistão e Irã –, além da ferrovia Lapis Lazuli, que visa integrar o Afeganistão de volta ao comércio global por ligações com Azerbaijão, Geórgia e Turquia. A linha férrea também está prevista para conectar o Estado turcomeno ao Uzbequistão no Norte, ao Paquistão no Sul e a portos como Gwadar, no Golfo Pérsico (Gerstl; Wallenböck, 2020).

No entanto, se tratando de uma região com tamanha importância política, são inúmeros os desafios para o futuro da Ásia Central e seus projetos de integração. Diante dos últimos acontecimentos no Cazaquistão (2022) e do histórico deixado pelas Revoluções Coloridas desde a década de 2000, uma desestabilização efetiva no Quirguistão, por exemplo, poderia preparar terreno para a radicalização da rivalidade Sul no país, região de fronteira com o Tadjiquistão, e para a difusão de combatentes jihadistas visando o Uzbequistão e Xinjiang, na China[7]. Caso fosse o epicentro de uma revolta, o Estado turcomeno – que se encontra no centro dos interesses energéticos da China, de segurança imediata do Irã e de profundidade estratégica da Rússia – também poderia fragilizar a integração eurasiana, principalmente porque sua neutralidade internacional impediria o fornecimento de assistência militar multilateral no âmbito da CSTO ou da OCX[8]. Outro cenário provável, seria um distúrbio generalizado no Uzbequistão, mais especificamente na região autônoma do Karakalpakstão, o que poderia não somente irradiar a instabilidade para toda Ásia Central, por conta de sua localização, como também ressuscitar células do Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU)[9], que durante a “Guerra ao Terror” dos EUA no Afeganistão estiveram escondidas no Paquistão.

Com isso, nota-se que a Ásia Central enquanto região, mas também levando em consideração seus atores estatais e suas agendas externas independentes, passou a ser uma peça importante na estruturação dos cenários estratégicos internacionais. Seja pelo viés econômico, no âmbito dos recursos naturais que possui e em seu potencial de escoamento, ou pelas considerações político-securitárias, as quais envolvem o radicalismo de alguns grupos que agem na região e sua posição “pivotante”, conforme já defendido pelo geoestrategista britânico Halford Mackinder, em 1919 (MELLO, 1999). Nesse sentido, mesmo que as repúblicas centro-asiáticas sejam, comumente, caracterizadas pelo autoritarismo e apresentem similaridades ao ponto de serem analisadas em conjunto, os cinco Estados têm percorrido caminhos autônomos e alternativos entre si, bem como na perseguição de seus objetivos de desenvolvimento político e econômico, oscilando entre aliança e rivalidade. Dessa forma, se faz extremamente importante ressaltar o papel destes países para o resto do mundo, considerando o seu peso geopolítico e suas particularidades no cenário da integração eurasiana atual.

[1] Não por acaso, a famosa Rota da Seda tinha o espaço hoje formado pelos países centro-asiáticos como um de seus trechos de maior proeminência.

[2] Outro assunto de extrema importância para os países da Ásia Central é a gestão das águas na região e a consequente exploração de seu potencial hídrico, concentrado principalmente no Quirguistão e no Tadjiquistão. O compartilhamento de fluxos de água pelas repúblicas implica uma gestão compartilhada dos recursos, limitando assim o impacto que obras de irrigação e hidrelétricas poderiam ter sobre os países que repousam no baixo curso dos rios.

[3] Apesar dessa condição, o Turcomenistão mantém relações comerciais significativas com os EUA, Rússia, Irã e um crescente comércio transfronteiriço com o Afeganistão. Nesse sentido, o governo turcomeno parece aproveitar-se dos interesses – muitas vezes – conflitantes desses atores como meio de extrair concessões, especialmente em questões de energia.

[4] No que diz respeito ao petróleo e ao gás passíveis de exploração na Ásia Central, o estabelecimento de acordos multilaterais e bilaterais deram origem a uma rede de gasodutos e oleodutos ligando a região ao Ocidente e Oriente, seja através da Rússia – continuidade das tradicionais rotas de transporte – ou de novos caminhos e parceiros. Muitos projetos ainda estão em discussão e disputam o apoio dos governos regionais. Nesse sentido, ainda resta definir o futuro de projetos ambiciosos como, por exemplo, o Nabucco, o South Stream (ambos paralisados atualmente) e o TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia, hoje sendo implementado pelo Banco Asiático de Desenvolvimento), além daqueles ligados à Belt and Road Initiative (BRI), lançada no Cazaquistão em 2013 pelo presidente da China, Xi Jinping (Cornell & Starr, 2018).

