[elementor-template id="5531"]

Biden corre contra o tempo para dificultar ações de Trump no conflito ucraniano, diz especialista

No dia 25 de novembro de 2024, o pesquisador Getúlio Alves de Almeida Neto, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou na Sputnik Brasil as recentes decisões de Joe Biden no conflito ucraniano, destacando o uso dos mísseis ATACMS e o impacto dessas ações na estratégia do governo para influenciar Donald Trump.

Para saber mais, clique aqui: Biden corre contra o tempo para dificultar ações de Trump no conflito ucraniano, diz especialista

Guerra na Ucrânia: armas inéditas intensificam escalada entre Ocidente e Rússia

No dia 23 de novembro de 2024, Pérsio Glória de Paula, pesquisador e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou a escalada militar no conflito da Ucrânia. A introdução do míssil experimental russo “Oreshnik” sinaliza uma nova fase no embate entre Moscou e o Ocidente, levantando preocupações sobre segurança internacional.

Para ler a análise completa e entender as implicações dessa nova tecnologia, acesse o texto completo.

#494 O Ocidente potencializou a escalada do conflito na Ucrânia?

No dia 22 de novembro de 2024, Tito Lívio Barcellos Pereira, mestre em estudos estratégicos de defesa e segurança e pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou de um episódio especial no Mundioka Podcast.

Durante o programa, Pereira analisou as recentes declarações de Vladimir Putin sobre o conflito na Ucrânia, destacando como o uso de mísseis ocidentais nas regiões de Kursk e Bryansk intensificou a dimensão global da guerra. O analista também comentou as críticas do chanceler russo Sergei Lavrov à autorização dada por Joe Biden para o uso de mísseis de longo alcance, interpretando a medida como uma tentativa de escalada no conflito por parte dos EUA.

Para ouvir o episódio completo, clique aqui: #494 O Ocidente potencializou a escalada do conflito na Ucrânia?

‘Padrão OTAN’ dificulta resposta ucraniana e garante avanço russo recorde em Donbass, diz analista

No dia 7 de novembro de 2024, Pérsio Glória de Paula, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), analisou em entrevista para a Sputnik Brasil os desdobramentos do conflito entre Rússia e Ucrânia. O especialista destacou os avanços russos inéditos no Donbass e a dificuldade da Ucrânia em reverter o rumo da guerra, devido à sua dependência internacional e ao impacto do “Padrão OTAN” no campo de batalha.

Para acessar a análise completa de Pérsio Glória de Paula, clique aqui: ‘Padrão OTAN’ dificulta resposta ucraniana e garante avanço russo recorde em Donbass, diz analista

Mapa Mundi: Trump x Kamala e a tentativa dos EUA em pausar a guerra de Israel

No dia 6 de setembro de 2024, o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou do programa Mapa Mundi da SBT News. Na ocasião, ele comentou a disputa eleitoral entre Kamala Harris e Donald Trump, candidatos à Casa Branca nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Tito Lívio analisou a competição pelos Estados-chave e os preparativos para o primeiro debate presidencial, destacando a importância desses estados para a definição do vencedor nas eleições.

Para acessar a notícia, clique aqui: Mapa Mundi: Trump x Kamala e a tentativa dos EUA em pausar a guerra de Israel

Reação russa à intervenção da Ucrânia em Kursk: qual é a estratégia de Moscou?

No dia 30 de agosto de 2024, o pesquisador Pérsio Glória de Paula, membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou de uma entrevista na Brasil de Fato sobre a reação da Rússia à intervenção militar da Ucrânia em Kursk. Durante a entrevista, o especialista destacou que, com os avanços das tropas ucranianas em território russo, Moscou tem respondido com ataques militares, buscando neutralizar os avanços e fortalecer sua defesa.

Para acessar a notícia, clique aqui: Reação russa à intervenção da Ucrânia em Kursk: qual é a estratégia de Moscou?

Cooperação Sino-Russa na Ásia Central

No dia 27 de maio de 2024, a professora Danielle Makio, docente do curso de Relações Internacionais da UNESP e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou de uma análise sobre os desdobramentos do encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping, discutindo os impactos tanto domésticos quanto globais dessa reunião. A conversa aconteceu com Pedro Costa Jr, Valdir Bezerra e Ana Lívia Esteves, no Observatório de Geopolítica da GGN.

Para acessar a notícia, clique aqui: O Xadrez Geopolítico da Ásia Central | Observatório de Geopolítica (27/05/2024)

Todo mundo quer um cisne negro

                                                                                   Getúlio Alves de Almeida Neto*

 

No último 23 de junho fomos pegos de surpresa por uma rebelião do Grupo Wagner, um corpo paramilitar liderado por Yevegny Prigozhin, parte importante das forças russas na Guerra na Ucrânia e também atuante em conflitos na África. O motim de aproximadamente 24 horas transcorreu a partir do avanço dos soldados do grupo Wagner ao interior do território russo, levando à tomada da cidade de Rostov-on-Don e à marcha que aproximou as tropas lideradas por Prigozhin do sul de Moscou com o intuito – até onde se sabe – de depor Sergei Shoigu, Ministro da Defesa, e Valery Gerasimov, Chefe do Estado-Maior e Comandante das forças russas na Guerra da Ucrânia. O vislumbre de que um golpe de Estado contra Vladimir Putin estaria em curso ocasionou um enorme espanto devido ao seu caráter totalmente imprevisível e até mesmo impensável. As análises que sucederam ao evento, encerrado após um acordo com o intermédio do Presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, e cujos detalhes ainda são desconhecidos, apontam com frequência que o motim é um sinal do enfraquecimento de Putin e de que seu governo estaria próximo do fim. O texto a seguir discute as análises que repercutiram os eventos e os potenciais desdobramentos envolvendo o Grupo Wagner. Devido à imprevisibilidade do que aconteceu – ou teria acontecido – o conceito de Cisne Negro, criado por Nassim Taleb, em 2007, parece interessante para análise crítica quanto a nossa percepção do evento.

