[elementor-template id="5531"]

Dez Anos De Resistência Das Unidades De Defesa Das Mulheres (YPJ): um balanço da primeira década da guerrilha curda exclusivamente feminina em Rojava

Letícia Gimenez*

Criadas em 4 de abril de 2013 em Rojava, território autônomo no norte e leste da Síria instituído em 2012 após a Primavera Árabe, as Unidades de Defesa das Mulheres (YPJ – sigla que advém de Yekîneyên Parastina Jin do Kurmanji, dialeto curdo) compõem uma guerrilha exclusivamente feminina de maioria étnica curda. As YPJ são um dos elementos internacionalmente mais famosos e reconhecidos da Revolução de Rojava, principalmente pela sua atuação no enfrentamento e consequente expulsão do Estado Islâmico na Guerra da Síria, libertando milhares de mulheres escravizadas em uma imensurável façanha da humanidade contra o extremismo. O presente texto busca refletir a trajetória e relevância das Unidades de Defesa das Mulheres – que completam sua primeira década de existência e resistência em 2023 – juntamente ao contexto atual enfrentado por Rojava, que se encontra diretamente ameaçada pela Turquia – país que realiza constantes ataques de drones, tendo invadido e ocupado militarmente partes do território autônomo desde 2016.

Em outubro de 2017, a cidade de Raqqa – localizada na Síria e considerada a capital do Estado Islâmico, onde milhares de mulheres yazidis foram escravizadas e sexualmente traficadas – foi liberada do grupo jihadista. A liberação ocorreu a partir de um anúncio histórico dedicado a todas as mulheres no mundo, sendo que a comandante da operação liderada pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) era Rojda Felat, uma mulher curda e combatente das YPJ. As Unidades de Defesa das Mulheres são constituídas a partir dos objetivos de autodefesa e de libertação das mulheres, o que reflete suas dimensões ideologicamente revolucionárias. As YPJ podem ser entendidas como um Ator Não-Estatal Violento [1] paramilitar, insurgente, étnico-nacionalista, totalmente feminino e também feminista, tendo como lema Jin, Jiyan, Azadi! (“Mulher, Vida, Liberdade!”).

Nesse sentido, a guerra contra o Estado Islâmico é também uma guerra contra o sistema patriarcal, pois, ao derrotar o inimigo, destroem-se as imposições violentas às quais são submetidas as mulheres no projeto de sociedade e de Estado imposto pelo grupo. Em 2016, um banner em al-Qamishli, considerada capital de Rojava, declarava: “vamos derrotar os ataques do Estado Islâmico garantindo a liberdade das mulheres no Oriente Médio”. Portanto, ao enfrentá-lo militarmente, as guerrilheiras das YPJ buscaram e seguem buscando reconstruir a sociedade e as relações de gênero locais. Assim, é possível compreender os motivos que levaram ao “hype” ocidental em torno das guerrilheiras curdas, tendo em vista o caráter inovador do surgimento da guerrilha exclusivamente feminina no Oriente Médio, região amplamente vista como uma das mais violentas do mundo para mulheres. No entanto, é importante ressaltar que parte da fascinação midiática ocidental em relação às combatentes curdas se deu de forma distorcida, sexualizada e orientalista – debate presente neste artigo e monografia –, sendo elas posteriormente esquecidas e silenciadas pela mídia após a expulsão do Estado Islâmico.

No que concerne ao aspecto étnico-nacionalista das Unidades de Defesa das Mulheres, suas combatentes são voluntárias e majoritariamente curdas, embora não seja obrigatório pertencer ao grupo étnico, havendo também a presença de mulheres árabes, assírias, armênias, entre outras etnias da região, além de internacionalistas de diversos países. As YPJ não representam a primeira vez que as mulheres curdas se organizam na luta armada; pelo contrário, são apenas a continuidade histórica da resistência já praticada: em 1984 elas já integravam as Forças de Defesa Popular – a guerrilha mista do Partido dos Trabalhadores do Curdistão –, sendo em 1993 criadas as primeiras unidades de guerrilha exclusivamente femininas, conhecidas como YJA-Star.

