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O setor de Defesa no novo PAC brasileiro

Marianna Braghini Deus Deu*

 

Em 11 de agosto de 2023 o governo federal brasileiro anunciou um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujas versões anteriores foram um marco dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 2000. O PAC foi originalmente concebido com a proposta de induzir crescimento econômico a partir de diferentes frentes, em especial na área de infraestrutura e facilitação de crédito, seus objetivos sempre estiveram voltados  para a criação de empregos e os projetos financiados, em conjunto, visavam a melhoria da qualidade de vida da população. Esses aspectos foram mais uma vez destacados no anúncio do novo PAC. Nessa versão do programa, uma mudança significativa foi a inclusão do setor de Defesa como destinatário de uma parte considerável dos recursos disponíveis. No entanto, essa decisão não está isenta de controvérsias devido à incerteza em relação à sua contribuição efetiva para os objetivos do programa.

Dentre os nove eixos anunciados, o setor de Defesa ocupa a quarta maior parcela desse orçamento. Foram alocados cerca de R$53 bilhões para “modernizar e equipar as forças armadas”, um montante que ultrapassa o destinado à Saúde (R$30,5 bilhões) e à Educação (R$45 bilhões). Esse fato tem gerado preocupações entre analistas da área, como enfatizado na nota assinada pela Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

Pela primeira vez o PAC tem uma de suas frentes voltada à Defesa, atendendo especialmente às Forças Armadas e à indústria de defesa nacional. Algo que pode explicar essa presença em um programa com as propostas do PAC, é a ideia de que tal emprego trará retornos em termos de crescimento econômico. A lógica do investimento na indústria de defesa como gerador de desenvolvimento nacional não é uma novidade. Historicamente, a proposta é referenciada como keynesianismo bélico, o qual perpassa necessariamente a formação de um complexo militar industrial, e que pressupõe uma dinâmica em que o gasto militar gera ganhos para a economia de maneira mais ampla.

Exemplos comuns de benefícios esperados são acordos de transferência tecnológica, construção de infraestrutura industrial de ponta, envolvimento de empresas e institutos de ciência e tecnologia (ICTs), geração de mão de obra qualificada, dinamização da cadeia produtiva nacional e fortalecimento da capacidade produtiva nacional. Tais ganhos são pilares da justificativa para os investimentos em defesa, sem deixar de mencionar a superação de dependência tecnológica-econômica e a consequente capacidade de exercício da soberania, ao passo em que se corrigem defasagens críticas do aparato bélico frente ao atual cenário de defesa.

Essa decisão do governo Lula não pode ser recebida com grande surpresa. Não se deve deixar de mencionar o que foram os governos do PT para a indústria de defesa brasileira. O período de 2003 a 2016 contou com importantes esforços de modernização. Grandes projetos estratégicos das Forças Armadas concebidos em meados da década de 1990, saíram do papel sob o governo Lula, como o Projeto Gripen da Força Aérea, o projeto dos blindados Guarani do Exército e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) da Marinha. Mas não foram apenas esses projetos que demarcaram as iniciativas de modernização da indústria de defesa brasileira.

Marcos institucionais como a renovação da proposta da Política Nacional de Defesa (PND), que estabelece os principais objetivos e marcos conceituais para o planejamento da defesa nacional, a articulação do Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED), com a ideia de otimizar a coordenação de esforços de modernização das Forças e de fortalecimento dessa base industrial, a Lei de fomento à Base Industrial de Defesa (Lei nº 12.598/2012) que instituiu regimes especiais de tributação e incentivos fiscais, a Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID) e em especial a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa (END), classificada pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) como “um dos momentos mais importantes” da indústria de defesa nacional, concedendo uma “nova perspectiva ao setor e definindo as políticas e orçamentos de médio e longo prazos, consolidando, assim, uma política nacional de valorização da indústria de defesa e que vislumbra, em última instância, a soberania nacional”.

Em boa medida, isso significa dizer que, colocadas as demandas militares, imperativas e urgentes pois são de matéria de segurança nacional, na formulação de políticas econômicas e tecnológicas, os principais entraves para que o Brasil tenha forças de segurança de ponta, atuais e responsivas a ameaças contemporâneas e futuras, sejam superados. Sob essa perspectiva, esse processo ocorre, inevitavelmente, de maneira a induzir desenvolvimento econômico para o país, traduzindo-se em uma situação generalizada de ganha-ganha.

Essa dinâmica não se impõe automaticamente nem mesmo em países desenvolvidos, cujos sistemas nacionais de inovação foram construídos sob demanda militar durante a Guerra Fria, vide o exemplo da tentativa de keynesianismo bélico durante o governo Reagan nos EUA, que não resultou no mesmo sucesso econômico de décadas anteriores. Isso porque há outros elementos macroeconômicos para além do mero gasto militar que determinam os resultados (FORDHAM, 2007). Assim, embora a formação do complexo militar industrial tenha sido uma experiência de sucesso no imediato pós-Segunda Guerra, sua dinâmica encontra limitações históricas e regionais, que não são adereçadas na proposição do complexo brasileiro pautada pelo setor político.

Para que um complexo militar tenha sucesso em gerar ganhos para a economia civil, é preciso que se estabeleçam mecanismos institucionais e políticas públicas ativas que garantam o aproveitamento das externalidades que tal complexo pode gerar. A estratégia de endogeneização tecnológica por meio da indústria de defesa demanda uma abordagem proativa do governo, por meio de políticas industriais que estabeleçam diretrizes, instituições e mecanismos para promover o avanço desse setor (AMBROS, 2022).

Espelhar padrões produtivos não garante que entraves para economias dependentes sejam suplantados, em especial quando se trata do setor de defesa, uma indústria intensiva em capital cujo impacto para a macroeconomia nacional não tem capacidade de transformar, por si só, características estruturais do subdesenvolvimento. Pode, ainda, reverberar em efeitos contrários ao que pretende um programa econômico voltado para a melhoria das condições de vida e redução de distorções socioeconômicas. A mimetização de padrões produtivos e de consumo estrangeiros implica na capacidade econômica para sustentá-los, a depender de capacidades produtivas ociosas e recursos disponíveis. Assim, quando os esforços produtivos não estão alinhados às reais demandas sociais e ao atendimento às necessidades básicas da população, resulta disso um desequilíbrio entre a priorização do governo e os interesses sociais (FURTADO, 2008, 2013).

O que não significa dizer das possibilidades de desenvolvimento tecnológico autônomo via indústria de defesa, tendo em vista que esta opera sempre nas fronteiras do conhecimento tecnocientífico, e demandas militares foram preponderantes na geração das principais tecnologias utilizadas atualmente no cotidiano civil. Menos ainda significa dizer que um país não deve buscar superar sua condição periférica.

Devido à relação crítica entre o desenvolvimento tecnológico e condições de dependência, dir-se-ia que o Estado tem a autoridade e o dever de impulsionar a indústria tecnológica. Muitas tecnologias digitais têm aplicações tanto civis quanto militares. Assim, a prevalência dessas chamadas tecnologias duais enfatiza sua importância, pois a capacidade de as produzir afeta a economia e a segurança nacional de um país.

Uma vez que o acesso a diversas dessas tecnologias é restrito por seus detentores (os países desenvolvidos), fica mais explícito o papel fundamental do Estado no investimento em pesquisa, no incentivo a inovação e na busca por parcerias para reduzir a dependência tecnológica, garantindo o desenvolvimento econômico e a soberania nacional (AMBROS, 2022).

Não se trata de questionar esses pontos. O objetivo aqui é salientar que a redução de dependência tecnológica, em especial movida por demandas militares, implica em um debate mais amplo sobre um projeto sociopolítico. Ademais, em um cenário em que expectativas de mercado constrangem o investimento público, o conflito distributivo orçamentário deve ser foco de atenção do governo federal. O Ministério da Defesa é uma das principais fatias do orçamento da União, mas cerca de 80% do montante é voltado ao pagamento de encargos sociais (salários, pensões, etc) – segundo dados do SIGA Brasil. É passível de questionamento a razão pela qual investimentos em modernização devem advir de um programa como o PAC – cujos objetivos não dizem respeito ao setor militar.

A questão central aqui abordada é se esses investimentos no setor de Defesa realmente contribuirão para alcançar os objetivos do PAC, que geralmente envolvem o crescimento econômico, a redução da desigualdade, a melhoria da infraestrutura básica, a educação e a saúde pública. A utilidade desses gastos em termos de retorno econômico e social pode ser questionada, especialmente se não houver uma justificativa nítida de como os investimentos no setor de Defesa se alinham com os objetivos gerais do programa e uma proposta ativa de como serão atingidos esses fins. Caso contrário, as externalidades do complexo militar não são apenas indiretas, como também apenas potenciais, repousando mais em pressupostos do que em mecanismos institucionais e sistemas de aprendizado na estrutura industrial.

Tais investimentos já se manifestam no aumento do orçamento destinado ao Ministério da Defesa, mas não de maneira significativa. O Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 enviado ao Congresso pela presidência, prevê um aumento ao ministério de aproximadamente R$5 bilhões em comparação com o PLOA do ano anterior, passando de R$121bi para R$126bi. No que se refere aos projetos contemplados pelo PAC, o aumento foi de apenas R$368 milhões.

Tabela 1: Projetos das Forças Armadas contemplados pelo novo PAC

Na proposta para 2024, as despesas com todos os investimentos são de R$8 bilhões, contra os R$7 bi proposto no PLOA de 2023, enquanto os gastos com pessoal e encargos sociais passariam de R$94 bilhões para R$98 bilhões em 2024. O projeto ainda será votado pelo Congresso e os valores podem passar por alterações.

Iniciativas vistas durante os governos do PT e essa nova leva de investimentos via PAC, que correlaciona diretamente demandas militares como eixo central de difusão tecnológica, são determinantes para que as Forças Armadas brasileiras e a indústria de defesa do país possam integrar seus próprios objetivos e interesses em diretrizes políticas nacionais mais gerais, voltadas a iniciativas de ordem econômica.

Equilibrar agendas de segurança com os interesses sociais é um desafio para qualquer governo democrático. A própria nota assinada pela ABED aponta que o governo de transição não criou um grupo de trabalho para lidar com as questões de Defesa. Questões de segurança nacional não são de acesso público, essa falta de transparência pode vulnerabilizar direitos cívicos e sociais, o que torna a questão de interesse público. A demanda por novos equipamentos e tecnologias não se justifica em si mesma; isto é, finalidades e diretrizes para seu uso devem ser pautados, em especial se tais demandas estão sendo colocadas em agendas econômicas que pretendem a prosperidade de uma nação.

 

* Marianna Braghini Deus Deu é mestra em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e doutoranda em Relações Internacionais pelo PPG San Tiago Dantas (Unicamp/Unesp/PUC-SP). Pesquisadora integrante do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia e Defesa (PAET&D).

Imagem: Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no lançamento do novo Programa de Aceleração Econômica em agosto de 2023. Por: Tomaz Silva/Agência Brasil.

Referências:

ABIMDE. ABIMDE comemora 34 anos de história. Disponível em: <https://abimde.org.br/pt-br/noticias/abimde-comemora-34-anos-de-historia>. Acesso em: 15 ago. 2023.

Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED); Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS); Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). Nota conjunta sobre o Novo PAC (2023). Disponível em: <https://www.abedef.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=215> . Acesso em: 15 ago. 2023.

AMBROS, C. C. (2022). Indústria de Defesa e Desenvolvimento: controvérsias teóricas e implicações em política industrial. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, 6(11). https://doi.org/10.22456/2238-6912.74955

BRASIL. Poder Executivo. Projeto de Lei Orçamentária 2024. Brasília, DF: Presidência da República, 2023. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9445685&ts=1693936714647&disposition=inline>. Acesso em 12 set. 2023.

FORDHAM, B. Paying for global power: costs and Benefits of Postwar U.S. Military Spending. In: The Long War. BACEVICH, A (org.). Columbia University Press: Nova York, 2007.

FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Companhia Penguin. Celso Furtado. Essencial. Organização Rosa Freire d’Aguiar. 1a. Ed. São Paulo: Penguin Classics Cia das Letras, 2013.

FURTADO, C. Da ideologia do progresso ao desenvolvimento. In: Criatividade e dependência da civilização industrial. São Paulo: Cia das Letras, 2008, pp.99-110.

MINISTÉRIO DA CASA CIVIL. Portal do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Disponível em: <https://www.gov.br/casacivil/novopac/>. Acesso em: 12 set. 2023.

Contos de Farda

           Matheus de O. Pereira*

À medida que as apurações sobre o 08 de janeiro avançam fica cada vez mais claro que as Forças Armadas tiveram uma atuação negligente – para dizer o mínimo – no episódio. A gravidade dos eventos tem servido para finalmente colocar em evidência a relação entre as Forças Armadas e a política, um dos mais adiados, e necessários, debates sobre a democracia brasileira. Longe de qualquer pretensão de exaurir o assunto, gostaria de chamar a atenção neste texto para a necessidade urgente de desconstrução do que chamarei aqui de mitologia da excepcionalidade, que envolve as narrativas e percepções sobre a Forças Armadas desde a sua gênese.

Esta mitologia corresponde, de modo sucinto, à caracterização das Forças Armadas como uma organização excepcional, uma ilha de modernidade em meio ao mar de atraso e primitivismo da sociedade brasileira. Formadas a partir da mimetização de elementos importados, as Forças Armadas seriam a representação de uma forma superior de organização e os valores típicos da caserna – hierarquia, disciplina, ordem – funcionam como contraponto ao que seriam características “inatas” dos povos locais, sobretudo os indígenas e os pretos: a lasciva, preguiça, falta de disciplina etc.

Embora seja uma caricatura sem qualquer fundamento, esta caracterização permite formar imagens poderosas que forjam uma identidade que é tanto autorreferida pelos militares como reproduzidas por atores externos. Uma declaração do Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa, dada em recente entrevista ao jornal O Globo, ilustra com perfeição como esta visão circula inclusive entre a esquerda. Segundo Rui Costa, “Na minha opinião, isso [os acampamentos na frente dos quarteis] não contribuía e não contribuiu para a imagem das nossas Forças Armadas, que sempre foram o símbolo do que está escrito na bandeira do Brasil: ‘Ordem e Progresso’”.