Em 2007, o escritor libanês Nassim Taleb publicou o livro “A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável”, que teve grande repercussão entre economistas. Na obra, Taleb define o conceito de Cisne Negro como um evento que possui três características: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, são geradas explicações que buscam dotá-lo de sentido e possibilitar sua compreensão, como se tivesse sido possível que já prevíssemos sua ocorrência. Acima de tudo, o livro é uma crítica à forma como nós, enquanto humanos, temos a tendência de não estarmos preparados para eventos que parecem à primeira vista impossíveis. Dessa maneira, buscamos nos aprofundar em uma área do conhecimento e traçar generalizações e padrões que nos fecham para o mundo do improvável em favor da racionalidade e da lógica que impomos ao nosso objeto de estudo, e que nos faça capazes de prever acontecimentos futuros e controlarmos os riscos. Como resultado, impomos ao mundo uma ordem organizadora maior do que ele realmente possui.

Dois anos após o lançamento do livro, o cientista político Robert Jervis (2009) publicou um artigo sobre as possibilidades e limitações do uso do conceito de Cisne Negro para o campo da política, sobretudo da política internacional. Jervis considera que o conceito parece ter sido bem aceito – pelo menos à época de seu texto – já que a história do século XX gira em torno de duas grandes guerras mundiais e da Guerra Fria, cujas características de imprevisibilidade e impactos que causaram, sendo caracterizados por historiadores como “pontos de virada”, se assemelhariam ao conceito de Cisne Negro de Taleb. Ainda que o autor conceda a Taleb uma razoabilidade em sua linha argumentativa quanto a estes eventos, afirma que não é fácil de determinar se um evento no passado foi ou não antecipado. Para Jervis, ainda que surpreendentes, não foram inteiramente imprevisíveis.

A partir da definição de Taleb sobre Cisne Negros, Jervis argumenta que esta seria parcialmente vaga. Um evento em particular pode ser analisado como um Cisne Negro para um observador, enquanto para um outro faz sentido em alguma medida. Por meio de exemplos, a contra-argumentação de Jervis é afirmar que, enquanto alguns eventos históricos da política internacional podem ser considerados claramente pontos de virada, não constituem um Cisne Negro. No campo da ciência política, em específico, Jervis (1997) cita a existência de um sistema – a tese de sua obra principal – cujas interconexões são tão numerosas e diversas que traçar um caminho entre causa e efeito se torna uma tarefa extremamente complicada mesmo após a ocorrência do evento, tornando-se ainda mais complexa de fazê-lo a priori do evento. Isso decorre do fato e que o impacto causado entre as variáveis que compõe o sistema e suas respostas geram importantes não-linearidades.

A partir de sua perspectiva da psicologia política, Jervis (2009) considera que o comportamento humano é influenciado por expectativas que podem produzir profecias autorrealizáveis ou negá-las por antecipação. Assim, afirma que a ocorrência ou não de um Cisne Negro pode depender da forma como as pessoas reagem ao sinal do que é possível. Em alguns casos, o fato de que algo não aconteceu é utilizado para indicar que sua ocorrência é impossível e que, portanto, os cálculos prévios de risco estavam corretos e não precisam ser alterados. Nessa lógica, a ocorrência de um Cisne Negro só se dá se for inesperada. Se for antecipada, os atores irão se comportar de forma diferente e o evento não ocorrerá.  Por fim, a principal dúvida de Jervis quanto à possibilidade de aplicarmos o conceito de Cisne Negro para a política internacional é em razão da sugestão de Taleb de evitarmos projeções de longo prazo. Nesse caso, o autor se questiona, por exemplo, como seria possível a gestão de uma política estadunidense em relação à China que não se baseie em teorias – ainda que advirta para os riscos de sermos excessivamente orientados pela teoria – para prover expectativas quanto ao comportamento chinês ao longo dos anos. Assim, saber que em algum momento um Cisne Negro ocorrerá, não nos diz nada sobre como agir frente a ele ou simplesmente pensar sobre ele.

Na conclusão de Jervis está o cerne do meu argumento sobre os acontecimentos do último final de semana na Rússia e em relação às inúmeras análises feitas desde então. Citando o autor: “Enquanto devemos explicar o máximo que pudermos, não devemos forçar o nosso conhecimento para além do que ele pode ir. […] a melhor resposta para muitas perguntas é ‘eu não sei’. […] saber de algo que já aconteceu não nos informa sobre o que acontecerá no futuro” (JERVIS, 2009, p. 488, tradução nossa).

Nesse sentido, meu ponto central é que a maioria das análises que se avolumaram a partir do grande espanto causado pelo motim do Grupo Wagner tendem a observar o fenômeno como um claro indício de que Vladimir Putin está enfraquecido e que o fim de seu governo está próximo. Não obstante, uma outra leitura sobre os fatos de que a aparente rebelião foi desmantelada num espaço de 24 horas; seu líder, Yevgeny Prigozhin, está em aparente exílio em Belarus; o general russo Sergey Surovikin teve sua participação descoberta e está preso; e há a previsão de incorporação dos combatentes do Grupo Wagner ao Ministério da Defesa Russo como soldados voluntários poderia indicar que Putin, a depender da forma como reagir aos acontecimentos, pode sair politicamente menos enfraquecido do que se imagina, ou ao menos buscar uma demonstração de força na repressão contra aqueles que desafiam seu poder.