A chamada “questão curda” permeia, então, o surgimento das YPJ e sua atuação, assim como a Revolução de Rojava como um todo. Em linhas gerais, os curdos, o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, tiveram seu território violenta e colonialmente fragmentado em quatro partes com a criação de novos Estados no pós-Primeira Guerra Mundial, a partir da dissolução do Império Otomano. Assim, o Curdistão é um Estado-nação que não existe formalmente, pois suas fronteiras estão ocupadas pela Turquia, Síria, Irã e Iraque, em territórios cuja população é multiétnica, mas de maioria curda e que são respectivamente denominados como: Bakur (Curdistão Norte/turco), Rojava (Curdistão Oeste/sírio), Başûr (Curdistão Sul/iraquiano) e Rojhilat (Curdistão Leste/iraniano).

A partir da vivência de um século frente às consequências da limpeza étnica, assimilação cultural, genocídio e divisão de seu território, parte do movimento curdo, representado pelo Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e em uma virada pós-nacionalista na década de 1990, teorizou o Confederalismo Democrático. A proposta do Confederalismo Democrático abandona o ideal de criação de um Estado curdo, baseando-se em um sistema de organização social de democracia radical, caracterizado como decolonial e alternativo ao Estado, tendo sido implementado em 2012 no Curdistão sírio (Rojava) em meio à Guerra da Síria e oficializado através da Carta de Contrato Social, análoga à uma constituição. Por se tratar de uma revolução multiétnica, ecológica e feminista no século XXI, Rojava traz renovadas possibilidades para construção de novos mundos, em especial que não reproduzam a violência colonial constitutiva do Estado-nação – lição importantíssima aprendida pelos curdos através de sua própria história.

No entanto, o território autônomo no norte e leste da Síria encontra-se seriamente ameaçado por constantes ataques de drone turcos, além da invasão e ocupação militar de algumas de suas cidades, como Afrin e Serekaniye. Atualmente, a população curda resiste a violações diárias. Em sua grande maioria, a ocupação dessas regiões culminou em processos migratórios, com boa parte da população abandonando sua terra natal e se deslocando forçadamente para cidades próximas. No dia 22 de julho de 2022, um drone turco atingiu seu alvo numa estrada entre Al-Qamishli e Al-Malkiyah: um carro que transportava três mulheres combatentes das YPJ. Elas estavam saindo de um evento chamado “Fórum da Revolução das Mulheres” em decorrência do aniversário da revolução, que é reconhecidamente antipatriarcal e tem como um dos seus pilares ideológicos a igualdade de gênero. Apenas no primeiro semestre de 2022, a Turquia realizou 38 ataques de drone à Rojava, contabilizando 27 mortos e 74 feridos.

Também são comuns casos como o de Barin Kobani, integrante das YPJ assassinada em Afrin no início da invasão turca denominada “Operação Ramo de Oliveira”, em janeiro de 2018, por rebeldes apoiados e financiados pela Turquia que “brincaram com seu cadáver e o retalharam” enquanto câmeras filmavam. Assim como o caso de Amara Renas, também combatente das YPJ, executada por rebeldes que gritavam “Allahu Akbar!” em cima de seu corpo mutilado em um vídeo que foi posteriormente divulgado em redes sociais. A Operação Ramo de Oliveira foi iniciada em 20 de janeiro de 2018 pela Turquia em Afrin e, desde então, as mulheres curdas – incluindo as combatentes das YPJ – têm sido alvos de sequestros, estupros, torturas, execuções e mutilações, muitas vezes com divulgação de imagens e vídeos nas redes sociais.

