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O Starlink e a importância da internet via satélite para o conflito entre Rússia e Ucrânia

Larissa Aguiar*

 

Com o início da campanha russa na Ucrânia, o receio de que a Rússia poderia estrategicamente prejudicar, ou até mesmo utilizar a seu favor, a conexão de internet ucraniana se tornou uma preocupação válida das esferas governamental, militar e civil do país. Essa estratégia de usar as dimensões cibernética e informacional para obter vantagens no conflito já havia sido utilizada na Criméia durante a anexação do território ao Kremlin em 2014. Desde então, a dependência da Ucrânia em relação a servidores russos se tornou uma preocupação válida e constante. O controle dos meios de comunicação e, principalmente, do tipo de mídia que os cidadãos consomem, pode ser uma determinante na política internacional. Tendo em vista esses fatores, nosso objetivo neste texto é analisar os impactos da utilização da internet via satélite no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Com a possibilidade de que os eventos de 2014 se repetissem, dois dias após o início da campanha russa na Ucrânia, o então vice-Primeiro Ministro e Ministro da Transformação Digital ucraniano, Mykhailo Fedorov, pediu, via Twitter, que  o empresário estadunidense Elon Musk, dono da SpaceX, fornecesse terminais da rede de satélites Starlink à Ucrânia. A partir disso, a tecnologia de comunicação via satélite e o projeto Starlink adquiriram uma posição central nas discussões do recente conflito, e passaram a ser uma das salvaguardas da conexão ucraniana com o mundo exterior. 

Primeiramente, é importante esclarecer o que é o Starlink. Trata-se de um projeto da empresa privada SpaceX que visa o desenvolvimento de uma constelação de satélites e objetiva a implementação de tecnologia espacial para a disseminação da internet via satélite em todo o mundo. Para além dos interesses privados da SpaceX em desenvolver uma constelação de satélites, o projeto Starlink, assim como outros projetos de internet via satélite, como a HughesNet e a ViaSat, contribuem para o acesso à internet em áreas isoladas, como as rurais, onde a internet via fibra ótica se torna de difícil acesso.

A recepção da internet via satélites acontece por meio de uma triangulação dos sinais. A princípio, instalam-se estações terrenas – ou gateways – em pontos estratégicos do globo, que fornecerão o sinal primário de internet através de uma conexão de fibra óptica previamente hospedada. Em seguida, é necessário lançar satélites LEO, um tipo de satélite específico para este serviço, que se estabelece na órbita terrestre baixa – uma órbita próxima à superfície terrestre, não ultrapassando os 1000 km de altitude em relação ao espaço. Atualmente, o projeto Starlink possui 1587 satélites estabelecidos, mapeados e ativos, que formam a chamada “constelação de satélites” e refletem o sinal emitido pelas estações terrestres do projeto. As estações terrenas são as responsáveis por conectar o sinal da fibra óptica aos satélites que orbitam a Terra e que, mais tarde, repassam esse sinal aos terminais domésticos adquiridos por civis, empresas e governos, responsáveis pela reprodução do sinal de internet em equipamentos eletrônicos.

A internet via satélite, então, permite a conexão de terminais domésticos em muitos locais inalcançáveis pela fibra óptica comum. A simples passagem de um satélite em órbita e o espaço a céu aberto permitem que os terminais captem o sinal e forneçam conexão de banda larga efetiva, embora não tão rápida quanto a fibra óptica comum. 

Tal tecnologia pode ser útil durante conflitos armados, visto que as forças armadas e os civis estão em permanente estado de alerta em relação à localização das forças inimigas. As investidas militares por parte das forças armadas russas, na intenção de dominar parte do território em guerra, bem como as esquivas ucranianas, demandam comunicação urgente e eficaz. A necessidade do lado agressor receber, processar e tomar decisões com base no território inimigo perpassa, antes de mais nada, a comunicação entre os centros de controle e as forças. Por outro lado, a resistência das forças defensoras depende, diretamente, da capacidade de obter informações precisas acerca da posição inimiga. Entender o campo de guerra é um aspecto estratégico e vital para ambas as partes. O que nos leva, então, à importância da comunicação rápida, eficiente, direta e correta, e também à importância de neutralizar a comunicação das forças inimigas, o que pode significar uma vantagem massiva durante as campanhas de ambos os lados.

Outro ponto vital do conflito entre Ucrânia e Rússia que é impactado pela internet via satélite é a crise de refugiados de guerra gerada desde o início da invasão russa. De acordo com Filippo Grandi, o atual Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, mais de 2 milhões de civis ucranianos já deixaram o país fugindo do cenário de guerra que se instalou em suas cidades natais. Com a crise de refugiados, órgãos de toda a Europa têm disponibilizado, via sites e aplicativos, informações úteis para que ucranianos possam sair de seu território em segurança. É o caso da União Europeia, que tem utilizado o próprio site como hospedagem para postagens informativas rápidas. Ademais, o Fórum Econômico Mundial lista que, para além de informações, outras ações importantes têm alcançado os ucranianos on-line, como doações globais para a compra de alimentos e serviço médico gratuito.

Diante da relevância da conexão com a internet para a resistência ucraniana e a resposta humanitária, uma questão que se mostra relevante é a possibilidade de bloqueio dos sinais e terminais do Starlink pela Rússia. Para que um bloqueio fosse devidamente efetivo, a Rússia deveria acionar dispositivos aéreos que desviem, dificultem ou, ao menos, desequilibrem a triangulação dos sinais de internet. No entanto, dois desafios se colocam entre essa realidade. O primeiro deles é a dificuldade em atingir a estação terrena que emite o sinal captado pelos terminais ucranianos, que se situa em Wola Krobowska, uma vila no centro-oeste da Polônia, com alcance suficiente para conectar os terminais ucranianos. O projeto de Elon Musk, atualmente, possui mais de 50 estações terrenas espalhadas principalmente entre Estados Unidos e Europa Ocidental, sendo outras 7 na América do Sul. A Polônia, no entanto, é um país-membro da União Europeia desde 2004 e da OTAN desde 1999, e qualquer avanço russo em suas fronteiras neste momento é inconcebível, tendo em vista a resposta bélica que aguarda Putin. Vale lembrar que, de acordo com o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, a violência contra um membro da OTAN significa a violência contra todos os membros, e deve ser respondida pela organização como um todo, o que torna altos os custos dessa decisão . 