Aventarmos a possibilidade de queda de seu governo, após 23 anos como presidente ou primeiro-ministro, a partir de uma rebelião causada um grupo militar privado sem – pelo menos a princípio – apoio da maioria da sociedade civil e dos militares russos pouco nos diz sobre a real probabilidade que algo tão surpreendente possa ocorrer. Ademais, as repercussões negativas que a guerra na Ucrânia pode causar na sociedade russa e os impactos disso na popularidade de Putin já são discutidos muito antes da rebelião do Grupo Wagner. De fato, a acusação de que há forças externas e internas que buscam desestabilizar seu governo faz parte do discurso de Putin e do pensamento militar russo há, pelo menos, uma década. Na ocasião de uma improvável derrubada do Presidente russo, considero a marcha do Grupo Wagner apenas um elemento entre outros que poderiam auxiliar na explicação dos fatos. Mas, correndo o risco de ser enganado pelos desenvolvimentos a seguir, não consideraria a causa, nem um ponto de virada, muito menos um evento Cisne Negro que colocou fim ao governo de Vladimir Putin.

Por fim, a enorme expectativa gerada foi bem descrita por Chen Qingqing como um “wishful thinking” do Ocidente de que uma imprevisível queda de Putin poderia levar a um fim mais rápido da Guerra da Ucrânia com resultados favoráveis aos defensores, um conflito que não dá sinais de um fim próximo em meio a um impasse militar em solo ucraniano. Em suma, e compartilhando da perspectiva de Jervis, esperar por um Cisne Negro não nos diz nada sobre como agir no momento ou como compreendermos a complexidade dos fatos. Uma análise baseada no histórico de repressões a opositores de Putin me faz acreditar que temos mais motivos para acreditar que ele não cairá tão cedo do que o contrário. O que ocorrerá, no entanto, ninguém pode saber.

 

* Getúlio Alves de Almeida Neto é doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

Imagem: Tanque com flores durante o motim de 24 de junho de 2023. Por: Fargoh/ Wikkimedia Commons.

 

REFERÊNCIAS

CHERNOVA, Anna. Kremlin diz que combatentes do Grupo Wagner retornarão à base e assinarão contratos com militares. CNN Brasil. 24 jun. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/kremlin-diz-que-combatentes-do-grupo-wagner-retornarao-a-base-e-assinarao-contratos-com-militares/. Acesso em: 30 jun. 2023

FIX, Liana; KIMMAGE, Michael. The Beginning of the End for Putin? Foreign Affairs, 27 June 2023. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/russian-federation/beginning-end-putin-prigozhin-rebellion. Acesso em: 30 jun. 2023.

JERVIS, Robert. Black Swan in Politics. Critical Review, v. 21, n. 4, pp. 475-489, 2007. DOI: 10.1080/08913810903441419

JERVIS, Robert. System Effects: Complexity in Political and Social Life. Princeton: Princeton University Press. 1997.

QINGQING, Chen. Wagner’s revolt weakening Putin’s authority ‘wishful thinking’ of the West: experts. Global Times. 25 June 2023. Disponível: https://www.globaltimes.cn/page/202306/1293134.shtml. Acesso em: 30 jun. 2023.

TALEB, Nassim N. A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. 2ª Edição. Editora Objetiva. 2021.

 

Manifesto Moscou: o Conceito de Política Externa russa de 2023 urge um mundo multipolar

Getúlio Alves de Almeida Neto*

Em 31 de março, foi publicado pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia a nova edição do documento intitulado “Conceito de Política Externa da Federação Russa”.[1] Trata-se da quinta versão do documento, após as publicações em 2000, 2008, 2013 e 2016. Em conjunto com outros documentos como a Doutrina Militar e o Conceito de Segurança Nacional da Federação Russa, o Conceito de Política Externa visa a comunicação com o público doméstico e, sobretudo, externo. Em relação ao segundo, o conjunto de documentos expõe a visão da Rússia sobre o sistema internacional, as principais ameaças e riscos definidos pelo governo para a segurança nacional do país, bem como delimita a forma de reação a estas ameaças. Ao publicar tais documentos, o Kremlin busca dotar de previsibilidade seus princípios de política externa e política de defesa. Em última análise, pode-se compreendê-los como um elemento de dissuasão da política externa russa. Nesta pequena análise, o objetivo é destacar alguns pontos de mudanças nas publicações do Conceito de Política Externa ao longo dos anos e tendo em vista o cenário atual marcado pela Guerra da Ucrânia e por perspectivas de transição hegemônica em curso no sistema internacional.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que, desde a primeira versão do Conceito de Política Externa (RUSSIA, 2000) algumas linhas centrais permanecem constantes, auxiliando na compreensão da visão russa sobre o sistema internacional. Entre estas, destacam-se cinco elementos fundamentais: 1) a defesa pelo respeito ao Direito Internacional e às normas internacionais; 2) a supremacia do Conselho de Segurança da ONU (CSNU) como órgão de resolução de conflitos; 3) a busca em evitar a escalada armamentista convencional e nuclear; 4) o respeito entre os interesses das potências e a não interferência em questões domésticas; 5) a crítica à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para regiões próximas à fronteira russa.

Destarte, o que se evidencia nas diferentes versões do Conceito de Política Externa é, em maior medida, uma mudança no tom adotado em suas disposições, ora mais otimista, ora mais pessimista e reativa; a forma como interesses e ameaças são definidos de maneira mais ou menos implícita; e o modo como o governo enxerga o papel de grande potência a ser exercido pela Rússia. Nessa perspectiva, observam-se algumas alterações ao longo de suas quatro primeiras edições.