Além dos ataques de drone, a Turquia utiliza-se de mercenários, incluindo ex-combatentes do Estado Islâmico, e atua sob a justificativa de combate ao terrorismo – mesmo que a suposta ameaça representada pelo território autônomo não esteja no território nacional turco, sendo externa e apenas fronteiriça. Afrin, que tem como patrimônio cultural suas oliveiras, é uma região de grande relevância econômica pela produção de azeite a partir destas árvores. No entanto, desde o início da ocupação, o bioma local tem sido extensivamente devastado, com o corte de milhares de oliveiras. Ou seja, a Operação Ramo de Oliveira traz em seu próprio nome, de maneira bastante irônica, a violência contra a terra, elemento tão importante para povos originários como os curdos. Desse modo, a ocupação atua de forma sistemática a dizimar os três pilares do Confederalismo Democrático: democracia radical, libertação das mulheres e ecologia.

Sendo assim, as guerrilheiras curdas, como as combatentes das YPJ ficaram conhecidas, não são um mero tabloide geopolítico orientalista e sexualizado, são mulheres que ativamente se armaram ideológica e militarmente contra o patriarcado e o Estado. Ao completarem sua primeira década em 2023, as Unidades de Defesa das Mulheres reafirmam que sua luta persiste, agora atuando frente à ocupação turca e aos resquícios do Estado Islâmico, que além dos ex-combatentes contratados pela Turquia, possui células secretas ainda ativas em campos de refugiados. Portanto, é preciso manter firme oposição ao silenciamento internacional e ao ditado popular que afirma que “os curdos não têm amigos, só as montanhas” e, como um verdadeiro internacionalista, colocar-se à disposição de aprender em conjunto a eles, defendendo sua revolução, sua terra e suas mulheres.

[1] Conceito traduzido de Violent Non-State Actors, os Atores Não-Estatais Violentos são muito diversos e variam em sua motivação, objetivos e estrutura. No geral, consideram-se Atores Não-Estatais Violentos: chefes militares, milícias, grupos étnicos e tribais, insurgências, grupos paramilitares, organizações terroristas, organizações de tráfico de drogas e grupos criminosos/gangues (Williams, 2008).

* Letícia Gimenez é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Estudos Curdos (NUPIEC), do Núcleo de Estudos de Gênero (Iaras-GEDES) e do Observatório Feminista de Relações Internacionais (OFRI).

Imagem: Btaalhão de mulheres do YPJ. Por Jakob Reimann/Wikimedia Commons.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANF NEWS. YPJ: We will fight for ‘Jin, Jiyan, Azadi’ to resonate everywhere. 2023. Disponível em: https://anfenglish.com/women/ypj-we-will-fight-for-jin-jiyan-azadi-to-resonate-everywhere-65903. Acesso em: 23 set. 2023.

BBC News. Who are the Kurds? 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-middle-east-29702440. Acesso em: 23 set.. 2023.

COCKBURN, Patrick. Turkey accused of recruiting ex-Isis fighters in their thousands to attack Kurds in Syria. 2018. Disponível em: https://www.independent.co.uk/news/world/middle-east/turkey-isis-afrin-syria-kurds-free-syrian-army-jihadi-video-fighters-recruits-a8199166.html. Acesso em: 10 ago. 2023.

CRUZ, Caio Nunes da. A estratégia do Confederalismo Democrático: um estudo dos escritos de prisão de Abdullah Öcalan (1999 – 2005). Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2022. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/235266. Acesso em: 23 set.. 2023.

DEAN, Valentina. Kurdish Female Fighters: the Western Depiction of YPJ Combatants in Rojava. Glocalism: Journal of Culture, Politics and Innovation, [s.l.], n. 1, p.1-29, 2019. Globus et Locus. http://dx.doi.org/10.12893/gjcpi.2019.1.7.

GIMENEZ, Letícia. AS UNIDADES DE DEFESA DAS MULHERES (YPJ): uma análise crítica e sob lentes de gênero da guerrilha feminina em Rojava. 2021. 70 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais e Defesa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/353980429_AS_UNIDADES_DE_DEFESA_DAS_MULHERES_YPJ_uma_analise_critica_e_sob_lentes_de_genero_da_guerrilha_feminina_em_Rojava. Acesso em: 10 ago. 2023.