Outro problema enfrentado pela Rússia é a falta de superioridade aérea do espaço de conflito. Após duas semanas de investida, a campanha russa ainda não conseguiu estabelecer um controle definitivo do espaço aéreo ucraniano. Desse modo, a inviabilização de sinais, pela via aérea, se torna uma tarefa difícil de ser alcançada pelas forças russas.

Enquanto o espaço aéreo for preservado, e os altos custos da OTAN permanecerem, as condições indicam  que ucranianos continuem acessando livremente a internet provida via satélite, sem controle estatal russo, e sem qualquer influência direta do Kremlin. A guerra informacional e midiática, até então, foi vencida pela Ucrânia, seus civis e pelo governo de Zelensky, que comoveram milhões de pessoas ao redor do mundo, enquanto arrecadam milhões de dólares e, ainda mais, traçam estratégias de refúgio e contra-ataque. O fluxo veloz e eficiente de informações, que possibilita aos ucranianos até mesmo encontrar e observar tropas russas, mostra-se um componente cada vez mais relevante para os conflitos. A investida russa enfrenta, para além de resistência, sanções e votos contrários na Organização das Nações Unidas, um obstáculo que cresce cada vez mais: a comunicação global e a narrativa a favor do lado ucraniano. No que tange a essa questão, a importância da troca de informações eficaz, menos custosa e mais acessível se torna essencial para os atores internacionais. A tecnologia capaz de atender essas demandas se faz, então, cada vez mais relevante, bem como a presença de atores – privados ou públicos – que possam pesquisar, desenvolver e aplicar tais inovações em situações como o conflito entre Rússia e Ucrânia. Com isso, a internet via satélites, bem como o projeto Starlink, se tornam, para além de um produto comercial e inovador, uma ferramenta estratégica capaz de influenciar  diretamente conflitos internacionais.

 

*Larissa Aguiar é graduanda em Relações Internacionais e bolsista de iniciação científica (FIP) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Imagem: Starlink Bedienungsanleitung, por Tim Reckmann.

Una Aproximación a la Crisis Ruso-Ucraniana

Carlos Gutierrez*

Texto publicado originalmente em SIC Notícias

En toda crisis, y particularmente si esta conlleva el uso de la fuerza, nos podemos encontrar con tres componentes básicos iniciales: la desinformación, la retórica y el cinismo.

No quiero detenerme en ellos porque no me parece lo más relevante de la coyuntura, pero es indudable que juegan un rol muy importante en la opinión pública, en las perspectivas de los analistas (especialmente aquellos que son especialistas de última hora en todo), y sobre todo en ocultar los intereses vitales que condujeron a la crisis.

La desinformación (“se está haciendo una masacre de ciudadanos”, “se están bombardeando ciudades”, “esta es una operación limitada”, y un largo etc.), la retórica (“esto llevará a la tercera guerra mundial”, “ahora vendrá el ataque al resto de Europa”, “se aplicarán las sanciones más grandes de la historia”, y otro largo etc.), y el cinismo (“apoyaremos la lucha por la libertad y la democracia”, “es inaceptable el ataque a un país soberano”, “no se puede aceptar la independencia de regiones de un país soberano”, “siempre optaremos por la paz”, y un etc. más largo aun escondiendo guerras injustas y preventivas, masacres, desconocimiento de la ONU, golpes de estado), hacen de estas coyunturas espacios para el maniqueísmo de los líderes y medios de comunicación de todas las improntas y orientaciones ideológicas, quizás el más recurrente por su facilismo que es el de caracterizar a unos como buenos y a otros como malos, no auscultando los intereses que mueven a unos y a otros.

Por lo tanto, trataré de identificar algunas líneas interpretativas a modo de hipótesis y en forma sucinta (porque estamos ante hechos que transcurren con mucha velocidad) que cubran las explicaciones de por qué se ha llegado a la crisis, los elementos que son develados por esta, y los escenarios y conceptos que quedan abiertos.

1- El origen profundo de la crisis

Según la BBC (quizás uno de los medios considerados más serios en el mundo), el actual conflicto tiene sus inicios en la anexión de Crimea por parte de la Federación Rusa en el año 2014, lo que ya demuestra el sesgo interpretativo de una situación de mucho más larga data y de mayores complejidades.

En el discurso presidencial de Putin del 21 de febrero, hay una larga explicación de lo que significa Ucrania y el eslavismo para los rusos, arraigado en lo más profundo de su “fondo cultural” (de allí la crítica a lo que hizo la URSS con Ucrania), y que al parecer el occidente europeo y Estados Unidos nunca han logrado comprender. Incluso llegar a decir del “dolor inmenso que les provoca su alejamiento de Rusia”.

Se explaya al respecto con estas afirmaciones:

“El bienestar, la existencia misma de Estados y pueblos enteros, su éxito y vitalidad tienen origen en un poderoso sistema de raíces de su cultura y sus valores, la experiencia y las tradiciones de sus antepasados y, por supuesto, dependen directamente de la capacidad de adaptarse rápidamente a una vida en constante cambio, de la cohesión de la sociedad, de su voluntad de consolidarse, de reunir todas sus fuerzas para seguir adelante.

Pero ustedes y yo sabemos que la verdadera fuerza está en la justicia y la verdad, que están de nuestra parte. Y si esto es cierto, entonces es difícil no estar de acuerdo en que la fuerza y la voluntad de lucha son la base de la independencia y la soberanía, la base necesaria sobre la que se puede construir un futuro, un hogar, una familia, nuestra patria.”

En el fondo histórico de Rusia siempre se han encontrado dos paradigmas político-culturales: el europeísmo y el eslavismo, que han vivido las vicisitudes propias en cada época y dependiendo de la hegemonía de uno u otro, se entienden las políticas exteriores de Rusia. Durante la URSS esta tensión se vio morigerada por el conflicto mayor de corte ideológico, pero nunca despareció.