No documento de 2000, destacam-se sobretudo o caráter mais pragmático quanto à possibilidade de cooperação no âmbito do Conselho Rússia-OTAN, criado em 1997, apesar da ressalva quanto à incongruência entre as diretrizes políticas e militares da aliança militar ocidental com os interesses securitários russos (RÚSSIA, 2000). Em específico, o documento apresentava o posicionamento russo contrário ao uso da força sem autorização do Conselho de Segurança da ONU em nome do uso de conceitos como “intervenção humanitária” e “soberania limitada”, em uma clara alusão ao bombardeio da OTAN na Guerra do Kosovo, em 1999. Por fim, cabe destaque ao fato de que, já em 2000, o Conceito de Política Externa ressaltava a autopercepção russa quanto ao seu status de grande potência e definia como objetivo o estabelecimento de uma ordem multipolar que levasse em conta a variedade de interesses dos Estados nas relações internacionais.

Em sua segunda edição, publicada em julho de 2008 – portanto um mês antes da Guerra da Geórgia – o documento não apenas explicitava o desejo russo por uma nova ordem internacional multipolar, mas já afirmava o início da derrocada do modelo internacional dominado pelo Ocidente desde o fim da Guerra Fria (RÚSSIA, 2008). Nesse sentido, destacava-se a crítica ao modelo de alianças políticas e militares – novamente em referência à OTAN – quanto a sua capacidade de lidar com os desafios securitários contemporâneos, além de uma nova crítica ao projeto de expansão da aliança militar ocidental e as negociações para adesão de Geórgia e Ucrânia. Não obstante, a Rússia ainda se mostrava disposta a cooperar no contexto do Conselho Rússia-OTAN, desde que com base no reconhecimento dos interesses das potências.

A versão de 2013 aprofundava o posicionamento russo quanto a sua percepção do fim da hegemonia estadunidense no sistema internacional, que passava a dar lugar para o surgimento de novos polos de poder, sobretudo na região Ásia-Pacífico. Em razão do declínio de seu poder relativo, o Ocidente – segundo a perspectiva russa – iria usar de medidas para manter seu poder, que por consequência tornaria o sistema internacional mais instável (RÚSSIA, 2013).

Entre a publicação do documento em 2013 e a sua quarta edição, em 2016, houve a anexação da Crimeia, em 2014, um movimento crucial da política externa russa para os desdobramentos que levaram ao atual estado das relações entre Rússia e o Ocidente. Dois anos após o ocorrido, o Conceito de Política Externa da Federação Russa pela primeira vez apontava explicitamente para a emergência de um sistema multipolar e novos modelos de desenvolvimento. Nesse sentido, além de uma disputa entre Estados no campo político, militar e econômico, o posicionamento do governo russo identificava a concorrência entre diferentes modelos na dimensão civilizacional, criticando a tentativa de imposição de valores entre as partes. Dessa forma, a busca do Ocidente de impor seu modelo ao redor do globo e impedir a ascensão de novos polos de poder seria o principal motivo para a instabilidade internacional.

A principal diferença entre o documento de 2016 e as versões anteriores, no entanto, foi a menção explícita aos Estados Unidos, no trecho que se segue:

[…] a Rússia não reconhece a política dos Estados Unidos de jurisdição extraterritorial para além dos limites da lei internacional e considera inaceitável tentativas de exercer pressões militares, políticas, econômicas, ou de qualquer outra natureza, e se reserva o direito de responder firmemente a ações hostis, incluindo o reforço de sua defesa nacional e tomando medidas retaliatórias ou assimétricas. (RÚSSIA, 2016, quarta seção, artigo 72, tradução nossa).

Nesse contexto, o Conceito de Política Externa de 2023 tem como principal diferença em relação às versões anteriores o seu caráter de manifesto que, pela primeira vez, assinala de maneira desvelada o projeto russo de estabelecimento de uma nova ordem mundial. Ainda que nas duas últimas versões já fosse possível identificar claramente a insatisfação russa com o modelo atual de configuração de forças, a versão de 2023 torna-se claramente mais propositiva e otimista em relação à capacidade russa de se estabelecer como polo de poder e à possibilidade e vontade de outros Estados do sistema internacional de se unirem em um projeto que busque repensar a estrutura política, econômica e securitária global. Destaco, a seguir, quatro pontos principais de análise que se relacionam com este objetivo.

Em primeiro lugar, há a defesa do fim da hegemonia do dólar como meio de pagamento internacional e moeda de reserva, ainda que o documento não cite de maneira explícita o nome da moeda estadunidense, como se vê nas passagens abaixo:

“[…] O facto de alguns países abusarem da sua posição dominante nalgumas áreas fomenta os processos de fragmentação da economia global e as desigualdades no desenvolvimento dos países. Novos sistemas de pagamento nacionais e transfronteiras estão a ganhar forma, há um interesse crescente em novas moedas de reserva internacionais e estão a surgir motivos para a diversificação dos mecanismos de cooperação económica internacional” (RÚSSIA, 2013, artigo 10, p. 4).

“[…] adaptar o comércio e os sistemas monetários globais às realidades de um mundo multipolar e às consequências da crise da globalização económica para, antes de mais nada, reduzir a capacidade dos países hostis de abusar do seu monopólio ou da sua posição dominante nalguns sectores da economia mundial e aumentar a participação dos países em desenvolvimento na gestão econômica global” (RÚSSIA, 2013, artigo 39, p. 17).

