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‘Histórico’: cúpula em Riad marca início do fim das sanções ocidentais contra a Rússia

No dia 25 de março de 2025, Getúlio Alves de Almeida Neto, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE) e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), analisou na Sputnik Brasil as negociações em Riad e seus impactos na segurança internacional e na economia russa.

Getúlio destacou que as possibilidades de ação ucraniana são essencialmente pautadas por Washington e que qualquer garantia de cessar-fogo só poderá ser concretizada através de um comando direto dos Estados Unidos a Kiev. Para o pesquisador, as palavras de Sergei Lavrov refletem uma realidade na qual a influência de Washington é determinante para que o Kremlin tenha maior segurança quanto ao cumprimento de eventuais acordos por parte da Ucrânia.

Sobre o acordo de suspensão de sanções contra o Rosselkhozbank e outras instituições financeiras, Getúlio afirmou que isso representa um marco importante na tentativa de reinserção da Rússia nos mercados globais. A retomada de operações agrícolas e comerciais, garantidas pela reconexão ao SWIFT e pela suspensão de sanções a empresas e seguradoras, é vista como um indicativo da disposição dos Estados Unidos em encerrar o conflito.

“O fato de os Estados Unidos concordarem com a retomada dessas operações comerciais é um claro sinal de cansaço e pragmatismo diante de um conflito prolongado”, concluiu Getúlio.

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#563 O que os Estados Bálticos perdem com a russofobia?

No dia 27 de fevereiro de 2025, Maria Eduarda Carvalho de Araujo, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e membro fundadora do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou de um episódio especial no podcast Mundioka.

Durante o programa, Maria Eduarda analisou a postura dos Estados Bálticos em relação à Rússia, discutindo as motivações por trás das políticas antirrussas adotadas por Estônia, Letônia e Lituânia. Entre os pontos abordados, destacam-se o fechamento de fronteiras, o alinhamento com Bruxelas e a recente decisão de desconectar-se do sistema elétrico russo — uma medida cujo impacto prático para os cidadãos desses países é questionável. A conversa também explorou as consequências dessas políticas para a população russa que reside na região.

Para ouvir o episódio completo, clique aqui: #563 O que os Estados Bálticos perdem com a russofobia?

Te vira! ‘Desprezo de Trump’ força Europa a arcar com custos, embora continente já pague a conta

No dia 17 de fevereiro de 2025, o doutorando em Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança, Tito Livio Barcellos Pereira, e membro pesquisador do Centro de Investigação sobre Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou na Sputnik Brasil as implicações da política externa de Donald Trump sobre a segurança europeia e a gestão dos custos do conflito na Ucrânia.

Tito destacou que a postura de Trump reforça uma redistribuição de responsabilidades no cenário internacional, pressionando os aliados europeus a assumirem um papel mais ativo na sua própria defesa. Para o pesquisador, a mudança de abordagem dos Estados Unidos gera um dilema estratégico para a União Europeia, que precisa equilibrar seus interesses de autonomia com a realidade de uma infraestrutura de defesa ainda dependente da presença norte-americana.

Segundo o pesquisador, a falta de um consenso dentro da UE sobre como lidar com essa nova realidade pode levar a um cenário de fragmentação política ou, alternativamente, ao fortalecimento de iniciativas como a Cooperação Estruturada Permanente (Pesco) para reduzir a dependência de Washington. No entanto, ele ressalta que esse processo será lento e exigirá investimentos significativos, além de uma reformulação das relações transatlânticas.

“Os americanos não abrirão mão de sua presença militar no continente europeu, assim como os europeus não querem se desligar totalmente dessa segurança. O que está em jogo aqui não são laços de amizade, mas cálculos estratégicos e interesses nacionais”, afirmou Tito.

Para saber mais, clique aqui: ‘Desprezo de Trump’ força Europa a arcar com custos, embora continente já pague a conta.

Trump ambiciona a Groenlândia para fazer frente à presença russa e chinesa na região

No dia 27 de janeiro de 2025, Getúlio Alves de Almeida Neto, membro-fundador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), publicou uma análise no The Conversation sobre o interesse renovado de Donald Trump na Groenlândia e sua relação com a presença russa e chinesa no Ártico.

O artigo explora a estratégia dos EUA para a região, as disputas geopolíticas entre Washington, Moscou e Pequim, e os possíveis desdobramentos da abordagem de Trump, que considera até mesmo coerção econômica ou militar para adquirir a ilha.