Se reactivó con la desaparición de la URSS. Gorbachov y Yelstin más europeístas esperaron de estos la buena voluntad de acogerlos en el seno europeo, pero la debilidad política y económica de Rusia alentó la tentación estadounidense del hegemón unilateral.

Como lo dice el propio Putin en su discurso del 24 de febrero:

“La respuesta es clara, comprensible y obvia. La Unión Soviética se debilitó a finales de la década de 1980 y luego se derrumbó. Todo el curso de los acontecimientos de entonces es una buena lección para nosotros y ahora se ha demostrado convincentemente que la parálisis del poder y la voluntad es el primer paso hacia la degradación y el olvido por completo. Una vez que habíamos perdido la confianza por un tiempo, el equilibrio de poder en el mundo se rompió.”

Hoy están en su cénit los eslavistas que, sin despreocuparse de Europa, sienten que su estatura histórica reside en la fortaleza y riqueza del eslavismo y para eso fortalecen su espacio étnico-cultural, así como consecuencia directa el cuidado de sus fronteras, que es lo que sintetiza su visión de Ucrania.

2- El papel de los líderes

Más allá de las caricaturas de cada uno de los líderes principales del conflicto (Putin, Zelensky y Biden) y sus respectivas orientaciones políticas e ideológicas en el plano interno de sus estados, lo cierto es que se puede apreciar un acercamiento muy distinto a la profundidad de la crisis y al modelo de liderazgo de cada uno de ellos.

Los liderazgos más recientes de Estados Unidos están en deuda: el disruptivo Trump que ninguneó a la política internacional y el debilitado Biden, que vive en una realidad paralela entre su visión conservadora del poder de Estados Unidos que ya no tiene y la realidad brutal que le demuestra su derrota en Siria y Afganistán. Su liderazgo se asocia también a ese cinismo calculador que abusa de sus socios, pero que no trepida en dejarlos: al gobierno afgano ante los talibanes, a los kurdos ante los turcos, a la agrupación democrática siria que formó ante el gobierno sirio y la respuesta militar de Rusia.

El liderazgo estadounidense quiere recuperarse, con un discurso fuerte e intransigente, pero lo más probable es que su frente interno esté tan descompuesto y su economía en deterioro, que tampoco se jugará a fondo ante esta crisis que no puede controlar del todo.

El presidente ucraniano Zelensky, que sigue un comportamiento autoritario y corrupto de todos los presidentes anteriores en Ucrania, ha demostrado su inmadurez en estas lides. Se jugó todo a la credibilidad de los discursos de Biden y la OTAN, sin sopesar los verdaderos intereses de ellos, su real poder y disposición a apoyar a Ucrania en la crisis y no dimensionar los intereses rusos. No aprendió de la crisis del año 2014 en Crimea, de la guerra de Chechenia en 1999, ni la del 2008 en Georgia, donde Putin demostró que sí tenía el poder y la voluntad de resolver crisis mediante la fuerza. Es lo más probable que sea el que más pierda en esta crisis.

El presidente Putin creo que ha sido caracterizado correctamente como un conservador nacionalista, con una larga experiencia política y militar, y una visión estratégica sobre el futuro y el papel de Rusia en la política internacional, que en esta materia ha logrado gozar de un alto consenso en la elite interna. Su prestigio y trascendencia se juega precisamente en su proyecto del refortalecimiento de Rusia y su proyección internacional, y así como ha salido victorioso de los conflictos anteriores (particularmente Chechenia y Georgia, y en el reciente apoyo en Siria), lo más probable que de este salga aún más fortalecido.

3- Los objetivos políticos declarados por el Presidente Putin

Hay dos discursos de Putin que son muy claros en dilucidar sus objetivos políticos en la relación con Ucrania, el del 21 de febrero que acepta reconocer la independencia de las regiones ucranianas autoproclamadas autónomas de Donetsk y Lugansk y el del 24 de febrero que anuncia el inicio de la Operación Militar Especial contra Ucrania.

Ambos discursos son muy decisivos y claros en expresar la visión política de fondo del gobierno ruso, que claramente se podría catalogar como fuertemente nacionalista y realista en política internacional, asumiendo la lógica de defensa de los intereses nacionales y recogiendo la histórica tradición de la cultura y política rusa (que va bastante más allá de lo que muchos analistas han querido identificar como la reconstitución de la Unión Soviética) que la ubica como un actor relevante en un espacio mixto que es Europa y Oriente.

Los objetivos aducidos de alcance estratégico son: la NO expansión de la OTAN hacia el este europeo de países que colinden con la Federación Rusa, así como la NO instalación de infraestructura militar cerca de sus fronteras y que esta alianza regrese a sus fronteras que tenía al año 1997, es decir a la situación previa del ingreso de países que fueron parte del bloque del Pacto de Varsovia que se inició en el año 1999.

Los objetivos inmediatos fueron declarados en el discurso del 24 de febrero que da inicio a la Operación Militar Especial que busca “desmilitarizar, desnazificar y juzgar a criminales de guerra que operaron contra los ciudadanos de las regiones de Donetsk y Lugansk”. A esto, claramente habría que agregar que buscará asegurar la independencia de las dos repúblicas, así como el reconocimiento de una Crimea rusa.

El objetivo de la desnazificación pudiera parecer extraño, pero desde el golpe militar del año 2014, fuerzas políticas de extrema derecha y específicamente sectores neonazis han tenido una influencia muy decisiva en el devenir político de Ucrania, no solo con dirigentes y partidos políticos en puestos relevantes del gobierno y de las fuerzas militares, sino con medidas concretas como la prohibición del uso del idioma ruso, la glorificación de la colaboración nazi en tiempos de la Segunda Guerra Mundial, la concentración de fuerzas de extrema derecha mundial para su organización internacional, y la creación del Regimiento Azov, que es una milicia neonazi incorporada a la Guardia Nacional Ucraniana.

4- El componente económico

Nunca va estar declarado explícitamente si hay intereses económicos en el conflicto, pero es evidente que por lo menos hay consecuencias.

Las acciones más visibles y retóricas por parte de la OTAN y Estados Unidos han estado centradas en las medidas económicas, particularmente financieras. Pero hay mucha discusión actual sobre los verdaderos efectos en Rusia, los impactos que estas tendrán en la propia Europa y los efectos de mediano y largo plazo que están en el fondo del conflicto.