[5] Em 2009, diante de pedidos para o fechamento da base por parte do governo do Quirguistão, os Estados Unidos concordaram em aumentar os repasses de investimento e em reformar o aeroporto de Manas para permanecerem na localidade. No entanto, a chegada de um novo presidente, Almazbek Atambayev, em novembro de 2011, reviu as reivindicações e declarou sua intenção de fechar definitivamente a base em 2014, ano em que terminaria a licença concedida aos estadunidenses (Schwirtz, 2011).

[6] Fazem parte da OCX: China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão. No início da década de 2010, considerados todos os seus membros, a organização ocupava uma área de 30.183,554 km, na qual viviam em torno de 1.532.323.523 de pessoas; e possuía um PIB somado de US$12,51 trilhões. Para fins de comparação, a União Europeia possui área de 4.324.782 km, para uma população de 502.489.143 de pessoas, e PIB de US$14,82 trilhões (Visentini, 2011).

[7] Ver mais em: KORYBKO, A. “The Coming Color Revolution Chaos And ‘Media Crimea’ In Kyrgyzstan” (2014), In KORYBKO, A. Hybrid Wars: the indirect adaptive approach to regime change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015.

[8] Ver mais em: KORYBKO, Andrew. “Turkmenistan As The Three-For-One Staging Ground For Eurasian Destabilization” (2014) In KORYBKO, A. Hybrid Wars: the indirect adaptive approach to regime change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015.

[9] No Afeganistão, o grupo que buscava estabelecer um califado islâmico no Uzbequistão, recebeu apoio do regime Talibã, da Interservices Intelligence Agency do Paquistão e da al-Qaeda de Osama bin Laden, além de orquestrar inúmeros atos de terrorismo no Estado uzbeque entre os anos de 1998 e 2009, utilizando suas instalações no Quirguistão (Cornell & Zenn, 2018).

 

*Guilherme Geremias da Conceição é mestrando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui interesses em temas de pesquisa como construção de Estado na URSS; política externa Uzbeque; integração regional na Ásia Central e espaço pós-soviético. Pesquisador e membro-fundador do CIRE (Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético).

Imagem: “Monumento Lenin”. Istaravshan, Tadjiquistão (1965). Por: Stefano Perego

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLINS, Kathleen. Clan Politics and Regime Transition in Central Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

CORNELL, S.E.; STARR, S.F.. “Regional Cooperation in Central Asia: Relevance of World Models”. The Central Asia-Caucasus Analyst, 2018. Disponível em: <https://www.cacianalyst.org/publications/analytical-articles/item/13547-regional-cooperation-in-central-asia-relevance-of-world-models.html>. Acesso em: 02 jan. 2024.

DE HAAS, Marcel. “Relations of Central Asia with the Shanghai Cooperation Organization and the Collective Security Treaty Organization”. The Journal of Slavic Military Studies, v. 30, n. 1, p. 1-16, 2017. DOI: 10.1080/13518046.2017.1271642.

GERSTL, Alfred & WALLENBÖCK, Ute. China’s Belt and Road Initiative: Strategic and Economic Impacts on Central Asia, Southeast Asia, and Central Eastern Europe. Reino Unido: Taylor & Francis, 2020.

KUBICEK, Paul. Authoritarianism in Central Asia: curse or cure. In Third World Quarterly, vol. 19, n. 1, p. 123, 2011.

LINN, Johannes F. Economic (Dis)Integration matters: the Soviet collapse revisited. The Brookings Institution, out. 2004.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica?. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999.

SCHWIRTZ, M. “New Leader Says U.S. Base in Kyrgyzstan Will Be Shut”. The New York Times, 8 de novembro de 2011. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2011/11/02/world/asia/kyrgyzstan-says-united-states-manas-air-base-will-close.html>. Acesso em: 02 jan. 2024.

TOKTOGULOV, B. “Uzbekistan’s Foreign Policy Under Mirziyoyev: Change or Continuity?”. Eurasian Research Journal, 4 (1), 49-67, 2022.

VISENTINI, Paulo Fagundes. O dragão chinês e o elefante indiano: a ascensão da Ásia e a transformação do mundo. São Paulo: Leitura XXI, 2011.

VISENTINI, Paulo Fagundes. Oriente Médio, Afeganistão e Ásia Central: a lógica da guerra sem fim. Porto Alegre: Leitura XXI, 2022.