Confira a análise completa para entender como o Ártico se tornou um novo palco de rivalidade entre as grandes potências.

Trump pode usar corrupção nos envios de ajuda à Ucrânia como cartada para encerrar o conflito?

No dia 17 de janeiro de 2025, o doutorando em Relações Internacionais na Universidade Estatal de São Petersburgo, Pérsio Glória de Paula, e a mestranda em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP), Maria Eduarda Carvalho de Araújo, ambos pesquisadores do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisaram na Sputnik Brasil o impacto da corrupção nos envios de ajuda à Ucrânia e como isso pode ser explorado por Donald Trump para pressionar Kiev a negociar a paz.

Pérsio destacou que a dependência ucraniana do apoio ocidental é um fator determinante para a continuidade do conflito e que a contenção desses recursos poderia forçar Kiev a dialogar com Moscou. Já Maria Eduarda ressaltou a crescente impopularidade do auxílio financeiro à Ucrânia nos Estados Unidos e na Europa, agravada por suspeitas de desvio de recursos. Segundo a pesquisadora, esse cenário fortalece partidos que defendem o fim desse suporte e levanta questionamentos sobre os reais interesses por trás da assistência internacional.

Para saber mais, clique aqui: Corrupção na Ucrânia pode ser arma de Trump para encerrar conflito, dizem especialistas.

Contrabando e Estado falido: saiba por que EUA desnuclearizaram a Ucrânia após a queda da URSS

No dia 6 de dezembro de 2024, o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou na Sputnik Brasil as razões por trás da desnuclearização da Ucrânia após a queda da URSS.

Tito explicou que os EUA, ao emergirem como potência unipolar no pós-Guerra Fria, desempenharam papel decisivo na transferência de armas nucleares soviéticas para Moscou, evitando o surgimento de novas potências nucleares. Ele destacou ainda o contexto geopolítico que culminou na adesão da Ucrânia ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) como país não nuclear, em 1994.

Para saber mais, clique aqui: Entenda como EUA atuaram na desnuclearização da Ucrânia após a queda da URSS

Zelensky cobra proteção da Otan para negociar fim da guerra com a Rússia

No dia 2 de dezembro de 2024, o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, doutorando pelo Instituto San Tiago Dantas e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou no Correio Braziliense as recentes declarações de Volodymyr Zelensky sobre a necessidade de proteção da OTAN para negociar o fim da guerra com a Rússia. Pereira destacou que o pronunciamento do presidente ucraniano reflete a impossibilidade de reconquistar militarmente territórios ocupados e anexados pela Rússia, incluindo Crimeia, Donetsk e Lugansk.

Para saber mais, clique aqui: Zelensky cobra proteção da OTAN para negociar fim da guerra com a Rússia, diz especialista.

Leia aqui a versão impressa:

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Dez Anos De Resistência Das Unidades De Defesa Das Mulheres (YPJ): um balanço da primeira década da guerrilha curda exclusivamente feminina em Rojava

Letícia Gimenez*

Criadas em 4 de abril de 2013 em Rojava, território autônomo no norte e leste da Síria instituído em 2012 após a Primavera Árabe, as Unidades de Defesa das Mulheres (YPJ – sigla que advém de Yekîneyên Parastina Jin do Kurmanji, dialeto curdo) compõem uma guerrilha exclusivamente feminina de maioria étnica curda. As YPJ são um dos elementos internacionalmente mais famosos e reconhecidos da Revolução de Rojava, principalmente pela sua atuação no enfrentamento e consequente expulsão do Estado Islâmico na Guerra da Síria, libertando milhares de mulheres escravizadas em uma imensurável façanha da humanidade contra o extremismo. O presente texto busca refletir a trajetória e relevância das Unidades de Defesa das Mulheres – que completam sua primeira década de existência e resistência em 2023 – juntamente ao contexto atual enfrentado por Rojava, que se encontra diretamente ameaçada pela Turquia – país que realiza constantes ataques de drones, tendo invadido e ocupado militarmente partes do território autônomo desde 2016.

Em outubro de 2017, a cidade de Raqqa – localizada na Síria e considerada a capital do Estado Islâmico, onde milhares de mulheres yazidis foram escravizadas e sexualmente traficadas – foi liberada do grupo jihadista. A liberação ocorreu a partir de um anúncio histórico dedicado a todas as mulheres no mundo, sendo que a comandante da operação liderada pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) era Rojda Felat, uma mulher curda e combatente das YPJ. As Unidades de Defesa das Mulheres são constituídas a partir dos objetivos de autodefesa e de libertação das mulheres, o que reflete suas dimensões ideologicamente revolucionárias. As YPJ podem ser entendidas como um Ator Não-Estatal Violento [1] paramilitar, insurgente, étnico-nacionalista, totalmente feminino e também feminista, tendo como lema Jin, Jiyan, Azadi! (“Mulher, Vida, Liberdade!”).