Por lo menos, por ahora se pueden enunciar algunos temas relacionados:

  • Rusia viene viviendo sanciones hace varios años, y para esto se ha ido preparando a enfrentar estos escenarios como algunos más duros. Actualmente Rusia tiene reservas líquidas en dólares bastante alto, al igual que en otras monedas y sobre todo de reservas en oro, logrando en enero de 2022 una cifra récord e histórica.
  • Los ingresos a la economía rusa (por lo tanto dólares) son esencialmente en venta de comodities, energía y material bélico. Todas, difíciles de terminar en forma abrupta, particularmente la energía de la cual depende mucho Europa, al igual que determinados productos alimenticios.
  • Los precios de las energías han subido de precios, lo que afectará especialmente a los europeos.
  • Las medidas financieras europeas tendrán también efectos negativos en su propio territorio: inflación; aumento importante de las primas de riesgo que encarecerá los préstamos; faltará liquidez de dólares que tendrán que ser suplidos por la Reserva Federal de Estados Unidos a través de la emisión;
  • El impacto más profundo tendrá la economía financiera mundial, donde el dólar es que corre con el riesgo de ser moneda de reserva y la posibilidad cierta de acelerar la tendencia que exista una economía paralela a la estadounidense-europea con otra china-rusa-oriente, donde no prime el dólar y con un sistema interbancario propio, que ya funciona entre ambos desde el año 2014 (en este sentido el retiro de los bancos rusos del sistema Swift, acelera esta posibilidad).
  • Hay que recordar que la economía europea todavía está en cuidados intensivos producto de los efectos no totalmente superados de la pandemia.
  • El gran ganador económico será China, con la potenciación del yuan, el acopio de oro y nuevas posibilidades comerciales.

5- La disputa por una nueva configuración mundial

El principal elemento develado por esta crisis es que la actual situación de poder a nivel mundial choca con la arquitectura de poder existente, y se aprecia una tensión dirigida al status quo que impuso Estados Unidos desde el momento en que rompe la dualidad bipolar propia de la Guerra Fría.

La hegemonía unilateral ejercida con toda fuerza por Estados Unidos desde el año 1991 está cuestionada por otro hegemón de magnitud creciente que es China (y que sin lugar a dudas en un futuro próximo superará a EEUU) y por otros poderes que, siendo menores, sí representan influencias determinantes en espacios geográficos más acotados, como pasa con la misma Federación Rusa en un espacio interméstico entre Europa y parte de Asia; India en la zona indo-pacífica; Irán en la zona medio oriente.

Por lo tanto, esta quebradiza estructura internacional, que se expresa en organismos internacionales y alianzas militares, ya no da plenamente cuenta de la realidad política y económica internacional y tiende a buscar su cauce abriendo las nuevas posibilidades de multicentros que tenderán a organizarse y ordenarse en torno a espacios sustanciales.

Este es el gran problema de Estados Unidos y su tendencia al agotamiento de su hegemonía unilateral, que no está dispuesto a este reconocimiento de la nueva realidad mundial y cierra los espacios a esta configuración a través de “cordones sanitarios” que adquieren expresión concreta por ejemplo en la expansión de la OTAN en referencia a la Federación Rusa.

En el discurso del 24 de febrero, Putin lo explica así:

“Una mayor expansión de la infraestructura de la Alianza del Atlántico Norte, la exploración militar de los territorios de Ucrania que ya ha comenzado es inaceptable para nosotros. El punto, por supuesto, no es la OTAN en sí misma, que es solo un instrumento de la política exterior de Estados Unidos. El problema es que en los territorios adyacentes a nosotros —quiero señalar, en nuestros propios territorios históricos— se está creando una anti-Rusia hostil a nosotros, que ha sido puesta bajo un control externo completo, se están acomodándose las fuerzas armadas de los países de la OTAN y están llenado estos territorios con las armas más modernas.

Para Estados Unidos y sus aliados se trata de la llamada política de contención de Rusia, un evidente dividendo geopolítico.”

En este análisis crítico está implícita la discusión sobre la relación entre diplomacia y poder hegemónico absoluto, donde pierde centralidad la opción política para dar paso a la amenaza del uso de la fuerza, lo que abre la necesidad del debate de un nuevo orden con discusión de los conceptos que deberían darle sentido. Según el propio Putin:

En un estado de euforia de superioridad absoluta, de una especie de absolutismo moderno e incluso en el contexto del bajo nivel de cultura general y la arrogancia de aquellos que prepararon, tomaron y cabildearon decisiones beneficiosas solo para ellos mismos, la situación comenzó a desarrollarse en un escenario diferente.

Como he dicho antes, Rusia ha aceptado las nuevas realidades geopolíticas tras el colapso de la URSS. Respetamos y seguiremos respetando a todos los países recién formados en el espacio postsoviético. Respetamos y seguiremos respetando su soberanía, y un ejemplo de ello es la ayuda que hemos prestado a Kazajistán, que se ha enfrentado a unos acontecimientos trágicos y a un desafío a su condición de Estado y a su integridad. Pero Rusia no puede sentirse segura, desarrollarse, ni existir con una amenaza constante procedente del territorio de la actual Ucrania.”

6- El concepto de Autodeterminación de los pueblos y la Seguridad Indivisible

En esta crisis se han planteado conceptos claves existentes que también serán parte de su interpretación para escenarios futuros.

El principal de ellos es la relación entre la Autodeterminación de los pueblos y el de la Seguridad Indivisible, que han sacado a relucir en varias oportunidades los líderes involucrados en el conflicto.

Nadie ha puesto en interdicción el derecho a la autodeterminación de los pueblos (aunque pudiéramos tener dudas razonables del respeto que se ha tenido sobre este derecho), pero progresivamente la humanidad ha ido incorporando determinadas limitaciones a lo que pudiera ser un derecho absoluto, como por ejemplo el respeto universal de los derechos humanos, la existencia de cortes penales internacionales y otros. Pero, justamente en el año 1990 ante la firma de la Carta de París que da forma a la Organización para la Seguridad y Cooperación Europea (OSCE), se expresa que, en el campo de la seguridad, el concepto de Seguridad Indivisible, que apunta justamente a una limitación implícita para cada Estado.