O segundo ponto de destaque é a menção a uma série de iniciativas multilaterais, fóruns e organizações que engloba o relacionamento com Estados em todos os continentes, dando ênfase sobretudo à África e Ásia, regiões nas quais a influência relativa dos Estados Unidos tem diminuído, tais como o Fórum de Parceria Rússia-África e a Grande Parceria Eurasiática. Além disso, o Conceito de Política Externa define como uma área prioritária o fortalecimento do papel internacional de instituições e organizações nas quais a Rússia possui participação significativa, como os BRICS, Organização de Cooperação de Xangai (OCX), Comunidade de Estados Independentes (CEI), União Econômica Eurasiática (UEE), Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), e RIC (Rússia, Índia, China). Por fim, destaca-se a menção à iniciativa do “Conceito russo de segurança coletiva no Golfo Pérsico”, proposta na qual a Rússia se vê como ator facilitador da retomada de normalidade das relações entre os países do Oriente Médio. Ao longo do texto há, de maneira velada, o principal argumento utilizado pelo governo russo no que tange à diferença entre o relacionamento dos países com Moscou e Washington: a não interferência em assuntos domésticos e relativos à estabilidade dos regimes políticos.

O terceiro tema cuja importância é ressaltada nesta análise se refere à menção explícita dos Estados Unidos como principal fonte de ameaça à segurança da Rússia, citando de maneira aberta a OTAN apenas uma única vez. Nesse sentido, a Rússia passa a definir o Ocidente não como um bloco monolítico que busca estabelecer um projeto hegemônico, mas como uma constelação dos Estados Unidos e “seus satélites”, os quais podemos inferir, principalmente, a Europa. Nesse sentido, o espaço no texto dedicado à Europa é breve e direto. No artigo 49, o documento afirma que as complicações nas relações entre Rússia e Europa se devem às concepções estratégicas e ao fomento de uma política antirrussa por parte dos Estados Unidos, que acaba por limitar a soberania dos países europeus em nome de seu projeto hegemônico. No artigo 61, o governo russo faz um convite à cooperação com países europeus ao colocar sobre eles a responsabilidade de:

     […] perceberem que não existe alternativa à coexistência pacífica e cooperação mutuamente vantajosa em pé de igualdade com a Rússia […] isso terá um impacto benéfico na segurança e bem-estar da região europeia e ajudará os países europeus a ocupar um lugar condigno na Grande Parceria Eurasiática e no mundo multipolar. (RÚSSIA, 2023, p. 30-31)

Por fim, o principal destaque em relação ao Conceito de Política Externa de 2023 está em relação ao foco dado ao processo em curso de transição do sistema internacional, que, na perspectiva russa, abandona o modelo de projeto hegemônico estadunidense em favor de um mundo multipolar. No artigo 12, o documento aponta para a crise na ordem mundial vigente e afirma que a resposta lógica a este cenário é reforçar a “cooperação entre países que estão sujeitos a pressões externas” a partir de mecanismos de integração regionais e transregionais. Pode-se sugerir que se trata de uma referência à cooperação da Rússia com Irã, China e Índia. Ademais, o documento transparece seu caráter de manifesto que busca apoio global ao projeto de transição da polaridade internacional ao afirmar, no artigo 18, que a Rússia busca um sistema de relações internacionais que “preserve a identidade cultural e civilizacional e garanta igualdade de oportunidades de desenvolvimento para todos os países, independentemente da sua posição geográfica, da dimensão do seu território, do seu potencial demográfico, de recursos e militar, e do sistema político, económico e social.”.

Por fim, cabe destacar o uso do argumento de respeito às leis internacionais e à reiterada menção ao CSNU como principal órgão responsável pela manutenção da segurança internacional, a crítica às intervenções militares unilaterais e ao processo decisório de aplicação de sanções sem a anuência do órgão. Ao analisarmos tais afirmações a partir do contexto da Guerra da Ucrânia – assim como fora o caso das versões anteriores sob a luz da Guerra da Geórgia e da anexação da Crimeia – é claro que o leitor estranhe a contradição do governo russo. Nesse sentido, o Conceito de Política Externa de 2023 novamente se diferencia dos outros ao fazer menção ao Artigo 51 da Carta da ONU , sobre o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, como uma prerrogativa legal que justificaria a invasão russa à Ucrânia para se defender das ameaças tais como percebidas por Moscou. Além desta, o documento busca resguardar o direito russo não cumprir com tratados internacionais que não estejam de acordo com a Constituição da Federação Russa, como disposto no artigo 21.

Em suma, pode-se afirmar que o novo Conceito de Política Externa da Federação Russa continua com as linhas gerais da política externa russa do século XXI. Nesse sentido, permanece como objetivo principal a transformação da arquitetura de segurança do pós-Guerra Fria e o fim da hegemonia estadunidense em prol da formação de um sistema de relações internacionais multipolar, no qual a Rússia deverá exercer um papel principal como um dos principais centros de poder em base de igualdade e reconhecimento dos interesses entre as potências. No entanto, a publicação do documento em 2023 representa o mais elevado nível de confiança – e, também, cinismo em relação ao respeito às disposições da Carta da ONU – da política externa russa em relação a este processo de transformação do sistema internacional. Enquanto as quatro primeiras versões foram gradativamente aumentando a ênfase na defesa por um mundo multipolar e possuíam um tom de prenúncio da derrocada estadunidense, o documento de março de 2023 já reconhece o cenário pós pax-americana e faz um convite aos demais Estados para participarem da construção de um sistema internacional que leve em conta os interesses dos diferentes atores que queiram se desvencilhar do modelo político-econômico estabelecido por Washington.