Nesse sentido, a guerra contra o Estado Islâmico é também uma guerra contra o sistema patriarcal, pois, ao derrotar o inimigo, destroem-se as imposições violentas às quais são submetidas as mulheres no projeto de sociedade e de Estado imposto pelo grupo. Em 2016, um banner em al-Qamishli, considerada capital de Rojava, declarava: “vamos derrotar os ataques do Estado Islâmico garantindo a liberdade das mulheres no Oriente Médio”. Portanto, ao enfrentá-lo militarmente, as guerrilheiras das YPJ buscaram e seguem buscando reconstruir a sociedade e as relações de gênero locais. Assim, é possível compreender os motivos que levaram ao “hype” ocidental em torno das guerrilheiras curdas, tendo em vista o caráter inovador do surgimento da guerrilha exclusivamente feminina no Oriente Médio, região amplamente vista como uma das mais violentas do mundo para mulheres. No entanto, é importante ressaltar que parte da fascinação midiática ocidental em relação às combatentes curdas se deu de forma distorcida, sexualizada e orientalista – debate presente neste artigo e monografia –, sendo elas posteriormente esquecidas e silenciadas pela mídia após a expulsão do Estado Islâmico.

No que concerne ao aspecto étnico-nacionalista das Unidades de Defesa das Mulheres, suas combatentes são voluntárias e majoritariamente curdas, embora não seja obrigatório pertencer ao grupo étnico, havendo também a presença de mulheres árabes, assírias, armênias, entre outras etnias da região, além de internacionalistas de diversos países. As YPJ não representam a primeira vez que as mulheres curdas se organizam na luta armada; pelo contrário, são apenas a continuidade histórica da resistência já praticada: em 1984 elas já integravam as Forças de Defesa Popular – a guerrilha mista do Partido dos Trabalhadores do Curdistão –, sendo em 1993 criadas as primeiras unidades de guerrilha exclusivamente femininas, conhecidas como YJA-Star.

A chamada “questão curda” permeia, então, o surgimento das YPJ e sua atuação, assim como a Revolução de Rojava como um todo. Em linhas gerais, os curdos, o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, tiveram seu território violenta e colonialmente fragmentado em quatro partes com a criação de novos Estados no pós-Primeira Guerra Mundial, a partir da dissolução do Império Otomano. Assim, o Curdistão é um Estado-nação que não existe formalmente, pois suas fronteiras estão ocupadas pela Turquia, Síria, Irã e Iraque, em territórios cuja população é multiétnica, mas de maioria curda e que são respectivamente denominados como: Bakur (Curdistão Norte/turco), Rojava (Curdistão Oeste/sírio), Başûr (Curdistão Sul/iraquiano) e Rojhilat (Curdistão Leste/iraniano).

A partir da vivência de um século frente às consequências da limpeza étnica, assimilação cultural, genocídio e divisão de seu território, parte do movimento curdo, representado pelo Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e em uma virada pós-nacionalista na década de 1990, teorizou o Confederalismo Democrático. A proposta do Confederalismo Democrático abandona o ideal de criação de um Estado curdo, baseando-se em um sistema de organização social de democracia radical, caracterizado como decolonial e alternativo ao Estado, tendo sido implementado em 2012 no Curdistão sírio (Rojava) em meio à Guerra da Síria e oficializado através da Carta de Contrato Social, análoga à uma constituição. Por se tratar de uma revolução multiétnica, ecológica e feminista no século XXI, Rojava traz renovadas possibilidades para construção de novos mundos, em especial que não reproduzam a violência colonial constitutiva do Estado-nação – lição importantíssima aprendida pelos curdos através de sua própria história.