Es una suerte de reverso conceptual al concepto de disuasión, donde prima el derecho de cada país a generar un poder de tal magnitud que convenza a un hipotético enemigo a no hacer uso de la fuerza; en cambio, el de Seguridad Indivisible se basa en el hecho de que un Estado no debe generar condiciones para que otro estado se sienta inseguro. En palabras de la Carta:

“Finalizada la división de Europa, nos esforzaremos por conferir una nueva calidad a nuestras relaciones de seguridad respetando plenamente la libertad de cada uno de elegir en esta materia. La seguridad es indivisible y la seguridad de cada Estado participante está inseparablemente vinculada a la de todos los demás. Por consiguiente, nos comprometemos a cooperar en el fortalecimiento de la confianza y la seguridad entre nosotros y a fomentar el control de las armas y el desarme”. (Carta de París para una nueva Europa, página 3).

¿Y no es, entonces, precisamente lo contrario a este acuerdo lo que sucede con la expansión de la OTAN a países contiguos geográficamente con la Federación Rusa?

Sería muy interesante, para ir delineando escenarios futuros, retomar este concepto de la Seguridad Indivisible como un paso sustancial en la creación de una nueva arquitectura internacional.

7- El límite a la actual diplomacia

Para llegar a una situación de crisis que conlleva el uso de la fuerza militar, sea esta limitada o extensiva, hay que reconocer que ha habido un fracaso de la diplomacia.

Este es otro punto esencial que ha develado esta coyuntura, en cuanto a los límites que la actual diplomacia tiene en el marco de una configuración política internacional con un hegemón unilateral agresivo, en una fase de larga duración de decadencia que impide la constitución de otros poderes globales.

Como se puede demostrar a través de un largo recuento de espacios diplomáticos llevados a cabo por la Federación Rusa y Estados Unidos para encontrar un nuevo paradigma de relaciones en Europa que incluyera a Rusia, este caminó demostró sus limitaciones.

Efectivamente, con el ocaso de la Unión Soviética y el término del Pacto de Varsovia, no sucedió lo mismo con la OTAN (teniendo en cuenta que era una alianza defensiva contra la URSS), pero se aseguró que esta no crecería hacia el este. Esta política duró hasta el año 1999 cuando hicieron su ingreso Polonia, Hungría y República Checa. Y así siguieron 4 oleadas más: el 2004 con Bulgaria, Eslovaquia, Eslovenia, Rumania, Estonia, Letonia y Lituania. El año 2009 con Croacia y Albania. El año 2017 con Montenegro y el 2020 con Macedonia del Norte. Estaba en los planes Georgia, pero después de la guerra del año 2008 no continuó con el proceso. Y en el caso de Ucrania los planes comenzaron el año 2008.

Este continuo desprecio por los acuerdos (de palabra y escritos), ha mermado la capacidad de la diplomacia para frenar el uso de la fuerza, y eso conlleva una profunda reflexión sobre una nueva conceptualización y rol de la diplomacia, para que vuelva a ser el instrumento principal y creíble en la resolución de conflictos.

El líder ruso lo sintetiza de esta forma:

“Esto ha provocado que los tratados y acuerdos ya no sean válidos en la práctica. La persuasión y las propuestas no ayudan. Todo lo que no conviene a la hegemonía, al poder, se declara arcaico, obsoleto e innecesario. Y viceversa, todo lo que les parece conveniente se presenta como la verdad definitiva que impulsan a toda costa, groseramente por todos los medios. A quienes no están de acuerdo, los destruyen.

De lo que estoy hablando ahora se refiere no solo a Rusia, y no solo a nosotros nos preocupa. Esto se refiere a todo el sistema de relaciones internacionales y, a veces, incluso a los propios aliados de Estados Unidos. Después del colapso de la URSS, de hecho, comenzó la redistribución del mundo y las normas del derecho internacional que se habían establecido en ese momento —y las normas principales, básicas que fueron adoptadas después de la Segunda Guerra Mundial y consolidaron en gran medida sus resultados— comenzaron a obstaculizar a los que se autoproclamaron vencedores de la guerra fría.

Por supuesto, en la parte práctica de la vida, en las relaciones internacionales y en las reglas que la rigen, era necesario tener en cuenta los cambios de la situación mundial y del equilibrio de poder. Sin embargo, esto se debía hacer con profesionalismo, despacio, con paciencia, teniendo en cuenta y respetando los intereses de todos los países así como entendiendo su propia responsabilidad.”

8- El eurocentrismo

Si bien esta crisis está centrada geográficamente en Europa, el núcleo del conflicto es entre Rusia y Estados Unidos, pero también es indudable que sus alcances políticos, económicos y geopolíticos lo trascienden grandemente.

Las actuaciones más notorias corresponden a los países de Europa, particularmente los miembros de la OTAN, lo que también produce un sesgo importante en el análisis de la crisis, justamente por el carácter todavía atlanticista del enfoque (con este barbarismo quiero centrar el problema de la llamada lectura de la “comunidad internacional” en la OTAN).

Puede observarse con claridad que los alineamientos con uno u otro de los actores en el conflicto obedecen a sus alianzas o afinidades políticas; como ejemplo por el lado de Rusia e encuentra Siria, Irán, Cuba, Venezuela, etc., y por el lado de Estados Unidos fuera de la OTAN y la UE están sus aliados del Pacífico como Japón, Australia, etc.

Los dos más grandes estados, India y China, han mantenido una distancia prudente de la vociferencia atlantista, absteniéndose en la votación del Consejo de Seguridad de la ONU, algo parecido a lo que pasó con Argentina y Brasil en la OEA. Toda la zona sur de Asia no se ha involucrado en el conflicto, incluso el Primer Ministro pakistaní viajó a Moscú por primera vez en 23 años.

Por lo tanto, muy lejos de existir una posición unánime de la llamada “comunidad internacional”, que también en la amplitud correcta del término están sacando sus propias conclusiones de este conflicto y las preguntas que quedan abiertas al respecto, tanto en lo geopolítico como en lo económico.