Por fim, o posicionamento russo não descarta a possibilidade de cooperação com os países europeus. Não obstante, Moscou busca mostrar como é cada vez menos dependente do relacionamento com seus vizinhos ocidentais, que teriam muito mais a perder com a má relação com a Rússia, em detrimento de um aprofundamento das relações com os países euroasiáticos e, principalmente, com potências como China e Índia. Em 2023 Moscou afirma abertamente que a hegemonia dos Estados Unidos deve ser encerrada em prol de um sistema multipolar com a participação russa como um dos polos de poder; coloca a responsabilidade da instabilidade internacional na recusa de Washington em aceitar o fim de sua hegemonia; e convoca outros atores a participarem da construção de um novo sistema internacional.

 

* Getúlio Alves de Almeida Neto é doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

[1] A versão em português está com a grafia de Portugal, que será mantida nos trechos citados ao longo do texto.

Referências

NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2022-05/Carta-ONU.pdf. Acesso em: 2 maio 2023.

RÚSSIA. Ministério de Negócios Estrangeiros.  2023. Conceito de Política Externa da Federação da Rússia. Disponível em: https://mid.ru/en/foreign_policy/fundamental_documents/1860586/?lang=pt. Acesso em: 2 maio 2023.

RÚSSIA. President of Rússia. Concept of the Foreign Policy of the Russian Federation. 2008. Disponível em: http://en.kremlin.ru/supplement/4116. Acesso em: 18 abr. 2023

RÚSSIA. The Foreign Concept of the Russian Federation. 2000. Federation of American Scientists. Disponível em: https://fas.org/nuke/guide/russia/doctrine/econcept.htm. Acesso em: 2 maio 2023.

RÚSSIA. The Foreign Concept of the Russian Federation, 2013. Voltaire Network. Disponível em: https://www.voltairenet.org/article202037.html. Acesso em: 2 maio 2023

RÚSSIA. The Ministry of Foreign Affairs of the Russian Federation. Concept of the Foreign Policy of the Russian Federation. 2016.  Disponível em: https://archive.mid.ru/en/foreign_policy/news/-/asset_publisher/cKNonkJE02Bw/content/id/2542248. Acesso em: 2 maio 2013

La Dinámica Política De Un Mundo Multipolar

En el conflicto ucraniano, como en toda guerra, hubo una serie de errores de cálculo por parte de los distintos protagonistas. Pero sin dudas, uno de los que se más se destaca es el cálculo de que profundizar al máximo posible la guerra económica contra Rusia —iniciada a partir de 2014— iba a desmoronar su economía. Argumentos no faltaban para tal razonamiento. No sólo debido a que el poder financiero y la primacía del dólar hacen de las sanciones una especie de “arma de destrucción masiva” en poder de EE.UU. y el polo anglo-estadounidense —como pudimos ver en la región en el caso de Venezuela a partir de 2016—, sino por la interdependencia entre Rusia y Europa. Rusia proveyó en 2021 el 41% del gas, el 27% del petróleo y el 47% del carbón que consumió Europa. La dependencia europea —cuya ruptura implicaba enormes costos para Bruselas, que probablemente sí estaban calculados por las corporaciones hidrocarburíferas al otro lado del Atlántico— también significaba una enrome dependencia para Moscú, ¿a quién iría a vender Rusia semejante cantidad de hidrocarburos y, además, quién se iba a animar a comprarlos?

Uno de los posibles compradores sustitutos fue la respuesta casi obvia para los tiempos que corren: China. Digo, para los tiempos que corren porque era completamente improbable pensar que Beijing desafiara de tal manera a Washington hace sólo una década, un suspiro, medido en tiempos históricos. En el transcurso de 2022, China aumentó el 75% las importaciones de petróleo, gas y carbón de Rusia, y se aceleraron los proyectos de interconexión energética entre Moscú y Beijing, como ya había ocurrido a partir de 2014 cuando estalló el conflicto bélico en Ucrania y se inició una nueva fase en la crisis del orden mundial. Pero a los últimos movimientos para profundizar la asociación político-estratégica euroasiática, se le agrega la profundización del intercambio comercial y financiero en las monedas propias en detrimento del dólar —un movimiento que comenzó en 2014-2015, cuando Moscú y Beijing comienzan a desarrollar sistemas de pago alternativos al SWIFT, el SPFS y el CIPS respectivamente—, para romper ese monopolio dominado por el poder financiero del Norte Global.

Lo que estaba menos claro —sobre todo para visiones ancladas en el pasado o que reproducen la narrativa de la guerra fría protagonizada por EE.UU y la URSS para representar el mundo actual, queriéndolo encerrar en esa vieja bipolaridad tan distinta y distante a la realidad actual— era el papel de India. Esta potencia emergente del sur de Asia, que en breve será el país más poblado del mundo superando a China con 1.400 millones de personas (18% de la población mundial), fue en realidad el gran comprador de los hidrocarburos que los rusos dejaron de venderle a Europa. Esto se puede observar claramente en el gráfico de Bloomberg, al igual que el enigmático y creciente destino asiático “desconocido” del petróleo ruso, todo un dato en sí mismo. India, tercer mayor importador de petróleo del mundo, pasó de comprar el 1% del petróleo ruso a casi el 30% y, además, con nada menos que un 30% de descuento en promedio, lo cual le da una gran ventaja competitiva —como también a China, el gran taller industrial de un mundo cada vez más asiático—. Y además, Nueva Delhi compra en monedas distintas al dólar para evitar las sanciones, golpeando así en un aspecto sensible a la primacía del dólar que desde los años setenta del siglo XX se asienta en el petrodólar, es decir, en la comercialización mundial del petróleo en dólares.