Outro aspecto relevante desta mitologia é a representação das Forças Armadas como probas, imaculadas, justamente porque se diferenciam dos vícios e mazelas imperantes na sociedade. Por outro lado, ao serem definidas como instituições de Estado e destinadas à defesa da pátria, elas se tornam uma espécie de repositório da nacionalidade. Os militares seriam, assim, a representação “verdadeira” do que é a Nação, estando, portanto, aptos a identificar quando os interesses nacionais estão em jogo, e sua suposta lisura os tornam apropriados para executar movimentos de saneamento da política, de afastamento da corrupção, de contenção da desordem.

Essa narrativa, que pode ser detectada em todos os episódios de golpismo dos militares, desempenhou papel fundamental na construção da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência em um contexto no qual a corrupção ocupava o posto de principal problema brasileiro. Ora, se o país se encontra engolfado no “mar de lama” da esquerda corrupta, quem melhor que um militar para pôr ordem na casa? O fato de Bolsonaro ser um troglodita até mesmo para os padrões dos militares brasileiros pouco importa – o fato é que ele habilmente manejou este elemento em seu favor. Uma vez no poder, Bolsonaro não apenas seguiu se apropriando exaustivamente da retórica militarista como promoveu uma verdadeira colonização da administração pública com militares que, por sua vez, fizeram o que sabem de melhor: expandir seu quinhão de privilégios às custas do erário.

Isto nos remete a um tópico que será central nos debates sobre o período recente: a narrativa segundo a qual a vinculação entre militares e bolsonarismo se dá no plano individual, e não institucional, isto é, a ideia de que o que ocorreu foi uma adesão de indivíduos militares, e não um endosso institucional das Forças, ao bolsonarismo. Esta é uma falácia que precisa ser urgentemente desconstruída.

Do infame tuíte do gen. Villas Bôas chantageando o STF até aos afagos aos golpistas acampados, as Forças Armadas são siamesas do bolsonarismo. Não duvido que as imagens de depredação do patrimônio artístico e cultural do país e de um sujeito defecando sobre a mesa de um ministro do STF arrepiem oficiais que se julgam membros de uma casta superior, mas não há ginástica retórica que desvincule as turbas bolsonaristas dos militares. É simplesmente impossível que mais de 6.000 oficiais da ativa ocupem postos na administração pública sem respaldo do Alto Comando, ou que as infundadas suspeitas sobre o sistema eleitoral sejam endossadas sem a anuência dos estrelados generais sem batalhas.

Esta narrativa, contudo, serve a vários propósitos fundamentais dos militares neste momento. O primeiro deles é evitar que os militares envolvidos no governo Bolsonaro sejam objeto de qualquer tipo de responsabilização pela coleção de absurdos formada nos últimos quatro anos, em particular no Ministério da Saúde. Um segundo interesse fundamental é assegurar a manutenção dos privilégios recentemente adquiridos – como o tratamento especial na reforma da previdência. Finalmente, os militares esperam manter-se isentos de qualquer tipo de controle por parte do poder civil, garantindo, assim, sua autonomia administrativa e política, inclusive na definição das prioridades orçamentárias.

Para garantir que sua agenda será exitosa, os militares precisam contar com mais do que sua expertise em relações públicas. Se as narrativas mitológicas sobre os militares persistiram por tanto tempo não foi apenas por ação da caserna, mas também por inação dos civis. É fundamental que os poderes estabelecidos se assenhorem de suas prerrogativas constitucionais e façam aquilo que se espera de qualquer democracia: que os militares sejam plena e irrevogavelmente subordinados ao poder civil – e não conciliados com ele. Evidentemente não se trata de exercício simples, mas a urgência que a questão adquiriu nos últimos anos não comporta mais adiamentos. As falas recentes do Presidente Lula e a demissão do gen. Arruda representam bons sinais, mas é preciso ir além. É preciso que haja um debate amplo e propositivo entre partidos, representantes eleitos e a sociedade civil, que discuta a sério o controle civil.  Caso isto ocorra, pelo menos para algo positivo a grotesca fuzarca golpista que tomou Brasília terá servido.

 

* Matheus de O. Pereira é Doutor em Relações Internacionais e Professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Imagem: Invasão do prédio do Congresso Nacional. Por: Agência Senado/Flickr.

O uso de drones militares israelenses dentro das fronteiras nacionais pela Força Aérea Brasileira

Murilo Motta*

 

Os drones são dispositivos de vigilância aérea, isto é, câmeras voadoras mobilizadas estrategicamente para coletar dados a partir do alto – que, em alguns casos, podem ser armadas com mísseis. Conforme Fernanda Bruno, a vigilância pode ser definida como “a observação sistemática e focalizada de indivíduos, populações ou informações relativas a eles, tendo em vista produzir conhecimento e intervir sobre os mesmos, de modo a conduzir suas condutas”. A vigilância permanente instaurada pela presença constante desses “olhos no céu” permite a coleta de diversos tipos de dados, que podem ser mobilizados em prol de estratégias de controle à distância sobre as populações que são seus alvos.

Desde 2010, a FAB emprega drones militares fabricados por empresas israelenses. Atualmente, quatro drones do modelo Hermes 450 (designado RQ 450 ao ser incorporado pela FAB) e um do modelo Hermes 900 (RQ 900), ambos fabricados pela Elbit Systems, são operados pelo Primeiro Esquadrão do Décimo Segundo Grupo de Aviação (1º/12º GAV), o Esquadrão Hórus, situado na base aérea de Santa Maria (RS). Além deles, dois Heron I (RQ 1150), fabricados pela Israel Aeroespace Industries (IAI), são operados desde 2020 pelo Esquadrão Orungan (1º/7º GAV), situado na base aérea de Santa Cruz (RJ).

Cabe ponderar as possíveis implicações da incorporação dos drones militares importados de Israel pela FAB, uma vez que podem ser estabelecidas conexões entre a ocupação dos Territórios Palestinos por Israel e a ocupação de favelas cariocas por Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP), a partir de 2008, e por Forças de Pacificação, entre 2010 e 2015. Além disso, as Forças Armadas brasileiras têm atuado crescentemente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tanto em territórios urbanos, notadamente no Rio de Janeiro, quanto em terras indígenas na região Norte do país, como na Operação Samaúma (2021). 

Entre 2016 e 2020, Israel foi responsável por 3% do comércio global de armas, sendo o 8° maior exportador de armas do planeta. As empresas produtoras dos drones empregados pela FAB se destacam nesse mercado: a Elbit Systems é a maior empresa privada de armamentos de Israel, enquanto a IAI é a maior empresa estatal do setor. 

A indústria de segurança israelense se desenvolveu simultaneamente aos conflitos com seus vizinhos árabes e às tentativas de ocupação dos Territórios Palestinos. Nas últimas décadas, o país se tornou um grande exportador de tecnologias militares, como os drones, notadamente desenvolvidas com base em suas experiências no controle e vigilância constantes sobre populações enquadradas como “ameaças à ordem social” nos Territórios Palestinos. 

A “ocupação aérea” dos Territórios Palestinos por aviões, helicópteros e drones é crucial na ocupação colonial contemporânea da Palestina, já que a maior parte do policiamento é feita a partir do ar, através da mobilização dos sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados, por exemplo. Nos Territórios Palestinos, a vigilância constante visa uma “condução de condutas” que objetiva subordinar a população palestina para que Israel possa explorar sua mão de obra e os recursos naturais dos Territórios da forma mais rentável possível. 

No Brasil, os drones militares israelenses foram originalmente incorporados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para integrar sua divisão de Aviação de Reconhecimento, que é responsável por fornecer dados para o Sistema de Inteligência das Forças Armadas. As principais justificativas para sua importação foram seus menores custos e sua maior versatilidade em relação a aeronaves tradicionais. Segundo estimativas de 2010, uma hora de voo de um drone custaria apenas um décimo do que custa uma hora de voo de uma aeronave tripulada. À época, representantes das Forças Armadas ressaltaram que os drones poderiam ser empregados tanto para fins militares, em missões de reconhecimento, designação de alvos, busca e resgate, vigilância urbana, costeira e de fronteiras, quanto em operações de segurança pública, de controle do desmatamento e em operações de defesa civil. 

De fato, o emprego de drones pela FAB entre 2010 e 2022 aconteceu tanto em exercícios militares de simulação de conflitos, quanto em operações na faixa de fronteira e em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nos exercícios de simulação de conflitos, seu emprego objetiva a captação de imagens que auxiliam no planejamento das missões, permitindo um melhor direcionamento das ações militares. Na faixa de fronteira terrestre, esse emprego acontece no contexto das operações Ágata, visando a coleta de informações com o objetivo de combater o narcotráfico e outros ilícitos transfronteiriços. Nas operações de GLO, os drones foram empregados na segurança de grandes eventos, no controle do desmatamento e em operações de ocupação em favelas cariocas, por exemplo. 

É importante que a sociedade civil esteja atenta e seja crítica às formas de emprego desses drones, uma vez que eles foram desenvolvidos para emprego em contextos militares, mas são crescentemente empregados pela FAB dentro das fronteiras nacionais, o que contribui para borrar os limites entre a defesa nacional e a segurança interna, podendo levar ao uso de equipamentos inadequados, à ineficácia de resultados e até mesmo à violação de direitos civis.

 

Imagem: Ilustração do conceito de drone militar. Por Freepik. 

Murilo Motta é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/Pucsp), bolsista CAPES (PROCAD-DEFESA) e membro da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia & Defesa (PAET&D)

Este ensaio é um resumo do artigo “Olhos no céu: a incorporação de veículos aéreos não tripulados israelenses pela Força Aérea Brasileira” publicado pela Revista Hoplos, v. 6, n. 11, 2022. A versão completa está disponível no site da revista.

Terras conquistadas e terras a conquistar: o xadrez do ministério da defesa

Lis Barreto*

Já há alguns anos nós assistimos a crescente militarização dos cargos políticos ligados à  União, sejam eles ministérios ou empresas subordinadas ao Governo Federal. O ministério da defesa não foi exceção a este movimento, tendo iniciado um ciclo de ministros militares a partir do governo do Presidente Temer e se mantendo desta forma até hoje (outubro de 2022)[1].

Estas não são notícias felizes. Para quem está familiarizado com a história brasileira e, em especial, aos debates acadêmicos em torno da importância do ministério da defesa, sabe que uma das maiores expectativas em torno da criação deste órgão esteve e está no seu papel na construção de relações civis-militares democráticas. Isto ocorreria através de várias mudanças, sendo um ponto essencial a própria presença de um ministro civil, que teria o papel de reduzir o contato direto entre os militares e o Presidente da República, como também o de evitar que as decisões políticas do ministério pendessem para um corporativismo (FEAVER, 2003). É controverso – e, creio eu, incorreto – afirmar que em algum momento já tenhamos atingido um controle civil dos militares, mesmo antes de vivenciarmos a militarização dos ministros. Apesar disso, o MD segue sendo a representação de uma vitória importante para a democracia. Imperfeito e criticado como é e sempre foi, ele logrou criar bases para que um dia possamos estabelecer – de jure e fato – relações civis-militares democráticas (BARRETO, 2021). São essas mudanças conquistadas a partir de 1999 que eu gostaria de chamar atenção, afinal somente entendo o quanto avançamos podemos entender o que está em jogo.

Antes de prosseguirmos nesta linha, faz-se necessário um pequeno adendo. Os avanços e mudanças que citarei adiante são de caráter institucional. Isso quer dizer que estou apresentando alterações que foram feitas nas regras do jogo, as quais influenciam as ações das personagens envolvidas e mudam o custo das suas ações. De uma forma simples, adoto aqui a visão de que quanto mais regrado é um jogo, mas custoso se torna jogar fora das regras. O aumento do custo deriva da previsibilidade que vem junto com o aumento de regras. Por exemplo, se todas as pessoas sabem que para comprar um artefato nós utilizamos dinheiro, seja ele físico ou virtual, torna-se custoso para uma pessoa querer comprar ou vender algo utilizando livros como meio de troca. Isso exigiria uma negociação a cada rodada de compra para se chegar em uma troca. Quando se implanta um padrão regrado, quanto menos espaços houver para dúvidas ou interpretações, mais previsível ele o é para os atores, que podem moldar suas ações e/ou expectativas com base nisso (NORTH, 1990).

Dito isto passamos aqui a destacar como o MD passou a delinear e circunscrever as relações civis-militares a partir de sua criação através da consolidação de padrões que se mantém até hoje, mesmo com os ministros militares. Ao final, aponto para o que acredito que precise ser a nova trincheira, sem perder de vista a necessidade de preservar e manter consciência daquilo que já conquistamos.

Oficialmente criado em 1999, o MD foi o resultado de longas e complexas sequências de jogadas e negociações envolvendo o Poder Executivo, as Forças Armadas e o Legislativo. Teve de tudo. Desde a criação da figura de um Ministro Extraordinário da Defesa para pressionar o Legislativo e as Forças, chegando às incríveis cessões ao estamento militar, o qual além de ter sido retirado da reforma previdenciária que acontecia em paralelo, recebeu aumentos salariais e manteve o status jurídico dos ministros para os seus Comandantes (MARTINS FILHO, 2006; FUCCILE, 2006).

No momento em que o ministério foi criado, o cargo de ministro da defesa não dispunha de funções formalizadas, sendo denunciado pela academia como um tipo de “Rainha da Inglaterra”, cuja existência era constantemente percebida como uma falsa liderança civil em um ministério fortemente militarizado (ZAVERUCHA, 2005). Neste contexto, tudo apontava para criação de uma instituição vazia, sem poder de alterar a relação próxima e direta entre os militares e o poder público. Contudo, instituições são coisas curiosas.

Um conceito famoso no estudo das instituições é o de consequências imprevistas. Ele é aplicado para explicar situações em que uma instituição tem um impacto não previsto. Normalmente a imprevisibilidade acontece porque nenhuma instituição é criada no vazio, e um novo arranjo institucional interage com os já existentes criando interações nem sempre previstas (PIERSON, 2004). No caso do MD, da forma como foi criado, pouco inspirava afetar democraticamente as relações civis-militares, mas acabou sendo a base para que a relação se tornasse mais regrada, mais previsível, ou seja, mais institucionalizada.

Destaco duas principais razões para o ocorrido. O primeiro é que, diferentemente da grande maioria dos ministérios, o MD não pode deixar de existir através de um Decreto Presidencial, pois o ministro consta na Constituição Federal[2]. Esta façanha conquistada em meio às negociações para a criação do MD, tornou o ministro da defesa uma figura constitucional, só podendo ser excluído com anuência de 3/5 do Congresso Nacional, tornando sua existência resistente aos humores políticos. O caráter mais perene do ministério ajuda a circunscrever o palco para o debate da questão militar e das políticas, transformando-o no grande centro da disputa de poder entre militares e políticos eleitos (BARRETO, 2021).