9- Qué logra cada uno

Por supuesto que, con la crisis en curso, lo que se configure como escenarios futuros es todavía muy incierto. Pero, esbozo algunas ideas:

  1. La Federación Rusa podría alcanzar sus objetivos de neutralidad oficial de Ucrania, la independencia de las dos regiones del Donbás, y el reconocimiento de Crimea. Esos logros políticos deberían ser suficientes.
  2. La desmilitarización de Ucrania podría ser parte de su estatus de neutralidad, pero también probablemente como resultados de las operaciones militares propiamente tal, la infraestructura militar ucraniana quede muy debilitada.
  3. Ucrania debiera mantener su independencia y régimen político propio.
  4. Vendrá una situación económica compleja tanto para Rusia como en Europa, pero que también tenderá a nuevas reconfiguraciones, poniendo atención a lo que pase con el dólar como moneda de reserva, sistemas interbancarios, etc.
  5. Estados Unidos no obtendrá ganancias estructurales, excepto una administración publicitaria de la crisis.
  6. La UE y la OTAN entrarán en un nuevo momento de reflexión, una vez pasada la euforia tendrán que enfrentarse a las limitaciones actuales a su poder económico y político, y de su excesiva dependencia de la política estadounidense.
  7. Hay un riesgo general de las lecturas nacionalistas sobre esta crisis, que pondrá en tensión a los proyectos democráticos internos e internacionales.

 

*Carlos Gutiérrez es analista en defensa y miembro de Grupo de Análisis de Defensa y Fuerzas Armadas (GADFA).

Imagen: Rally in Donetsk. Por: Wikimedia Commons.

Consequências para as populações civis e os limites legais humanitários na guerra Rússia-Ucrânia

Beatrice Daudt Bandeira* 

Após meses de tensão nas relações Rússia-Ucrânia e aproximação das tropas russas das fronteiras do país vizinho, iniciou-se, no último dia 24 de fevereiro, uma guerra na Europa, autorizada pelo presidente russo, Vladimir Putin.  O ato, que é reconhecido por Putin como uma “operação militar especial”, gera reações e preocupações internacionais, além de efeitos potenciais para a política de segurança na Europa, bem como para a balança de poder mundial vigente. Para as populações presentes na Ucrânia, restam os custos da guerra: aumento generalizado de suas vulnerabilidades e baixas de civis. Cenário que deve se agravar conforme a escalada do conflito. O risco humanitário decorrente do uso da força em um conflito armado internacional é uma discussão fundamental, mas tradicionalmente deixada em segundo plano pelos combatentes. Em contraponto, sugerimos uma análise que se concentre nas consequências de hostilidades às populações civis na Ucrânia, discussão que se apoia nos relatos de organizações humanitárias e de direitos humanos internacionais, que estão atuando in loco, e que têm se preocupado com possíveis violações das leis internacionais da guerra pelos combatentes.

Os dilemas acerca da coexistência entre a Rússia e a Ucrânia são de longa data. A preocupação da Rússia com a Ucrânia consiste no temor de uma expansão ocidental para os países do leste-europeu e os espaços pós-soviéticos. O que, de fato, aconteceu com o estabelecimento de alianças entre os atuais membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os esforços de consolidação da defesa, segurança e alcance da esfera de influência ocidental na região. Para contextualizar, em dezembro de 2021, a Rússia apresentou à OTAN e aos Estados Unidos um conjunto de exigências, entre as quais a garantia de que a Ucrânia não se junte à aliança militar, o que, caso concretizado, como alega Putin, seria uma ameaça crítica à dimensão política da segurança nacional russa. O acordo foi rejeitado.

A retórica russa versa sobre a preocupação de que a Ucrânia se torne, portanto, uma nação “anti-Rússia”. Além disso, os interesses russos na região partem, também, de perspectivas geopolíticas, bem como laços históricos comuns aos dois países e o elemento identitário. A Ucrânia está localizada em uma região estratégica de acesso ao Mar Negro pelo Porto de Sebastopol e Putin reconhece o país como vital para a preservação do nacionalismo e a unidade nacional russa – o idioma russo é, inclusive, falado na Ucrânia, principalmente no leste do país. O que, todavia, não serve em hipótese alguma como justificativa para as agressões que caracterizam o cenário atual.

Afora as possibilidades de resolução das controvérsias por meios diplomáticos, a medida prática de contenção adotada pelas autoridades do Ocidente (como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e líderes da União Europeia) tem sido, até o momento, a imposição de sanções e pressões financeiras, inclusive penalidades a bancos russos, mas para as quais a Rússia parece ter se preparado, em maior ou menor grau. No âmbito da comunidade internacional, a Rússia, como um dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, exerce seu poder de veto sobre resoluções que condenem a invasão, como aconteceu no dia 25 de fevereiro.

Do ponto de vista do escopo legal e humanitário, diversas organizações internacionais têm buscado chamar atenção para a necessidade de que as forças ofensivas no conflito cumpram com as normas do Direito Internacional Humanitário sobre meios e métodos de guerra.  Pronunciaram-se acerca do tema: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, International Rescue Committee, Human Rights Watch (HRW), Anistia Internacional, além de agências das Nações Unidas, como Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), por exemplo.

À medida que a crise se prolonga, as vulnerabilidades das populações presentes na Ucrânia tendem a ser rapidamente agravadas assim como a dificuldade de suprir suas necessidades básicas o que terá impacto, especialmente, sobre grupos como os de crianças, mulheres, idosos e enfermos. Deve-se considerar que as ameaças à dignidade humana dos afetados por qualquer conflito armado são reais e urgentes. Lógica que serve para destacar os possíveis impactos humanos, sociais, psicológicos, políticos e financeiros no curto e longo prazo.

As longas filas de carros que deixam a Ucrânia evidenciam a situação dramática, marcada pela preocupação da população com sua segurança, pelo reconhecimento, por parte da Rússia, da integridade territorial do país e o inadiável apelo para o restabelecimento da paz. As consequências da guerra devem afetar o fluxo de deslocados internos (que já atinge o número de 160 mil) e de refugiados ucranianos: ao menos 875 mil pessoas que, apesar das condições meteorológicas, deixaram seu país desde o início da invasão russa com destino aos países vizinhos, Polônia, Moldávia, Romênia e Hungria. Tais números devem aumentar rapidamente nos próximos dias.