India también anunció que le compraría a Rusia el carbón que Europa embargó y que lo haría en yuanes, para sorpresa y disgusto de la gran mayoría de analistas y de Washington que veían en el gigante del Índico un activo completamente alineado en la cruzada antichina. Esto también muestra que la weaponization del dólar por parte de EE.UU. tiene importantes costos al desmoronarse la realidad unipolar, pudiendo transformase en un bumerán y quebrar uno de los principales elementos en el que todavía conserva la primacía el ex hegemón.

A partir de la escalada bélica en territorio ucraniano, expresión regional de un conflicto mundial, también avanzó el desarrollo del Corredor de Transporte Internacional Norte-Sur (conocido como INSTC, por sus siglas en inglés), para unir la ciudad india de Bombay con la ciudad rusa de San Petersburgo. Éste cuenta con otro jugador clave en el tablero euroasiático y uno de los “malos” para el relato occidental: Irán. El Corredor es una gran red de 7.200 kilómetros (4.474 millas) de vías férreas, carreteras y rutas marítimas que conectan Rusia e India a través de Irán, pasando por el Mar Caspio y el Cáucaso. Supone un ahorro de casi dos semanas de tiempo de viaje de la ruta tradicional por el Mar Rojo, el canal de Suez y el Mediterráneo, y es entre 30% y 40% más económica. Pero sobre todo, es más segura para las potencias emergentes ya que, a diferencia de la ruta tradicional, no está controlada por bases militares de EEUU y el Reino Unido, la jefatura de la OTAN. Y como se sabe, un elemento central del análisis estratégico es el control de rutas comerciales, una clave del poder y de la acumulación del capital a nivel mundial.

Parte de la dinámica multipolar que se quiere resaltar es el acuerdo al que han llegado Irán y Arabia Saudita para restablecer los vínculos diplomáticos y reabrir las respectivas embajadas. Esto podría modificar drásticamente la situación geopolítica y geoestratégica en Oriente Próximo, o Asia Sudoccidental, en favor de la pacificación. Algo que resulta clave es que el mediador fue China, con muy buen vínculo político y como principal socio comercial de ambos países, lo que resulta todo un síntoma de los tiempos de posthegemonía anglo-estadounidense. El creciente acercamiento de Arabia Saudita, que era un aliado clave del polo anglo-estadounidense, a China y a los polos de poder emergentes, o los acuerdos con Rusia en la OPEP+, también son expresiones de un cambio de época. En lo que sería un movimiento de alto impacto, tanto Irán como Arabia Saudita ingresarían próximamente al club de los BRICS, como Argentina, y además Riad podría sumarse a la Organización para la Cooperación de Shanghái liderada por China y Rusia.

Es importante destacar que la posición de India tampoco resulta una sorpresa. Posee con Rusia un vínculo histórico que se remonta a los tiempos de la Unión Soviética, luego de la independencia del imperio británico. La asociación estratégica entre ambas potencias euroasiáticas tiene por los menos seis ejes fundamentales y uno de ellos es el de la Defensa. Rusia posee el segundo complejo industrial militar más importante del mundo y ello se refleja en que es el segundo exportador mundial de armas, con 21% del total mundial entre 2015-2019, por detrás de Estados Unidos con el 36%. Los principales destinos de exportación son India y China, en ese orden. Es decir que Rusia vende armas de primer nivel mundial a las dos grandes potencias emergentes de Asia, cada una con casi el 20% de la población mundial.

A su vez, para India es clave el vínculo con Rusia para contrabalancear a China, con quien posee importantes conflictos limítrofes y tensiones estratégicas, más allá de que Beijing sea el principal socio comercial de Nueva Delhi, algo propio de este mundo de profunda interdependencia, de cooperación, a la vez que enfrentamiento. Rusia es el gran punto de equilibrio entre la India y China. Además, las tres potencias comparten un conjunto de espacios institucionales emergentes que defino como un nuevo multilateralismo multipolar que se solapa y a la vez se contrapone con la institucionalidad del viejo orden globalista unipolar: el ya mencionado BRICS, pero también la estratégica Organización para la Cooperación de Shanghái que se inició en 2001 como germen de nuevas tendencias históricas, a la que ahora también se sumó Irán.

India, por otro lado, forma parte de la iniciativa estratégica denominada QUAD, junto a EE.UU., Japón y Australia, para contener a China en lo que los estadounidenses llaman “la región Indo-Pacífico”. Pero Nueva Delhi se resiste a alinearse contra Rusia. Es decir, en las antinomias atlantistas, India es parte del “mundo libre” pero también de las “autocracias” a las que hay que derrotar como misión histórica. Por eso mismo, las fuerzas globalistas apuntan cada vez con más fuerza al gobierno de Narendra Modi, al que antes veían como un ejemplo de “democracia”, y ahora es visto como otro “autócrata”, algo similar a lo que ocurrió con el presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

En este sentido, más que como concepto para caracterizar un régimen político particular, el concepto de “democracia” —que desde nuestra perspectiva confunde el concepto de república liberal con el de democracia— parecería utilizarse más bien como una vara de alineamiento relativo con las fuerzas dominantes del polo del poder anglo-estadounidense, representado como “Occidente” en términos geopolíticos. El problema es que con la aceleración de la multipolaridad relativa, según esta perspectiva, cada vez quedan menos alineados, digo, menos “demócratas”.