GIMENEZ, Letícia. Guerrilheiras curdas em Rojava: a luta armada das mulheres no território autônomo do pôr do sol. Revista Internacional Feminista: Observatório Feminista de Relações Internacionais (OFRI), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-17, 05 jan. 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/373706972_Guerrilheiras_curdas_em_Rojava_a_luta_armada_das_mulheres_no_territorio_autonomo_do_por_do_sol. Acesso em: 10 ago. 2023.

GOL, Jiyar. Syria conflict: The ‘war crimes’ caught in brutal phone footage. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-middle-east-50250330. Acesso em: 10 ago. 2023.

KURDISH INSTITUTE. Charter of the social contract in Rojava (Syria). sem data. Disponível em: https://www.kurdishinstitute.be/en/charter-of-the-social-contract/. Acesso em: 05 mai. 2021.

KURDISH INSTITUTE. Kurdistan: The Land of the Kurds. sem data. Disponível em: https://www.kurdishinstitute.be/en/who-are-the-kurds/. Acesso em: 21 set. 2023.

MOGELSON, Luke. Dark Victory in Raqqa: Kurdish revolutionaries helped the U.S. expel the Islamic State from its capital city. Will we soon abandon them? 2017. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2017/11/06/dark-victory-in-raqqa. Acesso em: 10 ago. 2023.

REUTERS. Erdogan says Turkey will ‘clean’ entire Syrian border. 2018. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-mideast-crisis-syria-turkey-idUSKBN1FH0MH. Acesso em: 10 ago. 2023.

REUTERS. Syrian Kurdish forces say fighter mutilated by Turkey-backed rebels. 2018. Disponível em: https://www.reuters.com/article/uk-mideast-crisis-syria-afrin-idUKKBN1FM2M3. Acesso em: 10 ago. 2023.

ROJAVA INFORMATION CENTER, 2022. Annual Sleeper Cell Report For North and East Syria. 2022. 27 p. Disponível em: https://rojavainformationcenter.com/2023/02/annual-sleeper-cell-report-2022/. Acesso em: 10 ago. 2023.

ROJAVA INFORMATION CENTER. Turkey’s war on Afrin: Operation Olive Branch explained. 2019. Disponível em: https://rojavainformationcenter.com/background/war-on-afrin/. Acesso em: 10 ago. 2023.

SOHR, The Syrian Observatory For Human Rights. Three members of Women’s Protection killed by Turkish drones on road linking Al-Qamishly and Al-Malkiyah. 2022. Disponível em: https://www.syriahr.com/en/260621/. Acesso em: 10 ago. 2023.

TASTEKIN, Fehim. Turkey’s ‘Olive Branch’ takes root in Syrian olive business. 2018. Disponível em: https://www.al-monitor.com/originals/2018/12/turkey-syria-making-money-from-afrin.html. Acesso em: 10 ago. 2023.

WILLIAMS, Phil. Violent Non-state Actors and National and International Security. International Relations And Security Network: Zurich, 2008.

YPJ INFORMATION & DOCUMENTATION OFFICE, 2023. Ten Years of YPJ: The history of YPJ and its importance in the social transformation of North and East Syria. 2023. 28 p. Disponível em: https://ypj-info.org/wp-content/uploads/Ten-Years-of-YPJ4.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.