Para as comunidades que permanecem nas zonas de conflito (que têm recorrido às estações subterrâneas de metrô como abrigo contra bombas) está em jogo o acesso aos bens básicos de sobrevivência, como atendimento médico seguro e eficaz. E serão por elas testemunhados os impactos que ataques militares, quando feitos de forma indiscriminada – o que descumpre as leis da guerra, inclusive -, têm sobre infraestruturas civis essenciais, incluindo instalações de saneamento, distribuição de eletricidade e transmissão, bem como serviços de distribuição de alimentos e água, prédios habitacionais, hospitais e escolas. Tipo de ataque ilustrado pelas imagens de um míssil, disparado pela Rússia, que destruiu parte de um prédio residencial, na madrugada do dia 26, na cidade de Kiev, onde as  tropas ucranianas (e civis) defendem o país contra a escalada de violência por parte da Rússia, que tem como objetivo o controle político da capital e a ambição de derrubar o governo do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Até o momento, as consequências desta guerra para a população civil não têm sido suficientemente vislumbradas pelas partes políticas envolvidas. Organizações humanitárias e de direitos humanos internacionais, a exemplo da Anistia Internacional, a própria ONU e a HRW, citadas anteriormente, alertam para a preocupação com possíveis ataques que violem as leis internacionais. Destaca-se que o Direito Internacional Humanitário (ou leis da guerra), apesar de não proibir que a escalada de violência armada tenha lugar no espaço urbano, apresenta como obrigação legal e moral dos combatentes não realizar ataques deliberados e imprudentes que atinjam pessoas e infraestruturas civis. Além disso, o uso de arsenal, que inclui munições de fragmentação, também é proibido por sua capacidade de gerar danos generalizados a civis.

Relatos feitos por trabalhadores das organizações têm informado sobre a dificuldade do monitoramento da violência e de supostas violações do Direito Internacional Humanitário, que podem estar acontecendo por todo o país. A HRW, por exemplo, apurou um caso em que um míssil balístico russo, com munição de fragmentação, atingiu um hospital na cidade de Vuhledar. Como bem lembra a Anistia Internacional: “Alegações por parte da Rússia que apenas utilizam armas guiadas de precisão são manifestamente falsas”.

Conforme a ONU ao menos 136 civis (sendo 13 crianças) foram mortos até o dia 1 de março. Número que, assim como o de casos de feridos pelos ataques – registrado até o momento como sendo de 400 pessoas -, ainda permanece incerto. O Ministério da Saúde da Ucrânia estimou que, até o dia 27 de fevereiro, o número de vítimas foi de 352 civis mortos (sendo 14 crianças) e 1.684 feridos. A constante desinformação disposta em relatórios não oficiais, as dúvidas sobre a extensão da invasão russa, e a falta de segurança para que os profissionais humanitários realizem seus trabalhos devem contribuir diretamente para o agravamento da situação no país.

Enquanto Putin indica um posicionamento ainda mais agressivo, ao colocar em alerta as força nucleares do país, a comunidade internacional permanece buscando mecanismos de sanção na tentativa de minar a incursão russa sobre o país vizinho. Protestos pró-Ucrânia e em solidariedade às vítimas têm sido registrados ao redor do mundo, inclusive no Brasil. No escopo do humanitarismo internacional, as organizações pedem, de forma urgente, para que as partes ofensivas reconheçam e ofereçam garantias – e demonstrem tal compromisso na prática – de que trabalhadores humanitários, pessoas e instalações civis não serão alvos.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP – Unicamp – PUC-SP) e pesquisadora do Grupo de Defesa e Segurança Internacional (GEDES). Seus interesses de pesquisa incluem as áreas de ação humanitária e análise de conflitos armados internacionais. Contato: beatricedaudtb@gmail.com.

Imagem: Pessoas se abrigam no metro de Kiev, 2022. Divulgado por: Wikimedia Commons.

A guerra na Ucrânia e o delicado equilíbrio nuclear

Raquel Gontijo*

 

Após três dias da campanha russa sobre a Ucrânia, e diante da reação internacional de repúdio à invasão, Putin declarou que as forças nucleares russas seriam colocadas em elevado estado de alerta. Essa afirmação sinaliza uma ameaça de que, caso haja envolvimento mais intenso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no conflito, a crise poderá escalar para uma guerra nuclear. Mas não está claro ainda exatamente o que significa, na prática, esse estado de alerta.

As forças nucleares russas são compostas por armamentos estratégicos e táticos. Os armamentos nucleares estratégicos têm maior capacidade explosiva, variando entre 50[1] e 800 ktons[2]. Esses armamentos também são associados a veículos de entrega de maior alcance, como mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), mísseis lançados por submarinos (SLBMs) e bombardeiros estratégicos. Por outro lado, os armamentos nucleares táticos têm, em média, menor capacidade explosiva (usualmente entre 10 e 100 ktons) e são associados a veículos de entrega de menor alcance, como mísseis balísticos de médio alcance (MRBMs) e mísseis de cruzeiro.

Parte das forças nucleares, especialmente as forças estratégicas, está constantemente em estado de prontidão, podendo ser acionadas em curto intervalo de tempo, em caso de iminência de um ataque contra a Rússia. A declaração de Putin sobre o estado de alerta das forças nucleares tem como principal efeito aumentar a quantidade de ogivas em estado de prontidão, de modo que elas possam ser empregadas mais rapidamente caso haja um agravamento da escalada do conflito.

Mas sob quais circunstâncias o governo russo poderia autorizar o uso da força nuclear? Essa é uma pergunta que não tem respostas claras.

No relatório de Revisão da Postura Nuclear dos EUA de 2018, o governo estadunidense apresentava uma interpretação sobre a doutrina militar russa que seria baseada na ideia de “escalar para desescalar”. Neste sentido, a Rússia estaria disposta a realizar ataques nucleares limitados como uma forma de coagir seus oponentes a recuarem, em caso de crises. Ou seja, a Rússia teria aparentemente maior disposição para iniciar o uso de armas nucleares.