No entanto, o território autônomo no norte e leste da Síria encontra-se seriamente ameaçado por constantes ataques de drone turcos, além da invasão e ocupação militar de algumas de suas cidades, como Afrin e Serekaniye. Atualmente, a população curda resiste a violações diárias. Em sua grande maioria, a ocupação dessas regiões culminou em processos migratórios, com boa parte da população abandonando sua terra natal e se deslocando forçadamente para cidades próximas. No dia 22 de julho de 2022, um drone turco atingiu seu alvo numa estrada entre Al-Qamishli e Al-Malkiyah: um carro que transportava três mulheres combatentes das YPJ. Elas estavam saindo de um evento chamado “Fórum da Revolução das Mulheres” em decorrência do aniversário da revolução, que é reconhecidamente antipatriarcal e tem como um dos seus pilares ideológicos a igualdade de gênero. Apenas no primeiro semestre de 2022, a Turquia realizou 38 ataques de drone à Rojava, contabilizando 27 mortos e 74 feridos.

Também são comuns casos como o de Barin Kobani, integrante das YPJ assassinada em Afrin no início da invasão turca denominada “Operação Ramo de Oliveira”, em janeiro de 2018, por rebeldes apoiados e financiados pela Turquia que “brincaram com seu cadáver e o retalharam” enquanto câmeras filmavam. Assim como o caso de Amara Renas, também combatente das YPJ, executada por rebeldes que gritavam “Allahu Akbar!” em cima de seu corpo mutilado em um vídeo que foi posteriormente divulgado em redes sociais. A Operação Ramo de Oliveira foi iniciada em 20 de janeiro de 2018 pela Turquia em Afrin e, desde então, as mulheres curdas – incluindo as combatentes das YPJ – têm sido alvos de sequestros, estupros, torturas, execuções e mutilações, muitas vezes com divulgação de imagens e vídeos nas redes sociais.

Além dos ataques de drone, a Turquia utiliza-se de mercenários, incluindo ex-combatentes do Estado Islâmico, e atua sob a justificativa de combate ao terrorismo – mesmo que a suposta ameaça representada pelo território autônomo não esteja no território nacional turco, sendo externa e apenas fronteiriça. Afrin, que tem como patrimônio cultural suas oliveiras, é uma região de grande relevância econômica pela produção de azeite a partir destas árvores. No entanto, desde o início da ocupação, o bioma local tem sido extensivamente devastado, com o corte de milhares de oliveiras. Ou seja, a Operação Ramo de Oliveira traz em seu próprio nome, de maneira bastante irônica, a violência contra a terra, elemento tão importante para povos originários como os curdos. Desse modo, a ocupação atua de forma sistemática a dizimar os três pilares do Confederalismo Democrático: democracia radical, libertação das mulheres e ecologia.

Sendo assim, as guerrilheiras curdas, como as combatentes das YPJ ficaram conhecidas, não são um mero tabloide geopolítico orientalista e sexualizado, são mulheres que ativamente se armaram ideológica e militarmente contra o patriarcado e o Estado. Ao completarem sua primeira década em 2023, as Unidades de Defesa das Mulheres reafirmam que sua luta persiste, agora atuando frente à ocupação turca e aos resquícios do Estado Islâmico, que além dos ex-combatentes contratados pela Turquia, possui células secretas ainda ativas em campos de refugiados. Portanto, é preciso manter firme oposição ao silenciamento internacional e ao ditado popular que afirma que “os curdos não têm amigos, só as montanhas” e, como um verdadeiro internacionalista, colocar-se à disposição de aprender em conjunto a eles, defendendo sua revolução, sua terra e suas mulheres.

[1] Conceito traduzido de Violent Non-State Actors, os Atores Não-Estatais Violentos são muito diversos e variam em sua motivação, objetivos e estrutura. No geral, consideram-se Atores Não-Estatais Violentos: chefes militares, milícias, grupos étnicos e tribais, insurgências, grupos paramilitares, organizações terroristas, organizações de tráfico de drogas e grupos criminosos/gangues (Williams, 2008).

* Letícia Gimenez é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Estudos Curdos (NUPIEC), do Núcleo de Estudos de Gênero (Iaras-GEDES) e do Observatório Feminista de Relações Internacionais (OFRI).

Imagem: Btaalhão de mulheres do YPJ. Por Jakob Reimann/Wikimedia Commons.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CRUZ, Caio Nunes da. A estratégia do Confederalismo Democrático: um estudo dos escritos de prisão de Abdullah Öcalan (1999 – 2005). Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2022. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/235266. Acesso em: 23 set.. 2023.

DEAN, Valentina. Kurdish Female Fighters: the Western Depiction of YPJ Combatants in Rojava. Glocalism: Journal of Culture, Politics and Innovation, [s.l.], n. 1, p.1-29, 2019. Globus et Locus. http://dx.doi.org/10.12893/gjcpi.2019.1.7.