O segundo ponto é que, com o tempo – e com o timing certo –, o ministro da defesa conquistou funções. Entre 1999 e 2006, a ausência de diretrizes relacionadas ao cargo de ministro fazia com que este competisse internamente sobre suas próprias atribuições e, neste ambiente de disputa, ganhava quem tinha mais poder. No entanto, com a crise aérea de 2006 e a decorrente posse de Nelson Jobim, muda-se o perfil de quem ganhava este jogo (BARRETO, 2016). De 2006 até 2010, Jobim atuou com destacada liberdade no ministério, elaborando documentos de alto impacto, como a Estratégia Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa, chegando, inclusive, a ser a peça-chave na construção de um arranjo regional de defesa (VAZ, 2013). Tudo isso sem que um único pedaço de papel formal atribuísse a ele estas capacidades. Esta força política de Jobim criou a base para os seus sucessores pudessem dispor de tais atribuições, pois a Lei Complementar 136 de 2010 formalizou as primeiras atribuições do ministro da defesa onze anos após a sua criação (BARRETO, 2021).

Estes dois pontos nos ajudam a entender como o MD circunscreveu o espaço de debate da questão militar, ao legitimar o ministério como centralizador dos temas ligados as FA, como o campo a ser disputado. O MD também formalizou as formas de ação e interação, estipulando diretrizes e os temas que o são pertinente, através da figura que gradualmente se legitima a falar em nome do ministério, que é o ministro da defesa. Esta normatização criada em torno do MD oferece alguma previsibilidade no formato da interação do ministério com o governo, de forma razoavelmente estável.

No entanto, como todos sabemos, nem tudo são flores e há ainda um longo caminho pela frente. Se observarmos o trajeto aqui descrito, podemos notar que quando o MD se tornou o objeto de disputa de poder, em especial devido à dificuldade que seria extingui-lo, ocupá-lo se tornou essencial. A formalização das atribuições do ministro auxiliou no fortalecimento deste ator, mas dificilmente seria capaz de ir muito além se este andasse sozinho em um ministério completamente militarizado.

Nesta questão, foram realizadas alterações importantes no organograma do ministério da defesa, durante os mandatos dos ministros Nelson Jobim e Celso Amorim. Elas não reduziram a ala exclusivamente militar – que infelizmente se expandiu – porém criaram cargos diretamente subordinados aos ministros que dispunham de funções que, muitas vezes, concorriam com outras que existiam na parte já militarizada do MD[3]. Dito de outra forma, foi realizada uma duplicação de funções no ministério que – interpreto eu – ajudaram a manter a centralizar nas mãos dos ministros parte importante das decisões políticas do ministério.

Contudo, diferentemente das outras modificações citadas neste texto, esta não possui uma alta capacidade de sobrevivência, pois o organograma pode ser modificado por Decreto Presidencial e porque todos os cargos do MD são cargos comissionados. Isso quer dizer que a estrutura do ministério é completamente modificável e que não é possível criar uma memória institucional. Por esta razão, era de se esperar que, a partir de 2016, com os ministros militares, ocorresse um esvaziamento da estrutura frágil que fora criada nos anos anteriores. Contudo, poder é uma coisa muito séria e pouca gente abriria mão dele, uma vez que o possuísse. Então, ao invés de assistirmos ao fim do organograma duplicado, assistimos a sua militarização.

Para quem não sabe, os quadros militares do MD são divididos de forma bastante equitativa entre as três Forças[4]. Porém a escolha dos ministros da defesa é política e, dentre os militares, só o Exército foi contemplado. Por que o Exército iria destruir a duplicação se ele dispunha do 1/3 que lhe cabia e agora adicionava o puxadinho que antes cabia aos civis? A manutenção da desigualdade indica que a estrutura civil dispunha de alguma robustez. Esta não foi destruída – ainda – e mesmo que seja, esta poderá ser facilmente recuperada, enquanto outra forma de ação não seja criada e implantada. Contudo, esta dinâmica mostra a necessidade de garantir alguma sobrevivência civil dentro dela.

Não é nenhuma demanda nova. A primeira proposta formal para o estabelecimento de uma carreira civil para a defesa é anterior a criação do próprio ministério[5] e segue ecoando nas falas acadêmicas. Ninguém está supondo que será fácil ou que serão criados vários cargos ou, menos ainda, imaginando que isto poderá ocorrer sem concessões. Mas no jogo de xadrez institucional que se move lentamente ao longo das duas últimas décadas e, uma vez preservadas as movimentações anteriores, esta parece ser a próxima jogada lógica. Acredito eu que é chegada a hora de tentar criar uma memória civil dentro do ministério da defesa.

 

* Lis Barreto é doutora em Ciência Política em regime de cotutela entre a Universidade Federal de São Carlos e a Universidade de Lisboa. Lis recebeu o Prêmio Capes de Tese 2022 na área de Ciência Política e Relações Internacionais, com trabalho sobre a institucionalização das relações civis-militares no Brasil.

Imagem: Esplanada dos Ministérios. Por: Mariordo/Wikimmedia Commons.

 

[1] Ver o jornal O Globo: <https://oglobo.globo.com/brasil/temer-oficializa-primeiro-militar-no-comando-doministerio-da-defesa-22776031>; Ver Folha de S. Paulo: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/bolsonaro-multiplica-por-10-numero-de-militares-no-comando-de-estatais.shtml >.

[2] Através da Emenda Constitucional 23 de 1999.

[3] Informações disponíveis nos Decretos Presidenciais 3080 de 1999; 3466 de 2000; 4735 de 2003; 5201 de 2004; 6224 de 2007; 7364 de 2010; 7974 de 2013; 8978 de 2017; 9570 de 2018; 10076 de 2019; 10293 de 2020; 10806 de 20211; 0998 de 2022. Disponíveis no site do Planalto: <http://www.planalto.gov.br>.

[4] Com base nos decretos citados acima, quando não há divisão em três, há rodízio para a ocupação dos cargos.

[5] Foi proposto pelo então deputado José Genoíno em 1998, durante o tramite da PLP 250/1998. Ver Barreto,2021, p. 94-96.

 

Referências Bibliográficas

BARRETO, Lis. A Dimensão da Defesa na Política Externa dos Governos de Lula da Silva (2003-2010) e Rousseff (2011-2014). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), 2016. Disponível em: < https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/144188/barreto_l_me_mar.pdf>.

BARRETO, Lis. A institucionalização das relações civis-militares no Brasil (1988-2014): o papel das prerrogativas presidenciais. Tese (Doutorado em Ciência Política), 2021. Disponível em: < https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/14842>.

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FUCCILLE, Luís Alexandre. Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa no Brasil. 2006. 282 f. Tese (Doutorado de Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2006.

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VAZ, Alcides. A Ação Regional Brasileira sob as Ópticas da Diplomacia e da Defesa: Continuidades e Convergências. In: FAUSTO, Sergio; SORJ, Bernardo. (Orgs.) O Brasil e a governança da América Latina: Que tipo de liderança é possível? Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2013. São Paulo: Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), 2013.

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Referências midiáticas

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SEABRA, Catia; GARCIA, Diego. Bolsonaro multiplica por 10 o número de militares no comando de estatais.  Folha de S. Paulo, 6 de mar. 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/bolsonaro-multiplica-por-10-numero-de-militares-no-comando-de-estatais.shtml >.

 Ação e intervenção militar contemporânea

Mariana da Gama Janot*

 

O intervencionismo militar no Brasil é de longa data. No entanto, é a partir da década de 1930 via Góes Monteiro e, principalmente, após a criação da Escola Superior de Guerra, que o mesmo se transforma em uma doutrina de ação política das Forças Armadas com o objetivo de garantir a Segurança Nacional. Em linhas gerais, a Doutrina de Segurança Nacional pode ser descrita como uma ideologia norteadora das elites políticas, econômicas e militares rumo à conservação e promoção da ordem e de um dado tipo de progresso, partindo de interpretações conservadoras e autoritárias sobre a formação sociológica nacional. A Doutrina, expressando o pensamento militar, dimensiona a população brasileira como uma massa desgarrada, carente de condução forte rumo à coesão política e ao patriotismo, ao amadurecimento dos valores sócio-culturais, ao crescimento econômico, industrial e tecnológico, que, em linhas gerais, se traduzem na associação de prover segurança e desenvolvimento, ou, progresso e aprimoramento da nação de maneira controlada

Recentemente, a presença castrense maciça na administração pública e a publicização de seus projetos políticos para o futuro evidenciaram que esta ideologia permanece arraigada no estrato político-militar. O fato de as Forças Armadas terem controlado a transição, investido na sua versão sobre o Golpe de 1964 e sobre a Ditadura, e terem conservado grande parte de sua autonomia, inclusive para manter sua própria educação alheia à autoridade civil, são alguns dos motivos para esta preservação. Além desta conservação dentro da caserna e em seus círculos, é possível observar que o ímpeto militar de intervir sobre a população se manifesta, se reoxigena e reorganiza nas missões domésticas, que são a principal forma pela qual as Forças Armadas exercitam sua profissão de administrar e aplicar a violência estatal. 

Na região sul-americana, muito se debate sobre a necessidade e efetividade dessas missões para lidar com as questões complexas de segurança que se apresentam para as populações, como a violência urbana, crimes ambientais, crime organizado e narcotráfico, e quais seus ônus e bônus para as organizações militares. Parte da literatura concorda que o engajamento nessas missões é uma forma de responder pragmaticamente às demandas globais e locais de segurança, restando ajustá-lo com as expectativas e normas de um regime democrático, negociando seus limites e extensões junto às Forças Armadas. Em contrapartida, pesquisadores apontam que este engajamento pode ser extremamente nocivo às democracias, pois conserva o histórico interventor, mantendo uma compreensão militar de que as ameaças estão mormente localizadas no âmbito doméstico, e reforçando o militarismo na região. 

Concordando com estes últimos alertas, é preciso chamar a atenção para as muitas formas de engajamento militar doméstico no Brasil. Ancoradas no artigo 142, as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) são as mais conhecidas entradas de acionamento militar para lidar com assuntos internos, e podem abarcar as mais diversas atividades, desde a segurança de determinadas estruturas físicas até cobrir a segurança pública durante paralisação de Polícias Militares, realizar a segurança durante eleições e atuar em conflitos no campo. Ainda, algumas operações de GLO voltadas para coibir a violência urbana se transformaram em operações de Pacificação, como as Operações Arcanjo (2010-2012) e São Francisco (2014-2015), realizadas durante o programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro, no contexto de combate ao crime organizado e guerra às drogas, bem como em operações de estabilização sob a égide das Nações Unidas, como no Haiti, República Centro-Africana e República Democrática do Congo. As GLOs também se desdobraram na condução da segurança durante grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016)

Uma diferença importante nesse escalonar das GLOs está no alcance de suas atividades: enquanto uma operação de GLO para cobrir o pleito eleitoral é pontual e bem definida temporalmente, e as Forças Armadas estão essencialmente cumprindo atividades de patrulha e policiamento das ruas, GLOs que se transformam em Pacificação e as Operações para os Grandes Eventos são mais extensas. Apesar de também envolverem os militares em ações policiais, o principal elemento nestas operações é posicionar as Forças Armadas em centros administrativos, onde ocupam espaços privilegiados no planejamento estratégico das operações, enquanto coordenam atividades com outras agências – outras forças policiais e órgãos civis, governamentais e não-governamentais, incluindo empresas e organizações privadas, e realizam mais atividades junto à população, como programas de comunicação, educação e assistência. 

Em 2018, este posicionamento é elevado com o deflagrar da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, na qual toda a administração da segurança pública do Estado ficou sob comando do Gabinete da Intervenção e seus oficiais – dentre os quais o Interventor, General Braga Netto (PL), que posteriormente se tornou Ministro-Chefe da Casa Civil, Ministro da Defesa, e candidato à vice-presidência junto a Jair Bolsonaro (PL) – a fim de promover uma reforma interna nos órgãos de segurança do estado e deixar um legado estratégico. No mesmo período, essa ação gestora também se manifestou na Operação Acolhida, em Roraima, marcada como uma operação de logística para gerir a crise migratória na fronteira com a Venezuela. Nessas operações, vigora uma compreensão de que a gestão militar, devido à expertise logística da organização, é mais bem-preparada para lidar com situações críticas e urgentes, como a segurança pública ou de fronteira. No caso da Intervenção Federal, esse posicionamento é bem explícito, na medida em que o próprio Gabinete declara que a Intervenção foi capaz de prover um legado estratégico para a gestão do Rio de Janeiro pois, ao contrário de administrações passadas, foi conduzida por profissionais verdadeiramente compromissados. Na prática, houve um conjunto de materiais – veículos, armas, drones, uniformes, computadores e outros equipamentos tecnológicos – entregues aos órgãos de segurança pública, e cursos realizados para capacitar os agentes policiais em uma série de atividades, bem como mudanças internas nas agências. Isto não se traduziu em melhorias no serviço de segurança, nem durante e logo após a Intervenção, tampouco no longo prazo, pelo contrário: houve um aumento exponencial da violência, sobretudo das mortes por agentes policiais, além de inúmeros casos de abusos contra a população e desvio de verba

Há, ainda,  outras formas de acionar as Forças Armadas domesticamente, em contextos que não envolvem o combate ou o uso mais robusto da força que, entretanto, também podem contribuir para um intervencionismo militar. Trata-se das Ações Cívico-Sociais (ACISOs), atividades realizadas cotidianamente pelos militares no Brasil e, também, em outros países quando engajados em operações das Nações Unidas, em áreas consideradas instáveis ou, de alguma forma, não-assistidas pelo serviço público. Estas ações costumam envolver algum tipo de entrega de serviço, como assistência médica ou sanitária, campanhas sócio-educativas, entre outros que, segundo o Exército brasileiro, contribuem para melhorar as relações entre governo, Forças Armadas e população, promovendo espírito cívico e dissuadindo comportamentos considerados contrários aos interesses das autoridades civis ou militares. Fica a cargo de cada Força deflagrar ACISOs e coordená-las com outros órgãos, o que dificulta a supervisão e controle civil sobre as mesmas, seja como ações pontuais ou mesmo dentro de operações, como as GLOs e Pacificações, e também ao longo da Intervenção Federal

Apesar de cumprirem objetivos diferentes, essas modalidades de ação militar doméstica parecem compartilhar de um denominador comum: a organização militar intervém sobre diferentes dimensões domésticas, incluindo a vida rotineira da população, na posição de administrar situações consideradas críticas e, portanto, ameaçadoras – ou potencialmente ameaçadoras – da ordem e estabilidade. É verdade que a construção de ameaças à segurança – como o crime organizado e narcotráfico, migrações, entre outros – envolve muitas dimensões e agentes, porém as Forças Armadas – e demais forças de segurança, de modo geral – ocupam uma posição central na condução desses processos porque estão diretamente envolvidas na organização e emprego da violência estatal. Afinal, faz parte do exercício da profissão militar procurar por potenciais riscos à segurança do Estado, e pensar meios para lidar com as situações elencadas. 