Conflito fronteiriço na Ásia Central: sinais tardios de um processo incompleto da desintegração soviética

Getúlio Alves de Almeida Neto*

A Ásia Central é composta por cinco Estados que faziam parte da extinta União Soviética (URSS), a saber: Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão. A oeste do Mar Cáspio, Azerbaijão e Armênia são outras duas ex-repúblicas soviéticas. Ao sul do Tadjiquistão e Turcomenistão, o Afeganistão, embora nunca tenha sido parte do bloco soviético, tem papel central e delicado na memória militar da história russa, devido aos dez anos da frustrada Guerra do Afeganistão (1979-1989). Como produto desse contexto, a região da Ásia Central é destacada como uma das zonas de principais interesses estratégicos para Moscou no século XXI. Contudo, recentes eventos que aumentam a  instabilidade na região têm se tornado um desafio para o papel almejado pelo governo russo de ser reconhecido como garantidor da estabilidade dos regimes e da segurança de seus aliados, e como  principal potência com interesses nesta região.

Em específico, vale citar a guerra por Nagorno-Karabakh travada entre Armênia e Azerbaijão (2020), a retirada das tropas americanas do Afeganistão e a retomada do poder pelo Talibã (2021), os protestos em janeiro de 2022 no Cazaquistão e, mais recentemente, conflitos fronteiriços entre o Tadjiquistão e Quirguistão, assunto tratado brevemente a seguir. Com esse cenário em mente, o objetivo principal deste texto é debater os principais desafios impostos a Moscou na busca por uma posição privilegiada de potência regional em meio (i) à ascensão de outras duas potências na região, nomeadamente China e Turquia; (ii) a crescente eclosão de conflitos entre ex-repúblicas soviéticas e (iii) o crescimento de movimentos nacionalistas que buscam diminuir a influência russa sobre os governos locais em termos políticos, securitários e econômicos.

Entre 14 e 16 de setembro de 2022, os arredores da vila de Kök-Tash, no Quirguistão, próxima à fronteira com o Tadjiquistão, foram palco de hostilidades entre forças de segurança de ambos os países, que se acusaram mutuamente de ter iniciado o confronto. Na narrativa quirguiz, forças tadjiques invadiram vilas em seu território com tanques, veículos blindados e morteiros, e realizaram bombardeios no aeroporto da cidade de Batken (Quirguistão). Por sua vez, os tadjiques acusaram as forças quirguizes de bombardear um posto militar na fronteira e aldeias em seu território. Estima-se que mais de 100 pessoas tenham sido mortas, e aproximadamente 136 mil deslocadas nas regiões de Batken e Leilek, no Quirguistão. O confronto teve início enquanto os presidentes Emomali Rahmon (Tadjiquistão) e Sadyr Japarov (Quirguistão) estavam presentes na cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) no Uzbequistão. Um cessar-fogo foi acordado entre os chefes dos Comitês de Segurança Nacional dos dois países, Kamchybek Tashiyev (Quirguistão) e Saimumin Yatimov (Tadjiquistão). Em 25 de setembro, os chefes dos serviços de segurança dos dois países assinaram um acordo se comprometendo a retirar tropas de quatro postos militares próximos à região do conflito. O acordo foi alvo de críticas no Quirguistão, as quais afirmavam que a desmilitarização da fronteira facilitaria a invasão da população tadjique nos territórios disputados.

O confronto entre forças tadjiques e quirguizes é apenas o episódio mais recente de uma série de conflitos e tensões que ocorrem na fronteira entre os dois países há 30 anos. O último episódio de maior tensão havia sido em abril de 2021, que resultou na morte de 49 pessoas, além de 260 feridas. A frequência das hostilidades nesta região decorre, em grande medida, da delimitação de fronteiras na esteira do processo de dissolução da União Soviética. Nesse sentido, dos 970 quilômetros de extensão total de fronteira, estima-se que apenas metade desse total tenha sido oficialmente definida. Além disso, o Tadjiquistão possui um exclave em território quirguiz, Voruque. Em específico, a região de Batken, no Quirguistão, abriga fontes subterrâneas de água de grande importância para a atividade econômica das populações locais, majoritariamente composta por pequenos agricultores.