GIMENEZ, Letícia. AS UNIDADES DE DEFESA DAS MULHERES (YPJ): uma análise crítica e sob lentes de gênero da guerrilha feminina em Rojava. 2021. 70 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais e Defesa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/353980429_AS_UNIDADES_DE_DEFESA_DAS_MULHERES_YPJ_uma_analise_critica_e_sob_lentes_de_genero_da_guerrilha_feminina_em_Rojava. Acesso em: 10 ago. 2023.

GIMENEZ, Letícia. Guerrilheiras curdas em Rojava: a luta armada das mulheres no território autônomo do pôr do sol. Revista Internacional Feminista: Observatório Feminista de Relações Internacionais (OFRI), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-17, 05 jan. 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/373706972_Guerrilheiras_curdas_em_Rojava_a_luta_armada_das_mulheres_no_territorio_autonomo_do_por_do_sol. Acesso em: 10 ago. 2023.

GOL, Jiyar. Syria conflict: The ‘war crimes’ caught in brutal phone footage. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-middle-east-50250330. Acesso em: 10 ago. 2023.

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YPJ INFORMATION & DOCUMENTATION OFFICE, 2023. Ten Years of YPJ: The history of YPJ and its importance in the social transformation of North and East Syria. 2023. 28 p. Disponível em: https://ypj-info.org/wp-content/uploads/Ten-Years-of-YPJ4.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.

90 segundos para o fim do mundo e a carência de disposição à cooperação

Luiza Elena Januário*

 

No dia 24 de janeiro de 2023, o Bulletin of the Atomic Scientists anunciou que o Relógio do Juízo Final, ou Doomsday Clock, está marcando 90 segundos para a meia noite, o que representa o ponto mais próximo do apocalipse que a humanidade já esteve. A metáfora do relógio marcando o tempo para fim do mundo é uma figura utilizada para alertar sobre os riscos a serem enfrentados considerando a possibilidade de destruição do planeta por meio de dinâmicas relacionadas a avanços tecnológicos desenvolvidos pelo homem. Ou seja, está em pauta chamar a atenção da opinião pública e de líderes políticos para as ameaças que podem desestruturar as sociedades.

Criado em 1947, o Relógio do Juízo Final foi concebido a partir da preocupação gerada com o advento das armas nucleares. Durante a Guerra Fria, as marcações estimavam entre dois e doze minutos para o fim do mundo. Com o otimismo gerado pelo fim do conflito bipolar, foram estimados dezessete minutos para a meia noite em 1991, o ponto mais distante da aniquilação registrado desde o início da elaboração da metáfora. Vale ressaltar que a forma de sua concepção também foi alterada ao longo dos anos, sendo que em 2007 foram considerados pela primeira vez possíveis efeitos disruptivos associados à mudança climática. De qualquer forma, desde 2020 o Relógio do Juízo Final apontava cem segundos para a meia noite.

A questão nuclear foi central para acertar os ponteiros do Relógio nesse ano. Apesar de terem sido também considerados fatores relativos a ameaças biológicas, crise climática e tecnologias disruptivas, as armas nucleares representaram o cerne das preocupações, particularmente com os riscos associados à Guerra Russo-Ucrânia desencadeada em 2022. De fato, o diagnóstico hodierno é de crise da ordem nuclear. Desde o início do conflito, foram realizadas análises sobre a desestruturação de tal ordenamento e os prejuízos em termos de legitimidade do seu principal instrumento, o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), sendo também proposto que a crise atual encontra suas raízes na própria natureza da ordem nuclear, não representando uma distorção ou novidade.

De qualquer forma, entre as evidências de pontos de tensão associadas ao evento, podem ser citadas a falta de consenso na Conferência de Revisão do TNP de 2022, que foi encerrada sem aprovação de um documento final; a falta de consenso na Primeira Reunião das Partes do Tratado de Proibição das Armas Nucleares (TPAN) acerca da pertinência de se reprovar oficialmente a postura russa; a preocupação acerca da proteção de usinas nucleares em áreas de conflito e a insuficiência de meios para se lidar com tal tipo de situação; e a deterioração do diálogo estratégico entre Estados Unidos e Rússia, o que admitidamente já estava em marcha antes da deflagração do conflito na Ucrânia. O pessimismo associado à ordem nuclear global também está representado em outras facetas, como o fracasso de se relançar o Acordo Nuclear do Irã e os testes de mísseis balísticos da Coreia do Norte.