Entretanto, em democracias, não faz parte da competência militar procurar por estes riscos em meio à população, elencar segmentos sociais como espaços de dissenso que precisam ser civilizados, tampouco definir onde, como e quando empregarão a força contra as pessoas, ou exercer autoridade sobre outras agências civis e policias dentro de um regime democrático. Hoje, é possível recapitular diversos eventos nas duas últimas décadas que contribuíram para o atual quadro de militarização no país, e é essencial que se considere as missões domésticas neste levantamento como parte de um processo complexo de acúmulo de experiências de intervenção. 

 

* Mariana da Gama Janot é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais e Mestre em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Imagem:  Forças Armadas fazem operação conjunta com as polícias Civil e Militar em comunidades na zona oeste da cidade. Os militares estão apoiando ações nas comunidades de Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia (Tânia Rêgo/Agência Brasil).

O exemplo da Colômbia: um convite à ousadia

Ana Penido*

O povo colombiano elegeu, em 19 de junho de 2022, seu novo presidente, o senador Gustavo Petro, ex-guerrilheiro; e sua nova vice-presidente, Francia Márquez, mulher negra, ativista ambiental e defensora dos direitos humanos. Formou também uma das maiores bancadas de esquerda da história do país, além de reduzir o espaço do uribismo, que dominava a política há 20 anos. O contexto eleitoral foi de aumento da violência política e social em níveis anteriores aos dos acordos de paz, com ampla atuação de grupos paramilitares. Desde o início de 2022, 76 lideranças políticas de esquerda foram assassinadas

Petro e Márquez tomaram posse dia 07 de agosto de 2022, em cerimônia que contou com a presença da ex-presidenta brasileira Dilma Rousseff. No dia 19 de agosto, o presidente fez seu primeiro discurso direcionado aos militares colombianos, durante a posse do Major-General Henry Armando Sanabria Cely como novo Diretor Geral da Polícia Nacional Colombiana. Dada a importância da fala e o desejo de ampliar sua circulação, o discurso foi traduzido a seguir e aqui é sumariamente comentado.

Inicialmente, alguns possivelmente estejam se questionando: ‘Por que trazer um discurso presidencial feito em uma atividade policial na Colômbia para a reflexão sobre as relações entre as forças armadas e a sociedade no Brasil?’ 

A Colômbia é um grande exemplo da policialização das forças armadas e da militarização da polícia nacional, consolidadas por décadas sob os auspícios estadunidenses. A Polícia Nacional colombiana está, desde 1953, subordinada ao Ministério da Defesa junto à Marinha, Exército e Força Aérea. Sua principal atividade é o combate ao narcotráfico no meio urbano e rural, uma atualização da Doutrina de Segurança Nacional que identifica entre os cidadãos colombianos inimigos potenciais. 

O país reúne uma combinação explosiva: movimentos insurrecionais, paramilitares, um recente acordo de paz, assassinatos de lideranças políticas, alta injeção de recursos pelos EUA, grandes organizações criminais com atuação internacional, décadas de governos neoliberais e índices de desigualdade social elevados. Nesse sentido, a Colômbia representa talvez a pior correlação de forças possível no continente para reformas na área de segurança.

Mesmo com o campo minado, Gustavo Petro, primeiro presidente do país com origem política na esquerda, vem fazendo e propondo mudanças profundas. Junto ao seu Ministro da Defesa, Iván Velasquez, enviaram para a reserva um grande grupo de oficiais, em torno de 24 generais da Polícia, 16 do Exército, 6 da Aeronáutica e 6 da Marinha, promovendo com isso uma ampla renovação da cúpula militar. Petro afirma que as forças militares na Colômbia precisam se tornar um Exército da Paz, e vem abrindo caminho doutrinário e prático nesse sentido.

Em termos de doutrina, Petro propõe a adesão ao conceito de segurança humana, que toma o indivíduo como centro, e não o Estado, por exemplo. Num enfoque mais restrito, o conceito trata de fatores que ameaçam a segurança física do indivíduo, como conflitos armados. Num enfoque mais amplo, trata de fatores que ameacem o bem estar, o desenvolvimento e a dignidade do ser humano, como fome, doenças, etc. O conceito é parte do alargamento pós Guerra Fria dos Estudos de Segurança. Foi usado em 1994 em documentos do PNUD, que pensou a segurança humana como um estado livre do medo e livre das necessidades, organizadas em sete categorias: econômica, alimentar, saúde, ambiental, pessoal, comunitária e política. Em outros termos, a segurança não seria a ausência de conflito armado, mas um estado em que os direitos básicos individuais e coletivos são garantidos para o desenvolvimento humano com liberdade (Sen, 2000). 

O conceito não é livre de controvérsias, e seu emprego na América do Sul exige cautela. Uma crítica que recebe é a sua amplitude, assim como a ausência da análise da interação entre os diferentes fatores de segurança com seus diferentes pesos (Krause, 2013). Outra crítica pertinente é que a securitização de temas em nível internacional abre a possibilidade de respostas militares para muitas questões, por exemplo, intervenções humanitárias em países subdesenvolvidos para resolver problemas de pobreza, legitimando os interesses de grandes potências (Duffield, 2017). Os EUA e a OEA nos anos 2000 classificam uma infinidade de ameaças, indo do terrorismo à pobreza. Entretanto, a pobreza, longe de ser uma ameaça, é um indicativo inequívoco da incapacidade de distribuir riquezas (Saint-Pierre, 2012). Com seus limites, é um conceito extremamente avançado para o histórico colombiano, marcado pelo enfrentamento à guerrilha política e ao narcotráfico. 

Petro começa o governo partindo das perguntas corretas. Ao invés de discutir apenas reformas nos meios militares, questiona o que e quem de fato ameaça a sociedade colombiana na atual quadra histórica global. Tendo essas questões claras, passa ao debate de como defender a sociedade, para só então propor para discussão pública (algo raro e salutar para forças de segurança) alterações organizativas e regulatórias. Em seu discurso, Petro propõe reformas concretas e profundas na organização militar, como a equidade de gênero, o aumento da escolaridade, mudanças orçamentárias, e mesmo a porta de entrada única para a carreira na Polícia Nacional, com profundos impactos na hierarquia e na disciplina. 

É cedo para avaliar o sucesso ou o fracasso de cada medida sugerida pelo novo presidente. Entretanto, levando em conta o cenário adverso que ele encontra, é inegável o quanto suas proposições de reformas são corajosas. Entendemos que algumas das propostas do novo presidente deveriam ser objeto de discussão também no Brasil, notadamente a problematização sobre o que de fato ameaça o povo brasileiro. Que a tradução desse discurso inspire as forças progressistas que atualmente disputam o processo eleitoral à ousadia.

Referências:

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SAINT-PIERRE, H. L. El concepto de la seguridad muldimensional: una aproximación crítica. In: ALDA, S.; GÓMEZ, V. (Eds.). El concepto y las relaciones multilaterales de seguridad y defensa en el contexto de la Unasur. Madrid: Instituto Universitario General Gutiérrez Mellado; Uned; Ministerio de Defensa Nacional de Ecuador, 2012.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Ana Penido é doutora em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP – Unicamp – PUC-SP). Pesquisadora do GEDES e do Instituto Tricontinental.

Imagem: Foto de Gustavo Petro no dia da posse presidencial/ Por: USAID/Wikimedia Commons.

 


Discurso do presidente Gustavo Petro, novo presidente da Colômbia, durante a cerimônia de nomeação do Major-General Armando Sanabria Cely para o cargo de Diretor Geral da Polícia Nacional da Colômbia

19 de agosto de 2022

Traduzido por Ana Penido

A todas as mulheres e homens da Polícia Nacional que nos acompanham, comissários, subentendentes, entendentes, oficiais. À Vice-presidenta da República Francia Márques Mina; ao Ministro da Defesa, Iván Velásquez; ao núncio apostólico em sua Santidade e ao decano do corpo diplomático, Monsenhor Montemayor. Aos altos comandantes militares e da Polícia Nacional e às suas famílias. Ao Major-general Elder Bonilla, comandante das forças militares e sua esposa, María Victoria. Ao Major-general Luiz Maurício Ospina Gutiérrez, comandante do Exército Nacional, e sua esposa Lorena. Ao Vice-almirante José Joaquín Amézquita García, chefe do estado-maior conjunto das forças militares. Ao Vice-almirante Francisco Fernando Cubides, comandante da Marinha Nacional, e sua esposa Luci. Ao Major-general Luis Carlos Córdoba Avendaño, comandante da Força Aérea Colombiana. Ao Major-general Armando Sanabria Cely, diretor geral da Polícia Nacional, e sua esposa Maria Fernanda. Ao Brigadeiro-general Carlos Fernando Triana Veltran, diretor da Escola de Cadetes de Polícia Diretor Francisco de Paula Santander, e sua filha Camila. Aos embaixadores e chefes de missões diplomáticas na Colômbia. Aos ministros e ministras, funcionários do governo nacional. Ao fiscal geral da Nação, Francisco Barbosa Delgado, e sua esposa Hualfa. À Prefeita da cidade de Bogotá, Claudia Hernández. Ao General Jorge Luis Vargas Valencia, diretor geral da Polícia Nacional, e sua esposa Cláudia. À representante da Câmara, Susana Gómez. Aos militares, almirantes, diretores de unidades da polícia, suboficiais, alferes, cadetes, oficiais do nível executivo, patrulheiros, etc. Representantes da comunidade inter-religiosa, aos convidados especiais dos meios de comunicação e à cidadania que se faz aqui presente. Saúdo a todos e todas nesse ato oficial para a transmissão do Comando, no qual quero expressar alguns conceitos, algumas ideias, para a discussão pública e para a análise da instituição. 

Durante a campanha eleitoral, o tema da segurança na Colômbia foi tema de exame em muitos fóruns, eventos e debates televisivos, e obviamente o das instituições que a garantem. Dizíamos que o conceito de segurança precisava ser transformado no país, pois o que se usava falhou de maneira enorme, levando instituições a quebras significativas da ética e dos direitos humanos.

Propusemos, e é o que propomos agora, mudar o conceito para a segurança humana. A segurança humana não é uma invenção minha, mas uma discussão mundial, cujo cenário são as Nações Unidas. A diferença não é apenas de palavras fáceis de pronunciar, colocando adjetivos à palavra segurança. A segurança humana basicamente muda o objetivo, o conceito mesmo, a essência do que até agora se vinha fazendo sobre o tema.

Temos medido a segurança por baixas: quantos mortos, quantos presos. Dia a dia, a televisão nacional apresenta balanços com esse objetivo, mais ou menos parecidos com os balanços que me eram apresentados quando prefeito dessa cidade, tratavam do mesmo tema. E, não obstante, mortos atrás de mortos, baixas atrás de baixas, neutralizações após neutralizações, os indicadores de segurança não melhoraram. 

Ao contrário, muitas regiões do país estão hoje sob o controle de grandes organizações multicriminosas, assim as chamaremos. Máfias lhes chamaríamos mais popularmente, mas estas máfias também se transformaram ao longo dos anos e das décadas. Hoje, o melhor termo que podemos usar são organizações multicriminosas, pois não apenas se dedicam ao narcotráfico, como também podem estabelecer em uma região, em uma parte da cidade, controles não apenas para as drogas e os entorpecentes, mas construir rotas para exportá-las e para o microtráfico, o consumo interno. Passam também a extorquir de forma generalizada bairros inteiros, zonas inteiras das grandes cidades, comarcas rurais inteiras. Não só a extorsão, mas também o sequestro, uma atividade de rendas ilegais que faz com que a sociedade fique submetida, fique sem direitos, fique sem liberdades em muitas regiões da Colômbia. Esses indicadores, reflexo da realidade, aparecem no aumento dos massacres, no aumento dos assassinatos de líderes sociais, no aumento de assassinatos de ex-combatentes, no aumento dos assassinatos em geral, cometidos durante o roubo de um celular por um garoto simplesmente para levá-lo de presente para a namorada. Mesmo com o enfrentamento do crime, temos uma realidade em que a tranquilidade cidadã não aumentou. 

Nós queremos propor, então, o conceito que se baseia não no número de baixas, no número de mortos, mas no aumento da vida. É o que chamamos segurança humana. Como em um território concreto, urbano ou rural, em uma jurisdição policial nesse caso, das 34 que existem, o que aumenta é a vida, e não a morte. O que diminui são os massacres, e o que cresce é o desfrute pleno da existência. Como diminuir não somente os riscos causados por um ser humano a outro ser humano, mas também os riscos que incluem a natureza, produto também da ação do ser humano? Como diminuir o risco de inundações, ou o risco de que alguém morra em uma inundação? Como diminuir o risco de morrer, para o conjunto da sociedade? Disso se trata a segurança humana. Portanto os indicadores não são mais o das baixas, mas o das vidas. Os indicadores para avaliar a perícia e o comando, homem ou mulher, de um oficial, de um comissário, um superintendente ou outras funções, deveriam ser sobre como salvar a existência humana. 