Como reconocen y lamentan Josh Holder, Lauren Leatherby, Anton Troianovski y Weiyi Cai en un artículo publicado en la usina globalista liberal New York Times y reproducido por Clarín (27-02-2023), “Occidente intentó aislar a Rusia, pero no dio resultado”. Un plano en el que se focalizan es el comercial, donde señalan que unos cuantos países han llenado el vacío que dejó “Occidente” al aumentar las exportaciones a Rusia a niveles muy por encima de los anteriores a la guerra. Entre ellos sobresalen los ya mencionados India y China, pero también Turquía, miembro prominente de la OTAN: “A pesar de que Turquía ha vendido armas a Ucrania, el presidente Recep Tayyip Erdogan ha impulsado un mayor flujo de mercancía hacia Rusia, lo que perjudica mucho la serie de sanciones impuestas por Occidente.”. Es decir, un país clave de la OTAN boicotea la guerra económica lanzada por la OTAN para destruir la economía rusa. Esto también resulta clave, porque estos países quebraron otro elemento fundamental de la guerra económica contra Rusia en el marco del conflicto en Ucrania: el bloqueo de insumos, piezas, bienes de capital y bienes intermedios fundamentales para la producción, que hubiera dinamitado la estructura productiva de Rusia.

En América Latina, a pesar de ser el viejo “patio trasero” de EE.UU., la situación también dista de ser de alineamiento con Washington y se impone la situación de multipolaridad —y con ello, la tensión entre conformar un polo propio en el Sur de América y ser otra manifestación del crecientemente insubordinado Sur Global, o aceptar el lugar de periferia subordinada al “hemisferio occidental” en situación de declive relativo. Por un lado, la mayor parte de los países de la región votaron a favor de la resolución de la ONU impulsada por los países de la OTAN que condena la invasión de Rusia a Ucrania, mostrando alineamiento “hemisférico”. El apoyo fue menor cuando se votó la suspensión de Rusia en la Comisión de Derechos Humanos de la ONU, destacándose la posición neutral y por lo tanto no favorable a la resolución por parte de México y Brasil, los dos principales países de la región, aunque sorprendió Argentina en su alineamiento con Washington en esa votación. Pero cuando se quiso involucrar a la región directamente en la guerra, por ejemplo, con la solicitud de envío de armamento a Kiev, claramente hubo un rechazo bastante extendido. Resonaron las respuestas de Brasil y Colombia a favor de la Paz.

Por otro lado, los países de América Latina participan cada vez más de iniciativas del mundo emergente protagonizadas por China junto a otras potencias euroasiáticas como Rusia e India, como la Iniciativa de la Franja y la Ruta, el Banco Asiático de Inversión en Infraestructura o el BRICS con la probable ampliación e incorporación de Argentina y, quizás, también de México, etc. Es destacable la realidad material que sustenta esta dinámica geopolítica y que otorga mayores márgenes de maniobra a los países de la región para intentar romper su lugar tradicional de “patio trasero”; no sólo China es el principal socio comercial e inversor (en términos de flujos) de Suramérica, sino que se observa un creciente papel de los países de Asia como socios comerciales: en el año 2000, Asia representaba uno de cada diez dólares del comercio de América Latina, en tanto que en 2018, esa cifra alcanzó uno de cada cuatro; y si quitamos a México, de cuyo comercio el 80% es con EE.UU., dicha cifra aumenta considerablemente.

***

La guerra en Ucrania —expresión de la transición geopolítica contemporánea que tiene como uno de sus elementos centrales el desplazamiento del centro de poder hacia Asia— ha mostrado asociaciones y alineamientos esperables, y otros no tanto. O por lo menos, que rompen los esquemas dualistas de bloques fijos en pugna, construidos por las usinas del Occidente geopolítico conducido por las fuerzas globalistas, intentando encerrar en ciertas antinomias de guerra fría la compleja realidad de un mundo multipolar, con el fin de presionar a través de alineamientos políticos y estratégicos. Obviamente, resulta necesario aclarar que esta multipolaridad no deja de ser relativa, en tanto que asimétrica. Además, tiene rasgos bipolares por el protagonismo de la tensión entre EEUU y China como principal expresión interestatal del conflicto sistémico entre el viejo polo dominante y los nuevos polos emergentes y, por lo tanto, expresión dominante en el tablero geopolítico mundial que adopta la contradicción principal que atraviesa al sistema mundial en crisis y transformación. También es necesario aclarar otra cuestión clave: dicha multipolaridad es una expresión superficial para referirnos a las tendencias estructurales que hacen a una crisis de hegemonía y captar algunas de sus dinámicas fundamentales. De hecho, puede haber una dinámica multipolar dentro de un ciclo de hegemonía (como durante la hegemonía británica), pero la actual multipolaridad es en esencia una expresión de la crisis de hegemonía y desorden mundial.

Sin compartir necesariamente su perspectiva teórica, resulta interesante traer a colación una idea de Robert Gilpin cuando desarrolla la teoría de la guerra hegemónica, recuperando a Tucídides : “Guerras como esta no son meras contiendas entre Estados rivales, sino hitos políticos que marcan las transiciones de una época histórica hacia la siguiente”. El mapa del poder mundial ha cambiado estructuralmente y la guerra es expresión de ello. Como se señaló hace más de una década en América Latina en plena oleada nacional-popular, que también fue y es expresión de la crisis de hegemonía, nos encontramos en un cambio de época. Muchas/os se resisten a aceptarlo.

* Gabriel Merino es sociólogo y doctor en Ciencias Sociales. Investigador Adjunto CONICET – Instituto de Investigación en Humanidades y Ciencias Sociales, UNLP. Profesor en UNLP y Universidad Nacional de Mar del Plata. Miembro del Instituto de Relaciones Internacionales y Co-coordinador de “China y el mapa del poder mundial”, CLACSO.

Imagem: Mapa mundial verde e azul, por Wallpaperflare.