Particularmente a deterioração do diálogo estratégico entre Rússia e Estados Unidos é fonte de grande preocupação. Os panoramas de 2022 já indicavam apreensão com relação às perspectivas do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas, conhecido como New Start, o único acordo bilateral de controle de armamentos em vigor entre os dois países com os maiores arsenais nucleares do mundo. O compromisso expiraria em 2026 e havia a sensação que estava em perigo, uma vez que era necessário que Estados Unidos e Rússia buscassem retomar negociações para manter ou aprovar novas obrigações após essa data. No anúncio do Relógio do Juízo Final de 2023, foi pontuado que o findar do tratado “iria eliminar inspeções mútuas, aprofundar a desconfiança, estimular uma corrida armamentista e aumentar a possibilidade de uso de armas nucleares”. Além disso, houve frustração diante da impossibilidade de retomada das inspeções in loco, paralisadas desde 2020 devido inicialmente à pandemia de COVID-19 e, posteriormente, à guerra na Ucrânia.

Porém, o cenário foi agravado logo na sequência. No dia 21 de fevereiro de 2023, o presidente russo Vladimir Putin anunciou que Moscou estava suspendendo sua participação no New Start, demandando esclarecimentos acerca de sua forma de implementação, ainda que o mandatário tenha ressaltado que não se tratava de uma retirada do acordo. Putin também afirmou que a Rússia retomaria a realização de testes nucleares se os Estados Unidos assim o fizessem. A decisão de suspender a participação não foi recebida com surpresa, mas pode ser considerada delicada por introduzir mais incerteza em um cenário de grande animosidade. Apesar do mal-estar gerado, há a expectativa que as obrigações básicas sejam mantidas, já que o ministério de Relações Exteriores da Rússia afirmou que o país continuaria a cumprir os limites impostos pelo tratado enquanto ele estiver em vigor, respeitando as restrições quantitativas em relação a armas estratégicas ofensivas e continuando a notificar os Estados Unidos acerca do lançamentos de mísseis balísticos.

O New Start é um acordo de 2010, em vigor desde 2011 que estabeleceu limites quantitativos para os arsenais nucleares de seus signatários, com validade prorrogada até 4 de fevereiro de 2026. Apesar de ser um tratado mais recente, pode ser inserido na lógica de compromissos bilaterais de controle de armamentos promovidos por Estados Unidos e União Soviética, e posteriormente Rússia, desde a época da Guerra Fria. A perspectiva em pauta é de promoção de estabilidade estratégica e diminuição de incertezas, com base na cooperação. As iniciativas dessa natureza constituem um elemento importante em termos das ações desenvolvidas para lidar com a questão das armas nucleares. Ressalta-se que o diálogo entre os dois Estados foi central também para a arquitetura do regime de não proliferação, já que o TNP pode ser considerado fruto de convergência de interesses entre eles.

Talvez a característica definidora do momento atual seja justamente a falta de estímulo à cooperação no que se refere à questão nuclear. Durante a Guerra Fria existiram momentos de graves tensões, sendo necessário conviver com a possibilidade de escalada acidental ou proposital. Ainda assim, a metáfora do Relógio do Juízo Final remete hoje a uma imagem mais negativa e drástica do que naquele período. Os 90 segundo para a meia noite atuais podem ser associados à necessidade de dramatizar a questão para atrair atenção para os problemas e a consideração de outros fatores, mas a questão nuclear ainda está no cerne do ajuste dos ponteiros, ou melhor, parece que a falta de disposição política dos Estados para cooperar com o intuito de encontrar soluções para problemas comuns é o grande marco para o momento atual. No próprio anúncio de 2023 foi apontado que estava em curso o desmantelamento de instituições e normas internacionais essenciais para a formulação de uma resposta apropriada aos vários riscos enfrentados pela humanidade.

A ordem nuclear global é baseada em um compromisso discriminatório e, desde o ponto de vista de diversos atores, injusto. Apesar de todos os mecanismos de sustentação do presente ordenamento, é recorrente uma sensação de crise, insatisfação e promessas não cumpridas. Entendimentos básicos entre as superpotências da Guerra Fria representam aspectos basilares sobre os quais foi gradualmente edificado e mantido o regime de não proliferação, ainda que as convergências possivelmente fossem pautadas simplesmente por um interesse de manter o status quo. O declínio da disposição à cooperação em temas estratégicos significa, assim, maior incerteza e instabilidade para a arquitetura internacional. De forma similar, as iniciativas bilaterais dos dois países em termos de controle de armamentos representavam um importante aspecto de promoção de estabilidade e construção de confiança mútua. Ainda que não fossem suficientes para contornar os problemas intrínsecos à ordem nuclear, constituíam um esforço positivo e necessário.