Como diminuir os riscos de morrer, o que inclui o desmantelamento das organizações multicriminosas? Grandes organizações que, há algumas décadas, nem sonhávamos que poderiam aparecer na Colômbia ou na América Latina. Organizações que apareceram, pois mudou o contexto da sociedade mundial e da economia mundial. O novo contexto da economia mundial de expansão dos mercados gera oportunidades para múltiplos crimes que se podem coordenar desde que exista uma organização que as planeje. Crimes que se tornam internacionais, crimes que atravessam as fronteiras, e que inclusive podem ocorrer ao longo da América. Como não reconhecer que a taxa de homicídios em diversos países latino-americanos em geral, em diversas cidades latino-americanas onde estão hoje algumas das cidades mais violentas do mundo, algumas delas colombianas, as taxas não estão caindo? É o produto de organizações que se movem na escala americana e que podem perfeitamente unir verticalmente, como dizem os gerentes das empresas privadas, podem unir o crime desde a produção da matéria prima, como quando se trata de drogas, até o produto acabado enviado para o consumidor final nos países ricos, nos quais estão os maiores consumidores. Quantos milhares de quilômetros não atravessam esses crimes, quantas realidades sociais vão navegando. Assim como atravessam rios e oceanos, atravessam seres humanos, sua diversidade, seus conflitos, seus problemas, suas necessidades. As organizações multicriminosas aprenderam a navegar nas sociedades das Américas, inclusive, se olhar ainda mais adiante e examinarmos as rotas que atravessam a África e chegam à Europa, veremos também a ampliação dos diferentes conflitos armados na África Subsaariana, na África Árabe, no Sul do Mediterrâneo, nos portos e máfias europeias.

Como enfrentar isso? Como enfrentar desde uma instituição nacional, subordinada à Constituição de 1991 e à sociedade colombiana?

Creio que estamos diante de problemas mais complexos do que a velha Doutrina de Segurança Nacional assentada na falsa crença de que existe um inimigo interno na Colômbia; de que alguém confabula em Marte ou em alguma parte do planeta sobre como causar danos a nós. Não existe inimigo interno na sociedade colombiana. Existem pessoas que sofrem de maneira diferente as circunstâncias em que vivemos nesse país e nesse território concreto. Algumas muito fortes, algumas com possibilidades, algumas com privilégios, algumas com várias capacidades e resistentes. Outras não, outras muito frágeis, territórios excluídos a quem só chegou a Polícia ou o Exército, mas nunca chega o médico ou a médica, o psicólogo, ou sequer a comida. Como enfrentar então essa poderosa organização multicriminosa?

A segurança humana pode construir instrumentos que blindem a sociedade colombiana. Se nosso povo não tem fome, existirão menos crimes. Se nossos jovens puderem entrar em uma Universidade em Catatumbo, Tumaco ou Letícia, onde só 8% dos meninos e meninas podem entrar em uma Universidade. Se conseguirmos que a juventude em Catatumbo consiga ingressar na Universidade, haverá menos crime. Se conseguirmos que um jovenzinho desses bairros aqui perto tenha como levar um celular para a namorada, haverá menos roubo, afinal não temos que discutir os presentes entre namorados em termos criminais. Se conseguirmos que uma série de atividades da sociedade colombiana que hoje são consideradas criminosas, não sejam mais assim consideradas, haverá por definição menos crimes na Colômbia. Quantas coisas criminalizamos que não deveríamos criminalizar! Desde quando um camponês que planta folha de coca é um criminoso? Ele é um simples camponês que não tem mais o que cultivar, pois se ele quiser produzir milho, é uma produção tão cara que não conseguiria sustentar a sua família. Desde quando é um criminoso um jovem que consome drogas, e que deveria ter na verdade acesso a um médico? Creio, portanto, que devemos construir um conceito diferente de segurança humana. Escolher bem quem é que se precisa enfrentar. Não é o pobre, mas a poderosa organização multicriminosa. 

E nessa perspectiva então devemos recordar a Constituição de 1991, que diz que a força policial, a instituição, é uma força armada civil, para garantir os direitos e as liberdades de todos e todas os colombianos. Esse é o conceito que está na Constituição, mas na história do país ele não foi concretizado profundamente. Claro, alguém poderia dizer que é por causa do que diz a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que a polícia não deve pertencer ao Ministério da Defesa, o que é uma discussão pública, e a faremos entre nós, entre vocês, o que significa essa opção. Que a polícia deixe de ser um corpo militar em alguns dos seus aspectos, pois a organização multicriminosa não é uma organização militar, como foi a guerrilha, a insurgência e várias das organizações mafiosas que aqui se instalaram. Mas a organização multicriminosa responsável pela insegurança cidadã em muitas regiões da Colômbia não é uma organização militar, então como poderia ser destruída com instrumentos militares?

Se a finalidade da venda de cocaína é ganhar dinheiro (para que mais se venderia cocaína?), e o recurso proveniente da venda da cocaína circula na nossa economia nacional através de megaoperações para a lavagem de ativos, como, através de instrumentos militares, se poderia destruir uma organização para a lavagem de dinheiro? Para destruir uma organização dessas precisamos de       computadores, experts em engenharia financeira, expertas em inteligência policial, expertas em transações bancárias a nível mundial. Uma quantidade de capacidades que não se pode caracterizar como militares, e sim como civis, e que precisam ser adquiridas através do estudo, para atingir a mesma altura das organizações multicriminosas, pois elas têm o dinheiro para recrutar os melhores experts civis na matéria da lavagem de dólares. 

Muitas vezes apresentamos na televisão habitantes dos bairros populares, por vezes até camponeses, dedicados ao microtráfico e outras atividades ilícitas. Mas quantas vezes foram apresentados os grandes lavadores de dólares da Colômbia, do México, da América? Onde eles vivem? Quais são seus bairros? E de que maneira poderemos levá-los à justiça para que sejam julgados?

Aqui temos um longo caminho por percorrer que tem a ver com a instituição policial. Aquilo que nos proporcione fazer crescer a segurança humana, e desmantelar as organizações multicriminosas. A verdade é que a polícia precisa crescer muito em termos de capacidades. E uma discussão é pensar como um homem ou uma mulher de 19 ou 20 anos que ingressa na instituição pode desenvolver essas capacidades, quando vem também de um mundo com problemas, de uma sociedade com problemas e profundamente desigual.

Creio que parte da transformação não tem a ver simplesmente com a decisão de transferir a Polícia de um ministério para outro, mas é algo mais profundo. Se o ser humano que conforma a instituição, porque a instituição não é uma abstração vazia, jurídica, mas sim é composta por pessoas, se essas pessoas podem gozar com plenitude seus próprios direitos e liberdades. Estou absolutamente convencido de que uma pessoa que esteja dentro de uma instituição policial gozando da sua dignidade humana dentro da instituição, não é capaz de violentar a dignidade humana de uma pessoa fora da instituição. Estou convencido de que quanto mais cresça a dignidade humana na Polícia, mais cuidado terá a Polícia Nacional com o conceito e a realidade da dignidade humana fora da Instituição Policial, nas veredas e nos bairros populares.

A Polícia Nacional não é para perseguir jovenzinhos nos parques. A Polícia Nacional não é para apreender uma banca de alimentos de um vendedor ambulante que vive quase exclusivamente disso. A Polícia Nacional não é para chegar à casa de um camponês e arrastá-lo para prisão porque ele cultivou folhas de coca. 25% dos presos são camponeses colombianos. A única coisa que isso provoca são as guerras secretas e clandestinas nos bairros, uma confrontação crescente e permanente entre cidadãos jovens e jovens policiais. Essa não é a nossa guerra. Assim a Colômbia não está sendo construída, pelo contrário, pode estar sendo destruída. Algo que aconteceu há alguns meses e marcou esse país política e socialmente, e isso não deve se repetir. 

A Constituição de 1991 é clara. A Polícia é para a defesa dos direitos e das liberdades de todos e todas as cidadãs. Inclusive os que são oposição a esse presidente e não votaram nele, há que cuidá-los e cuidá-las. Sobretudo da gente humilde e pobre, pois estamos em uma das sociedades mais desiguais do planeta Terra. Isso implica em um Estado que dê a mão firmemente ao que mais sofre, ao mais excluído. À mulher campesina, à mulher negra, ao jovem que é perseguido na realidade por diversas exclusões na sua existência, e que perde as esperanças, e crê que não há possibilidade nessa pátria, e então aceita dois ou três milhões para carregar um fuzil, sendo a carne de canhão das organizações multicriminosas.

Eu creio, e o pedi ao Ministro da Defesa e ao novo Diretor de Polícia que hoje iniciam seus trabalhos, que temos que fazer reformas. Não vamos falar de todas elas aqui, pois está prestes a cair uma grande chuva fruto da crise climática, não vamos analisá-las todas a fundo, mas eu proporia duas, ou três.

A primeira, já em parte alcançada, não sem problemas, pois tudo tem problemas, na Polícia Nacional, foi a igualdade entre homens e mulheres na prática cotidiana, precisamente para que na nossa sociedade a igualdade entre homem e mulher seja uma prática cotidiana [palmas]. Sociedades que culturalmente foram machistas por séculos, em que todos os homens foram educados assim, o machismo persiste na cabeça mesmo inconscientemente. Temos que fazer esforços institucionais para que a mulher possa estar em qualquer instituição, em qualquer parte, incluindo a polícia. Aqui foram feitos esforços e seus resultados são visíveis. Um desfile desses há vinte anos não seria assim, creio eu. Há avanços, e eles precisam continuar. O papel da mulher na polícia deve ser fortalecido, protegido, cuidado. É preciso criar mecanismos de denúncia para casos de irregularidades, para que a mulher sinta que é na Polícia Nacional, talvez dentro de todo o país, o seu espaço mais seguro.

Segunda questão, há mundos sociais distintos. Um é o mundo do intendente e do patrulheiro, que pode chegar a comissário. O outro é o mundo dos oficiais. Esse é um tema que não é apenas da Polícia. Mas quando existem dois mundos diferentes, e passar de um mundo ao outro custa dinheiro, pode acontecer de a capacidade de comando se desfazer. Um comandante que come com os mesmos instrumentos a mesma comida que um patrulheiro, é um comandante melhor. Ele é mais respeitado, mais querido, menos distante. Hoje temos uma Estação de Polícia com 300 patrulheiros, e chega um subtenente que jamais foi patrulheiro na sua existência, então não sabe o que é isso, mas vem para mandar, se produz o choque, a debilidade do comando. Por isso me parece que os dois mundos devem unir-se. Significa dizer que qualquer patrulheiro possa ser general da República simplesmente por mérito e não porque teve dinheiro para fazer o curso [palmas]. O que custa para fazer os diferentes cursos, eu sei que não têm matrícula, mas o que se cobra pelo uniforme, pelos apetrechos, para uma pessoa humilde é difícil conseguir 10 milhões de pesos. Isso deve acabar, pois para isso há um orçamento nacional, e se são organizações públicas, tudo o que há deve ser pago com dinheiro público, e nesse sentido não deve haver cobrança para passar de um mundo para o outro. Estudar nas diferentes escolas da Polícia Nacional deve ser completamente gratuito para os membros da Polícia Nacional, esta é a primeira reforma que lhes proponho.

E que leva a um assunto complexo que quero lhes propor, e que quero que se debata com as bases mesmo dentro da Polícia, para que cheguem opiniões e propostas, pois isso leva necessariamente a que o mundo dos oficiais saia necessariamente do mundo de patrulheiros. Isso significa que não se chega ao Comando por uma porta externa da sociedade, mas pela porta da Patrulha. Que todos os membros da polícia tenham que ser patrulheiros e, através do mérito e de estudar, obviamente, possam ascender. É uma mudança que pode garantir um fortalecimento maior no comando e uma unidade maior na ação em diferentes lugares: que não haja diferenciação social na Polícia, e que qualquer um possa ser general se tiver mérito! Que não seja a condição econômica o que impeça uma mulher ou um homem dentro da Polícia a seguir a carreira até o final, até a cúpula, até que um dia um presidente o despeça com honras, pois acabou o seu ciclo diante da força policial. 

E uma segunda proposta, essa tem mais a ver com as forças militares nas quais as pessoas são mais transitórias do que aquelas da polícia. A polícia será melhor se todos os seus integrantes puderem elevar o seu nível de escolaridade. Quando eu falava sobre a organização multicriminosa dedicada à lavagem [de dinheiro], é preciso de inteligência financeira para descobrir as transações ilícitas que não são fáceis de descobrir, e isso implica em ampliar as capacidades profissionais que são diversas, e não são as mesmas exigidas para enfrentar um problema de gangues num bairro popular, onde é preciso entender a antropologia da juventude de hoje. Quando prefeito custei para entender o que dizia num mural da parede, até que descobri o que dizia. Mas para isso é preciso saber, conhecer. Se implementarmos um programa em que, o máximo possível, as pessoas que entram como patrulheiros ou patrulheiras da instituição possam começar juntando a sua atividade diária de trabalho com a educação superior em todas as disciplinas, o que faz com que, além de estudar aqui, é preciso abrir a porta da Universidade pública, e ampliar as escolas para promover a elevação do nível de escolaridade da Polícia até termos uma polícia melhor, mais capaz. Essas capacidades são fundamentais na hora de defender os direitos e as liberdades da cidadania. 

Uma pessoa que se aposente por qualquer motivo continuará capacitada para exercer sua profissão na sociedade colombiana sem decair. O que passa com um soldado que saiba manejar um fuzil, e sai da instituição para a sociedade? Ele não é mais um profissional, não lhe dão salário na força militar, ele vai pedir um posto de zelador em um edifício e não consegue, porque sabe manejar um fuzil. A instituição estatal tem que dar capacidades para esses jovens homens e mulheres que estão em instituições armadas, que têm conhecimentos específicos, mas que não se aplicam na sociedade, deve promover as capacidades também para se defender; de tal maneira que a passagem pela Polícia, pelo Exército, Marinha ou Aeronáutica, seja uma passagem que proporcione ao ser humano que ingressa, sair melhor do que quando entrou em todo tipo de capacidades humanas, o que inclui as capacidades acadêmicas e profissionais. 

Um corpo de Polícia mais profissional implica em dinheiro. O que pagava o patrulheiro, deve pagar o Estado; o que paga o cadete ou o alferes, deve pagar o Estado. A educação que teria que encontrar inclusive fora dessas instituições, quem tem que pagar é o Estado. Chegamos a prática de todo governante que é decidir o que é prioritário. Esse dinheiro pode estar sendo gasto em outras coisas. Pode ser que esteja dentro da Polícia, mas gasto em outras coisas. Pode ser que componha os gastos militares, mas gasto em outras coisas. Pode ser que esteja dentro do Estado, mas gasto em outras coisas. Pois eu lhes proponho que todo o gasto com seres humanos é prioritário! As coisas podem esperar, mas o ser humano não. A mulher e o homem que carregam o fuzil são mais importantes que o fuzil, sempre e em todo lugar. O fuzil não dispara sozinho, e inclusive pode ser autodestrutivo. Se o ser humano que está atrás desse fuzil for melhor, teremos mais capacidade, mais garantias de defesa. Uma Polícia que, como diz a Constituição, seja a garantia plena dos direitos e das liberdades da sociedade colombiana sem exceção, desde o mais pobre ao mais rico, mas sabendo que quem mais necessita é o mais pobre. 