O histórico de distribuição de terras no período soviético é outro fator que contribui para a reivindicação de ambos os lados sobre o direito ao território. Quando a propriedade privada da terra foi introduzida no Quirguistão, parte das pastagens arrendadas no território do Tajiquistão foram registradas como propriedade privada dos cidadãos do Quirguistão. Com o fim do bloco soviético, os sistemas de irrigação, que muitas vezes cruzam as fronteiras entre os países, passaram a ficar sob insegurança jurídica devido à não demarcação plena das fronteiras. Consequentemente, disputas pelo acesso à água são frequentes nos últimos 30 anos, ainda que, em sua maioria, sejam atritos entre civis sem maiores desdobramentos. Somado aos fatores históricos e geográficos que implicam na disputa por recursos hídricos, a ascensão de movimentos nacionalistas dentro dos países dotam a região de maior grau de instabilidade.

Andrey Kortunov propõe uma interessante análise dos conflitos pós-soviéticos a partir da concepção de um processo de independência tardio. Segundo o historiador russo, a queda da URSS em 1991 foi vista como um processo relativamente pacífico quando comparado com a dissolução de outros impérios, a despeito de alguns conflitos de menor escala e duração (Tadjiquistão, Nagorno-Karabakh; Abecásia, Ossétia do Sul, Transnístria, Chechênia e Daguestão). Assim, Kortunov sugere que o colapso da URSS tenha sido apenas o início de um processo “longo, complexo e contraditório de desintegração imperial” e de construção de novos Estados-nacionais que perduram até os dias atuais. Na perspectiva do autor, a maior parte do espaço pós-soviético – com exceção dos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) – permaneceu extremamente interligada em termos econômicos, de infraestrutura, educação, ciência, cultura, e na mentalidade das elites políticas e econômicas. Por essa lógica, seria possível afirmar que o real processo de desintegração do bloco soviético passou a acontecer somente com o surgimento de uma nova geração nas populações dos novos Estados nacionais.

Neste contexto, movimentos nacionalistas no Tadjiquistão e no Quirguistão corroboram para o acirramento das disputas entre os países. Enquanto o Tadjiquistão é um Estado marcado pela centralização de poder no governo de Emomali Rahmon, Presidente do país desde 1994 após a Guerra Civil do Tadjiquistão (1992-1994), o Quirguistão é relativamente mais aberto politicamente, sendo governado por Sadyr Japarov desde 2021. Ambos os líderes se utilizam das tensões fronteiriças em benefício de apoio político interno. Enquanto Rahmon faz uso de uma retórica expansionista em busca de consolidação da nação tadjique e de seu regime e manutenção do controle sobre os militares, Japarov, ao longo de sua campanha presidencial em 2021, prometia resolver as disputas territoriais. Em detrimento de uma solução negociada, ambos os países vêm se armando paralelamente ao acirramento das disputas retóricas e aos conflitos localizados na fronteira. O Tadjiquistão vem adquirindo munições e treinamentos militares da Rússia, China, Irã e dos Estados Unidos, sobretudo devido a sua extensa fronteira com o Afeganistão e ao receio de espalhamento das ameaças provenientes do território afegão. Por sua vez, o Quirguistão recebe assistência militar norte-americana, ainda que sob a alcunha de construção democrática. Recentemente, o país adquiriu drones turcos (modelos Bayraktar) e veículos blindados de transporte pessoal da Rússia.

Além dos desafios impostos pelos crescentes conflitos entre ex-repúblicas soviéticas, destaca-se aqui o fato de que a Ásia Central é o ponto de encontro de potências com diferentes níveis de influência e múltiplos interesses, nomeadamente: Rússia, China, Turquia. Na perspectiva russa, portanto, ser capaz de promover a estabilidade regional e manter o poder de influência sobre as ex-repúblicas soviéticas é um duplo desafio que se apresenta a partir das relações com Pequim e Ancara.