O cenário atual é justamente de desmantelamento dessas iniciativas e de sua racionalidade, sem apresentação de uma alternativa viável. Ainda que não fossem suficientes, as ações existentes, baseadas na cooperação, eram fundamentais para amenizar os riscos associados às armas nucleares. Assim, o desmonte não é favorável mesmo ao considerar perspectivas críticas ao ordenamento. Afinal, a construção da ordem nuclear foi baseada no sufocamento de alternativas para se lidar com tais armas e a instabilidade de componentes relevantes para seu funcionamento não aparece acompanhada de espaço para novas formulações.

 

*Luiza Elena Januário é doutora e mestra em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC-SP). Professora da Universidade Paulista (UNIP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Imagem: Doomsday clock, positioned at 1.5 minutes to midnight. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Doomsday_clock_(1.5_minutes).svg>. Acesso em: 24 fev. 2023.

60 anos da Crise dos Mísseis de Cuba

Luiza Elena Januário*

Em outubro de 2022 completaram-se 60 anos da Crise dos Mísseis de Cuba – a Crise do Caribe para os soviéticos ou a Crise de Outubro para os cubanos. Tratou-se de um momento de grande tensão da Guerra Fria, em que o mundo estava à beira de uma guerra nuclear devido à descoberta pelos Estados Unidos de que a União Soviética estava instalando mísseis balísticos na ilha do Caribe que poderiam atingir o território da superpotência capitalista. Porém, a questão não se encerrou de fato em outubro e considerar facetas muitas vezes marginalizadas nas análises revela como o perigo de se desencadear um desastre nuclear era ainda maior do que imaginava. Apesar de bem difundida a periodização estadunidense – inclusive por Hollywood– de 13 dias de tensão, pode-se considerar que a crise corresponde, na verdade, a 59 dias, uma vez que ogivas nucleares soviéticas chegaram em Cuba no dia 4 de outubro e só foram retiradas em 1º de dezembro, sendo que não foram detectadas pelos estadunidenses.

Um caso para análise sobre tomada de decisão e gerenciamento de crises por excelência, a Crise dos Mísseis de Cuba é muitas vezes retratada como um sucesso dos líderes políticos em evitar uma escalada e garantir uma solução pacífica, especialmente do presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. Porém, um retrato desse tipo pode conduzir ao entendimento de que os tomadores de decisão centrais tinham o controle total de situação e seu desfecho se deve simplesmente a um bom manejo no mais alto nível político. Porém, reduzir a crise a tais aspectos é incorreto e pode levar a conclusões enganosas sobre como lidar com situações de tensão.

Um primeiro aspecto a ser considerado é como Cuba é apresentada quase como um palco, simplificada à sua posição estratégica. Ou seja, nega-se a sua capacidade de ação por meio de um entendimento de que o desencadear da crise, em qualquer sentido que se desse, dependia apenas das ações das duas superpotências.  Contudo, o fato de que a instalação de mísseis e ogivas ocorreu em Cuba lhe concedia algum grau de influência sobre os acontecimentos. Fidel Castro, particularmente, pode ser considerado um ator relevante ao se enquadrar a questão no nível doméstico. No caso, um ator que instigava os soviéticos a tomaram medidas mais arriscadas e provocadoras com relação aos Estados Unidos, aumentando a volatilidade do quadro.

Ademais, além dos mísseis balísticos, e de modo desconhecido pelos estadunidenses, armas nucleares táticas foram colocadas no país caribenho. De fato, na Conferência de Havana de 1992, a delegação estadunidense ficou extremamente chocada quando descobriu que os planos iniciais soviéticos para Cuba incluíam 80 armas nucleares táticas, com potencial de devastar qualquer tentativa de invasão a Cuba. De qualquer modo, a retirada das armas táticas presentes na ilha – que não estava prevista no compromisso entre Estados Unidos e União Soviética, já que a existência dessas não era conhecida – dependia da colaboração dos cubanos, sendo que Castro desejava mantê-las em seu território com o intuito de se defender de possíveis investidas dos Estados Unidos. Considerando que o líder revolucionário caribenho estava irado com a decisão da União Soviética de fazer concessões à potência americana e retirar os mísseis, pois ele se sentia humilhado e traído pelo acordo sobre o qual não fora consultado, a questão não estava sumariamente resolvida mesmo após a solução oficial ter sido acordada. Vale citar que o primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchov, enviou uma carta conciliatória a Castro no dia 30 de outubro em que demonstrava solidariedade à posição cubana e buscava justificar suas ações, assumindo um tom quase de pedido de desculpas.