Portanto, é a aliança Estado-povo, Exército-povo, Polícia–povo, Exército-camponês e camponesa, Polícia-jovem do bairro popular é fundamental estabelecer essa aliança se queremos uma democracia melhor, com mais tranquilidade, mais estabilidade, com desenvolvimento que alcance a toda a sociedade colombiana, para que este país seja muito maior do que é. Obrigado por terem me escutado, felicidades e um aplauso a vocês homens e mulheres da Polícia Nacional.

Tropelías: La oposición va por todo, sin reparar en medios, como en 1955 y 1976

Ernesto López*

Publicado originalmente en El Cohete a la Luna el 28 de agosto de 2022.

 

El intervencionismo militar y el intervencionismo judicial han sido reiteradamente practicados a lo largo de nuestra historia política. Ambos remiten a comportamientos tan deletéreos como ilegales. Se trata sencillamente de la intromisión de uniformados y jueces en el campo de la política. Una recurrente tropelía tan perversa como repudiable. Ambos se han atribuido –y aún lo hacen– facultades que no poseen aunque suelen ejercerlas sin que se les mueva un pelo. Estas facultades van desde el golpe de Estado hasta las proscripciones políticas u otras clases de sanciones jurídicas. Paradojalmente, en el ámbito judicial la omisión o el dejar pasar son, también, comportamientos a los que se ha apelado reiteradamente, sobre todo cuando han operado gobiernos de facto.

El intervencionismo castrense, como es archisabido, ha tomado básicamente dos formas: a) la práctica del golpe militar, y b) el desempeño de un papel políticamente tutelar sobre los gobiernos civiles. En tanto que el intervencionismo judicial ha legitimado, por acción u omisión, golpes de Estado que derrocaron gobiernos democráticamente elegidos, o bien ha amparado regímenes y políticas antipopulares. Hoy en día, dicho intervencionismo judicial ha prácticamente desplazado al intervencionismo militar en nuestro país y ha tomado la delantera para amparar el fundamentalismo de mercado y/u hostigar a quienes han intentado –o intentan– transitar por caminos nacional-populares. Pero vayamos por partes.

De togas y botas

En 1930, un golpe de Estado encabezado por el general José Félix Uriburu, un nacionalista de derecha, derrocó nada menos que a Hipólito Yrigoyen, uno de los padres de la democracia argentina. Contó con la pasiva aquiescencia de los militares anti-yrigoyenistas, de los dirigentes liberales y conservadores de entonces, y hasta del segmento radical antipersonalista, que era contrario a Don Hipólito. Uriburu disolvió la totalidad del Congreso (ambas cámaras) y destituyó a 12 de los entonces 14 gobernadores provinciales. Los integrantes de la Corte Suprema –José Figueroa Alcorta, Roberto Repetto, Ricardo Lavalle y Antonio Sagarna – decidieron permanecer en sus cargos y dictaron una acordada que reconocía al nuevo gobierno, que – consideraban los jueces – “se encuentra en posesión de las fuerzas militares y policiales necesarias para asegurar la paz y el orden de la Nación y, por consiguiente, para proteger la vida y propiedad de las personas y ha declarado, además… que mantendrá la supremacía de la Constitución y de las leyes fundamentales del país”. Claramente ha habido en este caso un cóctel de intervencionismo militar (predominante) y de intervencionismo judicial (acompañante), que sin miramientos dejó afuera a un gobierno democrático y popular. Vale la pena recordar, por otra parte, que el golpe de Uriburu inició la llamada “Década Infame”.

El 4 de junio de 1943 un golpe militar derrocó al Presidente Ramón Castillo. El general Pedro Pablo Ramírez asumió la presidencia luego del efímero pasaje del general Arturo Rawson por ese cargo. Disolvió el Congreso pero no intervino sobre el Poder Judicial. Su mandato fue corto. Renunció en febrero de 1944 y fue sucedido por el general Edelmiro Farrell, quien en junio de dicho año designó Vicepresidente al entonces coronel Juan Domingo Perón. En octubre de 1945, una asonada militar impulsada por un segmento que había participado en la antedicha revolución de 1943 embistió contra Perón, que fue desalojado del cargo y trasladado a la isla de Martín García, donde quedó arrestado. En este caso se trató de un intervencionismo militar dentro de otro que fue previo. En tanto que el intervencionismo judicial se redujo a una pasiva aceptación del golpe militar y de su desarrollo.

Como es sabido, Perón fue rescatado el 17 de octubre por una pueblada que se concentró en Plaza de Mayo. Pidió el retiro, lanzó su candidatura y ganó la presidencia en las elecciones de febrero de 1946.

En septiembre de1955 se consumó un golpe de Estado que lo derrocó. Tomó el inmerecido nombre de Revolución Libertadora, un verdadero oxímoron si se atiende a su desempeño. Ni lerda ni perezosa clausuró el Congreso, depuso a la Corte Suprema de Justicia, puso en comisión a todo el Poder Judicial y abolió a las autoridades provinciales, entre otras decisiones. Derogó la Constitución vigente y la sustituyó manu militari por la de 1853. Innumerable dirigentes peronistas fueron encarcelados; Perón y el Partido Peronista fueron proscriptos. Una contrarrevolución encabezada por el general Juan José Valle fue derrotada. Aquel fue fusilado, junto con varios oficiales y no pocos civiles que participaron en ella. Este, claro está, fue un caso de intervencionismo militar a full, que contó con un aquiescente comportamiento judicial.

A aquel comienzo –1955– le siguió un largo hilo que, con el peronismo proscripto, ensayó diversas y fallidas intentonas electorales para terminar en el golpe de Estado de 1966, que se mantuvo hasta 1973. Este largo período, que duró casi 28 años, fue un festival de intervencionismo militar y de intervencionismo judicial.

En 1976 las Fuerzas Armadas derrocaron a Isabel Martínez de Perón e instalaron una nueva y feroz dictadura militar avalada por diversos sectores políticos y por algunos segmentos de la sociedad. Esta vez se proscribió a todos los partidos políticos, se manipuló la Corte Suprema y se alcanzó una justicia amansada.

Este período, que duró desde 1976 hasta 1983 en que se produjo el retorno a la democracia, fue más duro que el iniciado en 1955. Impuso un terrorismo de Estado que se regodeó con el secuestro, la tortura, la desaparición de personas, el robo de niños y niñas, el encarcelamiento sin juicio y el robo de dinero y propiedades, entre otros. La mayoría de quienes pasaron por estos tormentos fueron peronistas. Calificarlo de terrible es poco. Y, desde luego, llevó consigo un alto nivel de intervencionismo militar y el acompañamiento del intervencionismo judicial.

La opción judicial hoy

Hoy se asiste nuevamente a un atropello judicial que implica a la Vicepresidenta de la República, Cristina Fernández de Kirchner, en la causa llamada comúnmente Vialidad, relativa a la construcción de obras públicas en la provincia de Santa Cruz. Recientemente el fiscal Diego Luciani decidió incorporar nuevas pruebas al expediente, decisión ante la cual la Vicepresidenta tenía el derecho de solicitar la ampliación de su indagatoria, para enterarse y defenderse. Pues bien, le fue denegado. Es decir, se le impidió ejercer un derecho elemental: la defensa en juicio.

Así las cosas, la Vicepresidenta hizo un filoso descargo, ante esas novedades, desde su despacho en el edificio del Congreso a través las redes sociales. ¿Increíble? No tanto. Al fin y al cabo hay ya un duro enfrentamiento cada vez más enconado entre la oposición y el oficialismo, cuyo norte son las elecciones generales del año que viene. Y es evidente que la oposición quiere sacarla a Cristina del juego y debilitar al peronismo a cualquier precio.

Si se hace un rápido recuento de lo que se ha examinado más arriba, se comprueba que el intervencionismo militar y el intervencionismo judicial han sido reiteradamente practicados contra los partidos y los movimientos nacional-populares; desde 1955 a la fecha, preferentemente sobre el peronismo. El último caso es el que atañe a la Vicepresidenta, que ha tomado exclusivamente la forma del intervencionismo judicial.

La oposición, hoy como ayer, recurre nuevamente a esas viejas y arteras artes, muy usadas en el sistema político argentino, para tratar de sacar del juego a Cristina. Apela a la opción judicial exclusivamente porque el intervencionismo militar, afortunadamente, ha perdido mucho terreno en virtud de que con esfuerzo, voluntad y paciencia se lo ha neutralizado, pese a las claudicaciones de quienes propusieron puntos finales y obediencias debidas o apelaron sencillamente al indulto. Debe reconocerse, asimismo, que este logro fue propiamente una patriada, en la que descolló un mar de pañuelos blancos que salvaron de la ignominia a la democracia recuperada en 1983.

El intervencionismo judicial es la herramienta con la que mayormente se procura hoy en día desestabilizara los gobiernos y/o acorralar a los partidos y/o movimientos populares latinoamericanos. Lleva también el nombre de lawfare, que alude a la judicialización de la política y/o a la guerra judicial. A ese lawfare está sometida Cristina por la oposición. Y por extensión también el Partido Justicialista y el peronismo como movimiento político, a los que el antiperonismo gorila procura descuajeringar. No solo para ganar las elecciones del año que viene. Van por todo y sin reparar en medios, como en 1955 y 1976.

* Ernesto López es sociólogo y fue embajador argentino en Haití y en Guatemala (2007-2014). Fue también profesor e investigador de FLACSO México, FLACSO Argentina y de la Universidad Nacional de Quilmes. Es autor de diversos libros y artigo acerca de las relaciones civis-militares en Argentina.

Imagem: Edifico Libertador. Por Gobierno de Argentina.

La relación del presidente Petro con la Fuerza Pública

Alejo Vargas Velasquez*

Texto publicado originalmente em Revista Sur.

Se ha especulado mucho sobre algo que es de rutina en los diferentes gobiernos al iniciar su mandato y que hace referencia al nombramiento por parte del Presidente de la República y su Ministro de Defensa de la llamada ‘cúpula’ de la Fuerza Pública y la salida a calificar servicios de otros altos oficiales que han cumplido su tiempo de servicio. Es decir, definir por el comandante supremo de la misma con qué línea de mando va a empezar a desarrollar sus políticas de seguridad y defensa.

Recordemos que un principio fundamental de la democracia (especialmente del modelo liberal de la misma) es la subordinación de los militares y policiales a los gobernantes civiles legítimos, porque han sido democráticamente electos. Esto transforma al Presidente de la República, en los regímenes presidencialistas, en el Comandante Supremo de la Fuerza Pública y por lo tanto con mandato constitucional y legal, para conducirlas y orientarlas, lo cual implica definir quiénes van a ser los colaboradores que estarán en el comando de la misma.

Podríamos recordar que el proceso de estructuración de las Fuerzas Armadas como institución nacional, profesionalizada e imparcial, como deben ser todas las instituciones estatales, pasó por varios momentos. Un primer momento el encarnado por el ejército que emerge en la post-independencia; un segundo, el de la fragmentación del mismo por causa de las guerras civiles del siglo XIX; un tercero, caracterizada por el paso de ejércitos difusos y espontáneos al embrión de un Ejército Nacional, luego comienza la profesionalización pero se mantiene el carácter de ejército adscrito o politizado, en el cual el partido transitoriamente en el gobierno quiere utilizarlo como un aparato al servicio del mismo, momento que con distintos altibajos se prolonga hasta la violencia liberal-conservadora de mediados del siglo XX; un momento en que se prioriza la despartidización de las Fuerzas Armadas y el Ejército se va delineando como un ejército contrainsurgente y finalmente evoluciona, sin perder el carácter anterior, hacia un Ejército Profesional moderno.[1]

La Fuerza Pública en toda sociedad tiene la misión de proteger la integridad territorial, la soberanía nacional y garantizar seguridad a todos los miembros de la comunidad política; por ello la Fuerza Pública configura una de las instituciones básicas en una sociedad. En el caso colombiano, por la persistencia de la violencia política ella ha tenido la responsabilidad de enfrentar y combatir con las organizaciones alzadas en armas, así como con los demás grupos armados ilegales. Eso implica que en un conflicto armado como el nuestro la Fuerza Pública ha tenido la responsabilidad, desde la institucionalidad, de enfrentar las organizaciones insurgentes y fue la reforma militar y policial de fines de los 90s, en el marco del Plan Colombia, que profundizó la orientación contrainsurgente del grueso de la Fuerza Pública, lo que influyó para modificar el escenario estratégico de la confrontación armada.

Pero igualmente es importante destacar que si bien la Fuerza Pública en una democracia debe ser una institución profesionalizada, que se rige por un sistema de carrera administrativa, éste llega en el caso colombiano, desde el grado de Subteniente – con el cual sale el joven oficial de la escuela de formación – hasta el nivel de Coronel, por cuanto la selección de aquellos oficiales que pasan al grado de Brigadier General para continuar su carrera, conlleva la intervención de varios mecanismos-filtro: la propia selección interna realizada por el cuerpo de generales, la intervención del Congreso de la República que aprueba o niega estos ascensos y en últimas el Presidente de la República que tiene la discrecionalidad para llamar a calificar servicios a quién él considere, junto con su Ministro de Defensa, a partir de su buen juicio.

Por consiguiente, el que al seleccionar el Presidente y su Ministro de Defensa la línea de mando, implique la salida a retiro de oficiales superiores –a quienes sin duda sólo queda darles los agradecimientos por los servicios prestados-, es algo normal y dentro de unas instituciones con una tradición civilista como en el caso colombiano no es de esperar sino el reafirmar la lealtad a la institucionalidad democrática, a su comandante en jefe y a sus nuevos mandos institucionales –como hemos visto lo ha reiterado claramente el Director saliente de la Policía Nacional General Vargas-. No creo que tenga sentido la preocupación de aquellos que dicen que se retiran los oficiales de mayor experiencia y que los que siguen en la línea de mando no la tienen; normalmente es desde el nivel de Coronel hacia abajo que se encuentran los oficiales con la mayor experiencia operativa y en muchos casos igualmente de planeación y estratégica, sin desconocer que es probable que entre los oficiales superiores que pasan a retiro van muchos con una gran experiencia acumulada, pero lamentablemente eso sucede en casi todas las organizaciones.