No entanto, a doutrina oficial divulgada pelo governo russo indica que o uso de armas nucleares poderá ocorrer apenas caso haja a detecção de ataques nucleares contra a Rússia ou seus aliados, ou haja uma ameaça existencial sobre a Rússia, seu território ou o território de seus aliados. Não fica claro, neste momento, se a situação na Ucrânia se configuraria como uma ameaça existencial para os interesses russos. A postura adotada abertamente por Putin nas últimas semanas indica uma leitura de que o território da Ucrânia deve estar, direta ou indiretamente, sob controle russo. Assim, diante das operações militares dos últimos dias, não é absurdo supor que a Ucrânia se configura como parte do território considerado vital pelo governo russo.

Putin tem tentado sinalizar de forma clara sua disposição para escalar o conflito com o uso de armas nucleares, caso a OTAN se envolva diretamente na guerra. Isso nos leva a mais uma pergunta: qual é o risco de escalada nuclear no atual conflito? Podemos dividir a resposta em dois cenários: escalada nuclear proposital e escalada nuclear acidental.

A escalada proposital envolveria uma decisão calculada de iniciar o uso de armas nucleares, com maior probabilidade de que esse uso seja focado nos armamentos nucleares táticos.  Este cenário, apesar de possível, é extremamente improvável. Contudo, alguns elementos poderiam contribuir para esse tipo de decisão: uma crescente deterioração da situação para as forças russas, com aumento da letalidade para suas tropas e uma projeção de guerra urbana longa e custosa; um maior envolvimento da OTAN na guerra, com envio de armamentos, munições, suprimentos em geral e, eventualmente, de tropas; um aumento do isolamento da Rússia no sistema internacional, o que levaria o governo russo a se ver cada vez mais acuado. Esses desdobramentos poderiam levar Putin a buscar uma vitória militar rápida e decisiva pelo uso de armamentos nucleares.

É evidente que a decisão de usar armas nucleares teria um custo gigantesco para a própria Rússia. Primeiramente, o uso de ogivas nucleares teria, necessariamente, um enorme impacto sobre civis, o que geraria uma reação massiva da opinião pública tanto internacional quanto doméstica. Devemos lembrar, inclusive, que o governo de Putin já vem enfrentando resistência de sua população em relação à operação militar, a despeito dos esforços para filtrar e censurar as notícias que circulam no país.

Ainda mais grave, o uso de armas nucleares geraria fortíssimos incentivos para uma resposta mais dura da OTAN: seria como cruzar uma linha vermelha, rompendo com a tradição de não uso nuclear que foi preservada no mundo desde 1945. Este é o cenário que nos levaria para a beira do abismo de guerra nuclear em grande escala. Uma vez que armas nucleares sejam usadas em conflito pela Rússia, a OTAN poderá responder com uma retaliação nuclear limitada, o que poderia, por sua vez, escalar para um engajamento nuclear generalizado.

O outro cenário possível seria o de escalada acidental, ou inadvertida. Em situações de crise, com as forças em estado de alerta elevado e as pessoas sujeitas a estresse intenso, as decisões muitas vezes ficam prejudicadas e podem ocorrer erros de cálculo. A escalada acidental pode acontecer quando uma das partes (ou ambas) calcula mal a reação do oponente.

Na atual crise da Ucrânia, a Rússia e a OTAN estão engajadas em um jogo de sinalizações. Por um lado, a Rússia tenta inibir maior envolvimento da OTAN, ameaçando o uso da força nuclear como um escudo para resguardar sua liberdade de ação na Ucrânia. Por outro lado, a OTAN quer demonstrar que Putin não terá plena liberdade para perseguir suas ambições expansionistas no leste europeus. Neste sentido, os membros da OTAN tentam fazer sinalizações limitadas, enviando armamentos e munições para os ucranianos, impondo sanções econômicas, fechando seus espaços aéreos etc. Essas sinalizações são feitas, em geral, com cautela, mas é difícil prever exatamente o que o outro lado pode interpretar como inaceitável.

Deve-se lembrar também que, em situações de crise, falhas de comunicação e interpretações erradas por parte dos serviços de inteligência podem ter consequências devastadoras. Há inúmeros relatos de momentos, durante a Guerra Fria, em que a escalada nuclear quase ocorreu por falhas humanas e técnicas. Não é, portanto, impensável que erros similares ocorram durante a guerra na Ucrânia, resultando em reações precipitadas que poderiam dar origem à escalada nuclear.

Este é um momento de extrema incerteza. Em meio a tanto sofrimento, com movimentações massivas de deslocados e refugiados, ataques a cidades com impactos sobre civis, danos econômicos ainda difíceis de dimensionar, é fundamental que o mundo mantenha sua atenção também sobre o delicado equilíbrio nuclear que está sendo ameaçado.

No fim do século XIX, analistas militares diziam que a invenção das metralhadoras tornaria as guerras impensáveis, pela escala de mortandade que passaria a ser possível; o mesmo argumento foi levantado sobre a invenção das aeronaves no começo do século XX, pelas imagens de terror de bombardeios a cidades. Hoje, metralhadoras e aeronaves são equipamentos banais em qualquer guerra. É fundamental que as armas nucleares não sigam o mesmo caminho. De todas as consequências que podem decorrer desta guerra, talvez a pior seja pensar que as armas nucleares podem passar a ser percebidas como um armamento de guerra como outro qualquer. Sobretudo, é vital que a tradição de não uso nuclear seja preservada.

[1] As ogivas nucleares, em caso de armas nucleares estratégicas, são frequentemente associadas a mísseis MIRV, ou seja, com múltiplos veículos de reentrada independentes. Assim, por exemplo, cada míssil com 6 veículos de reentrada poderia transportar 6 ogivas de 50 ktons, totalizando 300 ktons e maximizando a área de destruição atingida.

[2] 1 kton é aproximadamente equivalente a mil toneladas de explosivos convencionais. Para efeito de comparação, as bombas de Hiroshima e Nagasaki são estimadas em algo entre 10 e 20 ktons.

 

* Professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e pesquisadora do GEDES.

Imagem: Treinamento para o desfile do dia da vitória. Por: Michał Siergiejevicz/Wikkimedia Commons.