Uma segunda questão que revela o engano de centrar totalmente a discussão nos tomadores de decisão é o que alguns pesquisadores denominam de Crise Submarina de Cuba. Como parte das preparações soviéticas para Cuba, quatro submarinos convencionais deixaram suas bases no dia 1º de outubro com destino ao país no Caribe. Os submarinos foram detectados pelos Estados Unidos quando se aproximavam da ilha e um incidente foi gerado em 27 de outubro, dia tradicionalmente conhecido como o mais perigoso de toda a Crise dos Mísseis, mesmo que não se considere a existência de uma crise submarina. O que os Estados Unidos não sabiam é que cada um dos quatro submarinos Foxtrot portava um torpedo nuclear e, pensando estar sob ataque, o capitão do B-59 quase disparou seu torpedo no dia 27. Tal faceta revela que o perigo associado à Crise era ainda maior do que se imaginava – e, no caso, nem Kennedy nem Khrushchov tinham controle sobre os acontecimentos.

A ideia de que um desastre foi evitado durante a Crise dos Mísseis devido à sorte não é nova, figurando em falas do ex-Secretário de Estado Dean Acheson e do então Secretário de Defesa, Robert McNamara, sendo que ambos atuaram no Comitê Executivo de Segurança Nacional (ExComm) formado nos Estados Unidos para aconselhar o presidente sobre o evento. Ressaltar tal elemento é o oposto de assumir o domínio dos principais jogadores sobre o jogo. Não se entende aqui sorte como algo relacionado a conjunções astrológicas ou superstições, mas um reconhecimento do papel do imponderável na política – um aspecto que não é ignorado ao longo da História, sendo possível encontrá-lo, para citar alguns exemplos bem conhecidos, nas formulações sobre de Maquiavel e no conceito de fricção de Clausewitz. Apesar de bem reconhecido, o imponderável, o acaso, a sorte, o que não se pode controlar ou eventualmente prever, causa desconforto na análise e na prática, uma vez que descortina justamente uma perda de controle, aumentando ainda mais a instabilidade em situações de crise. Considerar esse aspecto e suas implicações para crises envolvendo países nuclearmente armados é essencial nos dias contemporâneos, com a visível deterioração do ambiente de segurança.

Assumir que decisões políticas em situações de crise são tomadas por seres humanos falhos, que têm seus interesses e preconceitos e atuam com base em informações incompletas ou mesmo incorretas, não constitui nada extraordinário em análises sobre tomada de decisão. Ainda assim, muitas vezes a narrativa sobre a Crise dos Mísseis é guiada no sentido de ressaltar o controle da situação pelos mais altos líderes políticos. Os dois exemplos citados neste texto apontam que, na verdade, Kennedy desconhecia aspectos centrais sobre o quadro, que agravavam ainda mais uma possibilidade de escalada tanto acidental como proposital. A questão aqui não é criticar serviços de Inteligência e informações imperfeitas, mas reconhecer que qualquer análise mais aprofundada requer o reconhecimento do fato de que o destino do mundo não estava simplesmente nas mãos de Kennedy e Khrushchov e que a instabilidade e risco de escalada, especialmente acidental, eram muito altos.

Tal ponto é particularmente importante quando se pretende extrair lições das Crises dos Mísseis e utilizá-las para outras situações. O grande desafio é considerar o enorme potencial desestabilizador das armas nucleares no mundo hoje e como narrativas focadas no valor da dissuasão e da importância estratégica desse tipo de armamento escondem o fato de que nenhum país ou líder político tem total controle sobre o curso dos acontecimentos. No limite, o questionamento se refere ao ceticismo de que a posse de armas nucleares por um grupo reduzido de Estados – especialmente aqueles considerados legítimos sob o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) – seja um elemento que contribui para a estabilidade e para a segurança internacional.

 

*Doutora e mestra em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC-SP). Professora da Universidade Paulista (UNIP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

 

Imagem: CIA. Mapa mostrando o alcance dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cuban_crisis_map_missile_range.jpg>. Acesso em: 27 out. 2022.