Recordemos que en Colombia sólo tuvimos en todo el Siglo XX, una interrupción del mandato institucional con el ‘golpe militar’ liderado por el General Gustavo Rojas Pinilla en 1953, dentro del contexto de una violencia bipartidista, liberal-conservadora, en proceso de agudización, a diferencia de la mayoría de países de la región con una alta tendencia de intervenciones militares y policiales en política. Esto dentro de una paradoja que ha caracterizado el sistema político colombiano, la escasa presencia de gobiernos militares a lo largo de su historia, conviviendo con una recurrente violencia de naturaleza política; lo anterior, sin embargo, salpicado reiteradamente por la recurrencia de pronunciamientos, conspiraciones, golpes de Estado o movimientos rebeldes militares y/o civiles del pasado y del presente, [2] o la presencia de ‘huelgas militares’ como las denomina Malcom Deas. [3]

Y esto va más allá de aspectos transitorios de carácter personal, como además lo hemos observado en varios países de la región, donde igualmente han llegado a la primera magistratura anteriores militantes de organizaciones insurgentes como en Uruguay y Brasil, donde es claro que una cosa es el pasado político del Jefe de Estado y otra su realidad y legitimidad actual y no la especulación que algunos han planteado por la militancia del actual Presidente, tres décadas atrás, en el desmovilizado movimiento insurgente M-19.

El otro aspecto que ha generado alguna controversia en medios de comunicación y en redes sociales es lo dicho por el presidente Petro en el sentido de modificar algunos de los criterios que normalmente los comandantes militares y policiales tienen para su evaluación de desempeño e introducir –no es claro si como sustitutos o complementarios de los que existían hasta el momento-, criterios como la no realización de masacres y la no existencia de asesinatos de líderes sociales o de desmovilizados de anteriores grupos insurgentes, en la jurisdicción bajo su responsabilidad, dándole de esta manera materialidad a una nueva doctrina de seguridad, fundada en la ‘seguridad humana’ donde la prioridad debe ser garantizar la vida de los ciudadanos y velar por el cumplimiento de los Derechos Humanos y del DIH. Por supuesto que esto debe conllevar los desarrollos normativos del caso al interior de las instituciones militares-policiales y de lo cual es ampliamente conocedor el actual Ministro de Defensa.

No se debe olvidar que en las urnas ganó un proyecto político democrático que planteó el Cambio como su eje estratégico y uno de los vectores del mismo, sin duda es la política de seguridad y defensa y el rol de la Fuerza Pública en el futuro inmediato, incluida el cambio de ubicación institucional de la Policía Nacional. Sin embargo, es importante destacar la preocupación válida de algunos sectores porque se mantenga la profesionalización y el apartidismo de la Fuerza Pública, que son algunas de las características de una Fuerza Pública moderna; debería abandonarse cualquier tentación de convertir a la Fuerza Pública en un apéndice del proyecto político en el Gobierno.

Lo anterior se sitúa en lo que podemos considerar como una modernización militar, entendida como la necesidad de colocar a las Fuerzas Armadas a tono con los tiempos –en los que sabemos el Presidente ha colocado como una de sus políticas prioritarias la de la ‘Paz Completa’ o ‘Paz Total’- e incorporar los cambios organizativos, estructurales, logísticos, de políticas de personal y de adquisiciones, dicho de otra manera, los cambios en la doctrina militar y la dimensión técnico-operativa, es una necesidad permanente para que una sociedad cuente con unas Fuerzas Armadas y de Policía legítimas, eficientes y eficaces.

Finalmente, debemos decir que tanto el presidente Petro como comandante supremo de la Fuerza Pública, así como el Ministro de Defensa, como delegatario del Presidente para la conducción de la misma, tienen el mayor respeto institucional por las Fuerzas y están actuando y lo seguirán haciendo con la mayor consideración, pero igualmente exigiendo resultados como se espera de cualquier institución del Estado.

Es verdad que un Estado tiene el derecho y el deber a fortalecer su capacidad militar, como un factor de disuasión tanto en lo interno como frente a hipotéticas amenazas externas, pero lo que es profundamente erróneo es creer que se puede renunciar a la dimensión política de la búsqueda de seguridad que es la negociación o la diplomacia (si se trata de problemas de seguridad externos). Por ello la búsqueda de la seguridad, en un caso como el colombiano, justamente pone en el primer lugar la solución política negociada del conflicto interno armado y otras expresiones de conflictividad, porque una respuesta efectiva a un problema de seguridad es la respuesta política, que en el ámbito internacional es la diplomacia y en lo interno la solución negociada de los conflictos.  Afortunadamente todo indica ese es el camino tomado por el Gobierno Petro.

Finalmente, la consolidación de una sociedad segura, apunta a resolver los problemas del desarrollo, como la pobreza, el desempleo, la marginalidad, que se pueden convertir en caldo de cultivo para distintas formas de violencia y de esta manera generar inseguridad. Por ello la mejor manera de consolidar la seguridad en una sociedad es combinar adecuadamente, un Estado fortalecido en el marco del respeto absoluto a la Constitución y la ley, un estímulo permanente a la solución negociada de los conflictos y políticas que apunten a resolver los problemas del desarrollo de la sociedad.

* Alejo Vargas Velásquez es Profesor Titular Universidad Nacional de Colombia y Director del Grupo de Investigación en Seguridad y Defensa.

Imagem: Posse de Gustavo Petro. Por USAID/Flickr.

[1] Vargas Velásquez, Alejo, “Hacia un Ejército Profesional Moderno en Colombia. La  lenta marcha en el Siglo XIX hacia unas Fuerzas Armadas Profesionalizadas”, en, REFORMA MILITAR EN COLOMBIA. Contexto internacional y resultados esperados, Alejo Vargas Velásquez y Carlos Alberto Patiño Villa, Editores, Colección Pensamiento Político Contemporáneo, Universidad Pontificia Bolivariana, Concejo de Medellín, Medellín, 2006. (pag. 120)

[2] Mayor ® BERMUDEZ ROSSI, Gonzalo, “Pronunciamientos, Conspiraciones y Golpes de Estado en Colombia“, Ediciones Expresión, Bogotá, 1997

[3] DEAS, Malcom, “Perspectiva histórica de las relaciones civiles militares en Colombia”, en, Las Relaciones Cívico-Militares en tiempos de conflicto armado, Fernando Cepeda Ulloa, Editor, Embajada de los Estados Unidos-Fundación Ideas para la Paz, Bogotá, 2003.

 

Desprojetos de Brasil

Mariana Janot*
David Succi Júnior**
Lívia Peres Milani***
Samuel Alves Soares****
Texto publicado originalmente em Le Monde Diplomatique Brasil.

No dia 19 de maio de 2022, o Instituto General Villas Bôas realizou o lançamento oficial do Projeto de Nação: o Brasil em 2035. O documento foi elaborado em parceria com o Institutos Sagres e o Instituto Federalista e coordenado pelo general da reserva Rocha Paiva. O vice-presidente, Hamilton Mourão, participou do evento de lançamento. Não resta dúvidas da influência dos militares na elaboração do documento. Segundo os autores, o projeto visa estabelecer uma Estratégia Nacional – também referida como Grande Estratégia ou Política Nacional -, que seja de longo-prazo, “apartidária, sem radicalismos ideológicos, étnicos, religiosos, identitários ou de qualquer natureza”. A proposta representa a continuidade de uma ideologia de segurança nacional, tem insuficiências metodológicas e vem embutida de uma visão autoritária.

O Projeto de Nação como continuidade de uma tradição militar

No projeto, se descreve um Brasil majoritariamente conservador e liberal, socialmente coeso em seus valores morais, éticos e cívicos, resistente ao movimento globalista, movido pelo agronegócio e mineração, esvaziado de legislações de demarcações de terras indígenas e assertivo no combate ao crime organizado e à corrupção. Para alcançar este Brasil, seria necessário superar interesses político-partidários, identitários e radicais, incapazes de compreender os verdadeiros interesses nacionais, que somente o conservadorismo evolucionista poderia interpretar. O projeto afirma que este é o caminho para o futuro, porém, este é, precisamente, o passado, e tem nome: Doutrina de Segurança Nacional.

É indicativo que o site oficial do Instituto Sagres indique como fundamentação do estudo figuras e ideias caras ao grupo militar e civil que Lentz (2022) denominou como conservador-intervencionista. Desde a década de 1930 se constrói uma ideologia de segurança nacional em que cabe às Forças Armadas o dever e o direito de interpretar, formular e implementar os objetivos nacionais da coletividade brasileira, junto a um grupo de tecnocratas e elites econômicas, mantendo uma visão elitista do que o Brasil já foi, do que o país é no presente e, sobretudo, do que o Brasil deve ser.

Na Escola Superior de Guerra, espaço de articulação do Golpe de 1964, se formulam planejamentos e manuais para uma Política Nacional e uma Grande Estratégia norteadas pela indissociabilidade entre segurança (conservação) e desenvolvimento (progresso controlado). Em seus Manuais Estratégicos, bem como no Planejamento Estratégico de Golbery do Couto e Silva, há uma constante ênfase na análise estratégica de conjuntura e levantamento de situações futuras de curto e longo prazo, no âmbito doméstico e global, a fim de se delimitar e perseguir os Objetivos Nacionais Permanentes e Atuais, sob gestão e intervenção consciente do Estado (Couto e Silva, 1981, pp.403-409).

Em continuidade desta tradição, no Projeto de Nação lançado nesta semana, somos apresentados a uma Estratégia Nacional “consolidada em documentos que englobam as estratégias a serem aplicadas para conquistar e ou manter os Objetivos Nacionais (ON), estabelecidos pelo mais alto nível de direção do Estado (nível político), e de acordo com Diretrizes Político-Estratégicas por ele definidas” (Sagres, 2022, p.14). Os autores do projeto o anunciam como resultado de um estudo de cenários, que visa a democracia estável e ao desenvolvimento do país.

As insuficiências metodológicas

A elaboração de cenários prospectivos é um instrumento empregado por diversas entidades públicas, privadas, nacionais e internacionais no processo de planejamento, tomada de decisão e comunicação de objetivos e políticas. De forma resumida, cenários prospectivos são imagens do futuro e dos desenvolvimentos que podem produzir determinadas situações no futuro. Há uma série de metodologias e diferentes ferramentas empregadas para sua formulação, cujo ponto comum é o pressuposto de que as cenas resultantes não têm propósito preditivo, isto é, de asseverar o que de fato ocorrerá. São instrumentais justamente por explorarem possibilidades e ampliarem o imaginário político. Neste sentido, os cenários estão sempre, inevitavelmente, no plural. São cenas, comumente entre três e quatro, que buscam compreender o maior espectro possível de alternativas.

Ainda que o documento disponibilizado ao público não explique os meandros da sua elaboração, diversas inconsistências metodológicas podem ser depreendidas, das quais destacamos duas. A primeira delas é a noção de “cenário foco”. O relatório afirma não ser um exercício de adivinhação, no entanto, apresenta apenas uma possibilidade de futuro. Os mini cenários são elementos de uma única cena. O general Rocha Paiva, coordenador do projeto, explica que este cenário foi escolhido por ser o mais provável. Definir um desenvolvimento futuro como mais provável, assim como o único a ser comunicado, contradiz diretamente tanto o objetivo deste tipo de instrumento – ampliar as possibilidade e alternativas -, quanto a afirmação dos próprios elaboradores de que não buscam prever o futuro. Ademais, incorre-se no risco de meramente projetar para o futuro a conjuntura presente.

A ideia de probabilidade conduz à segunda inconsistência metodológica: como a probabilidade foi mensurada? O general que coordenou o projeto revela duas etapas deste processo, uma consulta realizada no interior dos ministérios, sem especificar quais, e outra mais ampla, com a participação de dois a três mil respondentes, de acordo com o que informou. Não fica claro, no entanto, como essas consultas foram feitas, quem participou, qual peso foi dado para cada resposta e como foi possível depreender a probabilidade de futuro a partir da percepção deste grupo, posteriormente filtrada pelos elaboradores do documento final. Rocha Paiva também informa que antes de indicar a hipótese mais provável os respondentes deveriam ler uma explicação, que denominou de “ambientação”, uma vez que nem todos os participantes conheciam todos os temas.

De pronto é possível questionar em que medida este texto explicativo influenciou a resposta dos consultados. Assumir a impressão de um grupo, cujas características desconhecemos, como método de mensurar probabilidade faz com que posicionamentos políticos, morais e possíveis preconceitos sejam descritos e apresentados como fatos, legitimado pelo que denominam no documento de “métodos consagrados”. Ademais, relatórios de cenários prospectivos são convencionalmente informados e introduzidos por ampla pesquisa acadêmica, levantamento de dados e bibliografia especializada, o que não se faz presente no documento e na apresentação deste projeto.

Por fim, construir cenários prospectivos é um exercício intrinsecamente normativo e, mais que em outras atividades acadêmicas, não existe neutralidade. Os autores do Projeto de Nação, no entanto, não explicitam essa limitação, pelo contrário, partem do pressuposto de que falam pela nação, entendendo que “significativa parcela do povo [brasileiro] hoje se identifica como conservador e liberal” (Sagres, 2022, p. 12). Essa assertiva, no entanto, é contestável. O “povo brasileiro” é plural e reduzi-lo a uma única visão de mundo, que ademais não ressalta as especificidades das minorias, é sintomático de autoritarismo. O problema não é elaborar cenários a partir de um ponto de vista conservador, mas apresentar esta visão como sendo a opção do “povo brasileiro”. A retórica de “povo” é contraditória também por ser conectada com um elitismo explícito, expresso na defesa dos interesses do agronegócio, que deveria ser estimulado e protegido “como fator estratégico de segurança alimentar global e nacional” (Sagres, 2022, p.37). A seguir, apresentamos outros indícios de autoritarismo embutidos no documento e convidamos a todos a refletirem sobre nossos contrapontos em alguns dos aspectos críticos deste projeto.

As contradições e o autoritarismo expressos no Projeto de Nação

Existem diversas contradições e problemáticas explícitas no texto divulgado pelo Instituto General Villas Bôas. Nesta sessão, analisamos aquelas presentes nas visões sobre o sistema internacional, a proteção da Amazônia, a educação e a segurança pública. Existem dois pontos da concepção sobre a ordem internacional explicitada que merecem destaque: a visão de rivalidade entre grandes potências e o combate ao globalismo. No primeiro caso, embora o diagnóstico não seja impensável, considerando as atuais disputas protagonizadas por China e Estados Unidos, o mesmo é naturalizado e parece haver resignação do papel do Brasil como potência média, desvalorização da diplomacia e subestimação da capacidade brasileira em promover consensos internacionais. Já o uso da palavra globalismo é sintomático: trata-se de um termo não acadêmico, mobilizado pela nova direita global, para entre outros pontos, se contrapor ao avanço transnacional de pautas progressistas relativas à proteção do meio-ambiente e aos direitos das mulheres e de populações LGBTQI+. O documento propõe, portanto, uma continuidade da política externa do governo Bolsonaro ainda que mais pragmática em relação à China – como defende o vice-presidente.

No que se refere à Amazônia, o projeto explicita a necessidade de aumentar a produção do agronegócio, da mineração e reduzir as legislações que protegem o meio ambiente e as terras indígenas. As forças armadas têm, historicamente, defendido o argumento de que a região amazônica precisa ser “integrada” ao Estado brasileiro, na premissa de que é um “vazio”, servindo como uma espécie de fronteira final brasileira que precisa ser garantida pelo braço forte e mão amiga, já que os povos originários não fazem parte da Pátria pensada dentro dos espaços militares, deixando um espaço desocupado pelo Estado, vulnerável às “cobiças internacionais”. A aversão militar à demarcação de terras indígenas é palpável, já tendo sido caracterizada como “irresponsável e caótica” pelo atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, quando era comandante de tropas na Amazônia. A defesa da ocupação das terras por meio do agronegócio e mineração, em evidente agressão às comunidades que vivem no território – poucas semanas após uma criança Yanomani ter sido estuprada e assassinada por garimpeiros e indígenas de sua aldeia terem sido forçados a fugir – é apresentada no projeto como uma diretriz de Defesa Nacional. Esta diretriz não é apenas autoritária: é genocida.

Os autores do projeto consideram que o ambiente escolar estava promovendo agressões físicas, mentais e psicológicas contra as crianças e adolescentes por meio de ideologias perpetradas por educadores. Este quadro não encontra nenhum respaldo com os fatos da realidade brasileira. Mais de 70% dos assassinatos de crianças abaixo de nove anos são cometidos por pessoas conhecidas das vítimas, em sua maioria, no ambiente doméstico ou nas ruas. Ainda, mais de 60% dos casos de estupro e violência sexual de jovens ocorrem dentro das casas, e mais de 80% dos criminosos são pessoas conhecidas – familiares e pessoas próximas à família. Políticas públicas de educação sexual, saúde e conscientização nas escolas protegem as crianças e jovens da agressão. Quanto ao ensino superior, defende-se a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, com justificativa pouco evidente.

Segundo o projeto, o problema não é o orçamento, e sim a gestão. Neste sentido, indica-se a necessidade de aprimorar a gestão por meio do controle sobre a escolha dos reitores, prática já adotada pelo atual governo federal, evidenciando ainda mais o teor autoritário do documento. Ademais, há um explícito ataque à autonomia acadêmica e de cátedra, ao acusar as instituições públicas de ensino superior de suposta ideologização. Recentemente, argumentos, frequentemente infundados, sobre má gestão e imposição de pensamento doutrinário tem sido mobilizados politicamente para descredibilizar as instituições de ensino e pesquisa do país, como justificativa para redução orçamentária e deslegitimação de críticas ao governo federal [1] [2] [3]. De forma correlata, ao longo de todo o documento, políticas de educação e pesquisa são restritas a áreas consideradas estratégicas, o que abre espaço para punição a setores mais politicamente engajados, assim como um foco exclusivo na pesquisa aplicada, em detrimento da pesquisa básica.  Gratuidade do ensino e autonomia universitária são pilares do ensino público e de qualidade país, cuja reforma pode, e deve ser feita de forma democrática, plural e inclusiva.

No texto afirma-se que, na segurança pública, o crime organizado prosperava no país devido à leniência política em vitimizar criminosos, algo já registrado, por exemplo, na documentação oficial da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, sob comando do General Braga Netto. O discurso de que é preciso ser mais agressivo é de longa-data no país, porém a realidade brasileira é de alto punitivismo, como mostram os altos índices de encarceramento, e de estratégias violentas de combate ao crime organizado e narcotráfico, retratadas pelas operações letais constantes em favelas e periferias que não resolvem a criminalidade, e aumentam o número de mortes de policiais e civis, em sua maioria, jovens negros.

Ainda, o projeto defende a maior autonomia das Polícias Militares e o estreitamento de suas relações com o Exército. Atualmente, há um projeto em discussão e revisão na Câmara dos Deputados, cujo relator é capitão Augusto (PL), que busca garantir maior autonomia às PMs, a fim de blindar a corporação. O vice-presidente, general Mourão, concorda com essa ideia geral, desde que mantendo o cargo de generalato restrito às forças armadas, para que a hierarquia seja mantida. Além disso, o Projeto afirma que há preconceito com Policiais Militares ocupando cargos políticos.  Não se trata de preconceito, e sim, de uma premissa democrática básica: profissionais que exercem função policial e militar, especializados no uso de armas e comando de tropas não devem assumir cargos políticos enquanto estiverem na ativa ou imediatamente após serem transferidos para a reserva. É preciso um distanciamento, temporal e espacial, entre a profissão armada e a esfera política, pois esta é uma arena de diálogo e negociações, e não há como negociar sob ameaça das armas. Todo este movimento indicado no projeto caminha na direção contrária à assertividade civil sobre as forças de segurança no país, que já se encontra gravemente debilitada.

Na cerimônia de lançamento, o general Rocha Paiva apresentou o Projeto de Nação e perguntou se “alguém não quer este Brasil?”. Respondemos, sonoramente, que este Brasil não nos interessa. Nos interessa um Brasil democrático, plural, diverso, popular e soberano, pensado e dialogado livremente por todos que nele habitam.

 

* Mariana Janot é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP). Bolsista CAPES. Contato: mariana.janot@unesp.br.

**David Succi Júnior é doutorando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP).

***Lívia Peres Milani é pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP). Contato: livialpm@gmail.com. Bolsista Capes-PrInt.

****Samuel Alves Soares é professor associado da Universidade Estadual Paulista e do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP).

Os quatro autores são membros do Grupo de Elaboração de Cenários Prospectivos, vinculado ao Gedes.

Imagem: Divulgação do Projeto de Nação: o Brasil em 2035. Disponível em Portal Gov.br.

 

Referências

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A democracia permanece distante da política de poder das Forças Armadas

Eduardo Mei, Héctor Luis Saint-Pierre, Suzeley Kalil Mathias e Samuel Alves Soares* 

 

Texto originalmente publicado em Jornal da Unesp

 

A eleição do atual presidente do Brasil impulsionou análises segundo uma suposta diferença polarizada dos atores. Em pouco tempo foram apontadas “alas”, aqui uma ideológica, acolá outra neoliberal privativista. Entre ambas existiria um grupo racional e técnico, catapultado a um patamar mágico e infenso aos ditames das baixezas do fazer político pouco nobre e mesquinho.

Nomes de próceres das alas ideológicas e liberalizantes são bem conhecidos. A terceira ala foi ocupada pela corporação militar, sem que despontasse um ideólogo específico. A parcela racional e técnica foi mostrada pela grande imprensa como exercendo a condição do equilíbrio racional, em especial para controlar o histrião presidencial e conter arroubos inerentes a um despreparado beócio.

As alas desfilariam ao embalo dos ritmos “preservados” de procedimentos democráticos. Parcela considerável da opinião pública e da grande imprensa adotou esses marcos de forma apressada e acrítica. É possível analisar os processos e fatos recentes sob outra perspectiva.

Um ponto de partida é questionar se a própria eleição corresponde a um estatuto básico democrático, dimensão já razoavelmente considerada. Há outra possibilidade analítica, contudo, ainda pouco explorada. Foi estabelecido, sem mais, que as instituições armadas emprestaram sua imagem pública para referendar a eleição de um ex-militar de baixo calão e mobiliar o governo para dotá-lo de uma refundação política, capaz de decidir e agir afastado da sordidez dos usuais mecanismos político-partidários.

A fábula foi sendo engabelada com a contribuição de figuras como um astrólogo-filósofo, um ex-chanceler embevecido, uma ministra dos Direitos Humanos aturdida e outros prestidigitadores disponíveis. A eles coube reverberar a luta renhida contra um fantasioso ‘marxismo cultural’ e alertar para as ‘hostes comunistas’ afoitas e à espreita para aniquilarem valores ocidentais considerados inarredáveis.

O ‘partido militar’

Esse movimento veio a calhar para preservar as instituições castrenses, que jamais abandonaram o mantra do anticomunismo, do antiesquerdismo, de posições claramente antidemocráticas. Mais do que uma concepção de Guerra Fria obsessivamente prorrogada, o que orienta o “partido militar” é uma autopercepção de constituírem um poder soberano, preparado para definir, a seu critério e com seus valores, os momentos em que a excepcionalidade pode ser convocada para dirimir questões da esfera política, uma decisão que se desdobra para a definir quem são os amigos e os inimigos.

Na história política brasileira os inimigos estão claramente demarcados pelas campanhas contra populações pobres, negros, militares de baixa hierarquia. Recentemente, determinaram de forma explícita no Manual de Operações de Garantia da Lei e da Ordem os movimentos sociais e quilombolas como perpetradores contra uma ordem que os próprios fardados consideram como seu desígnio estabelecer.

Por imposição dos fardados, com apoio e conluio de lideranças civis, o artigo 142 da Constituição Federal estabelece para as Forças Armadas a garantia da ordem. Uma ordem que em um país com desigualdades dilacerantes mantém no limbo parcela considerável da população, considerados indignos de direitos mínimos. É esse artigo que fornece argumentos para os que consideram que aquele exercício soberano está orientado para “garantir os poderes constitucionais” e contra eles insurgirem-se a seu bel-prazer e quando considerarem oportuno.

Mais que partícipes

A tintura mais recente nas fardas é o pretenso preparo para a gestão pública, algo que não é novo na história política, pois remonta ao período do Império, considerando o elevado número de governadores e interventores militares. Agora, entretanto, recebem a alcunha de modernos gestores titulados em cursos adeptos do gerencialismo. De concreto, revelam o despreparo para a administração pública, o que de resto não lhes compete.

As sinecuras são ainda outro fator a explicar a participação de milhares de militares no atual governo, desvelando que o exercício do poder também se alimenta de vantagens pecuniárias. Dispositivos previdenciários diferenciados, para toda a corporação, adicionados das benesses para os que mobíliam ministérios, autarquias e fundações as mais variadas.

A serventia do fantoche na Presidência é que permite reforçar a concepção de que cabe aos militares refrear seus mais criminosos impulsos, como se o descalabro que ceifa vidas e a condição de o país ser considerado um pária internacional fossem alheios ao aparato de força, cuja sina é investir contra a nação estarrecida. Ao revés, torna-se crescentemente claro que os militares são, para além de partícipes do governo, os mentores e o seu pilar central.

Demissões no alto escalão

E bem recentemente há um abalo, efetivo ou aparente, na relação entre o governo e as Forças Armadas. O ministro da Defesa é substituído, assim como os três comandantes das Forças. De fato, essa é uma situação muito inusual e os pormenores do caso serão conhecidos no futuro. Por ora, e seguindo a abordagem analítica aqui proposta, robustece o argumento de que as Forças, em especial o Exército pelo seu peso político, agem com muita desenvoltura, ou mais precisamente, com autonomia. Publica-se que o presidente definiu os nomes, porém as evidências atuais são pouco críveis que assim tenha sido.

O atual comandante do Exército, em entrevista largamente divulgada dias antes das mudanças na estrutura de comando das Forças, havia indicado a forma como a crise da Covid-19 tem sido conduzida na instituição. Apenas corroborou o que o próprio Exército apresentou no início da crise, em 2020. Em estudo elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército, as tendências da pandemia e as formas mais eficazes para o seu enfrentamento estavam claramente indicadas no documento, convergente, por exemplo, às orientações da Organização Mundial da Saúde. Ficou disponível por poucos dias e foi retirado do site do referido Centro. Ao revés, o governo estabeleceu uma linha de ação muito diversa e os resultados da necropolítica foram sentidos em pouco tempo.

O comandante do Exército era justamente o general que conduzira ações na contramão daquelas definidas pelo governo , cujo ministro da Saúde era então um general da ativa. Por ora nota-se que as instituições militares, outra vez, tomam as decisões e reafirmam sua autonomia política. Reside neste ponto uma contradição profunda. Trata-se de um governo militar-bolsonarista, mas não significa que os militares detenham completo controle das ações. Os movimentos ultraconservadores e a extrema direita não possuem uma gênese exclusivamente militar, ainda que segmentos internos às corporações os reforcem.

O espólio militar é, portanto, muito grave. Para o interior das instituições militares parecem ter cumprido os protocolos mais eficazes para debelar a pandemia. Registre-se, entretanto, que ainda não há evidências suficientes para sustentar essa versão. De todo modo, caso confirmado, e com um Ministério da Saúde militarizado a conduzir de forma criminosa as ações relativas à segurança sanitária, caberia explicar o que levou a tratamento tão diferenciado para o chamado público interno e para a sociedade brasileira como um todo.

Imagem de afastamento da política

Estes eventos serviram para propagar um afastamento do governo ou, mais propriamente, uma forma de reafirmar que constituem uma instituição de Estado e não de governo. Recepcionar e difundir a visão de que as Forças Armadas estão apartadas de Bolsonaro é funcional para o projeto militar mais amplo, de permanência no poder, bem como de não serem responsabilizadas pelo desastre que o governo causou.

A política de poder é o que explica os movimentos das Forças Armadas, por vezes aparentemente contraditórios. Não houve retorno aos quartéis. É permanente esta condição, que na atual fase conjuga-se ao exercício do governo. O saldo final é duplamente assustador. Por um lado, a debilitação da Defesa, já que as armas se voltam para nacionais de específico espectro, os deserdados e os que lutam contra a ordem discriminatória estabelecida. Por outro, a terrível e inimaginável situação de milhares de mortos pela incúria na condução insana da política sanitária. A responsabilização da instituição militar há de vir, caso restem esperanças na justiça humana.

E a democracia permanece nostalgicamente distante enquanto o garrote autoritário é tensionado pela política de poder das Forças Armadas.

 

 

* Eduardo MeiHéctor Luis Saint-PierreSamuel Alves Soares e Suzeley Kalil são professores do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp (FCHS), câmpus de Franca, e pesquisadores do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes).

Imagem: Cerimônia aos generais promovidos. Por: Alan Santos/Flickr/Palácio do Planalto.