Em geral, a maior parte do comércio exterior com estes países é feito com a Rússia. Além disso, a Rússia é destino de migração de mão de obra oriunda da Ásia Central, cujos salários são enviados para os familiares e constituem uma importante parcela da renda destes países. Para além do campo econômico, Moscou exerce grande influência na região a partir da lógica da segurança, institucionalizada sobretudo na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), cujos membros são: Rússia, Belarus, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. Nos protestos de janeiro de 2022, o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev solicitou o envio de tropas do bloco militar, que atuaram pela primeira vez desde sua criação, com o objetivo de reprimir os protestos e garantir a estabilidade do país. Não obstante, a OTSC não é a única instituição intergovernamental que reúne a Rússia e outros países da Ásia Central que faziam parte da URSS. Nesse sentido, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) engloba 9 países: China, Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Índia, Paquistão e Irã. Trata-se de uma organização de cooperação política, econômica e militar, que estabelece como prioridade combater o separatismo, o terrorismo e o fundamentalismo religioso. Nesse formato, o poder de influência russa é diluído com outras potências, sobretudo devido à presença chinesa.

A China, por sua vez, vem fortalecendo os laços com os países da Ásia Central principalmente no campo  econômico , cujo símbolo maior encontra-se no projeto da Nova Rota da Seda. Contudo, as preocupações no âmbito da segurança têm se tornado cada vez mais sensíveis aos chineses, principalmente no que tange aos Uigures, população túrquica de maioria islâmica na província de Xinjiang. Localizada no extremo oeste chinês, Xinjiang faz fronteira com Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Afeganistão. Com o receio de que haja um movimento independentista islâmico fomentado por radicais – na perspectiva chinesa – nos países da Ásia Central, é de interesse de Pequim manter a estabilidade dos governos vizinhos. Exemplo disso, é o financiamento chinês para a construção de uma nova base militar no Tadjiquistão, próxima à fronteira com o Afeganistão.

Para além da China, a Turquia é outra potência regional cujos interesses podem se tornar um empecilho para Moscou em seu objetivo de garantir a primazia nas relações com os países da Ásia Central. No caso da Turquia, o interesse em se tornar país chave no concerto regional se insere dentro da política externa neo-otomanista[1] de Recep Erdogan. Nessa perspectiva, Ancara tem buscado se posicionar como líder do “mundo túrquico”, se utilizando da narrativa que enfatiza os laços históricos, étnicos e linguísticos comuns entre a Turquia e os países da Ásia Central.[2] Para tal, a Turquia tem aumentado a cooperação econômica com os países da região, sobretudo em relação ao comércio e investimentos em infraestrutura de transporte. No campo da cooperação militar, a Turquia estabeleceu contatos com Cazaquistão e Uzbequistão em meio à guerra entre Armênia e Azerbaijão pelo controle sobre Nagorno-Karabakh. Foram assinados acordos de cooperação militar e técnico-militar com os dois países, além da discussão de uma parceria estratégica entre Turquia e Cazaquistão.

Ademais, há o desejo turco de criar uma aliança militar liderada por Ancara com os países da Ásia Central, o chamado Turan Army. No entanto, tal iniciativa é mais complexa quanto a sua execução, uma vez que Cazaquistão e Tadjiquistão fazem parte do OTSC, enquanto a Turquia é membro da OTAN. Por fim, o governo de Recep Erdogan tem investido na propaganda da Turquia como líder e defensora dos muçulmanos e dos povos túrquicos, através de instrumentos de soft power imagéticos, como o cinema e a indústria de entretenimento. Institucionalmente, a cooperação entre os países se dá sob os auspícios da Organização dos Estados Túrquicos, bloco que inclui o Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Turquia e Uzbequistão.

A partir dos elementos apresentados, sugere-se que a capacidade de influência de Moscou sobre os países da Ásia Central tende a ser colocada em xeque. Três elementos são destacados como os maiores desafios a Moscou no que tange às relações com as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central. Em primeiro lugar, a capacidade de Moscou de agir como garantidor da estabilidade política e social nos países, sobretudo a partir do uso da organização militar OTSC, bem como no papel de mediador dos conflitos. Em segundo lugar, a ascensão de novos atores com interesses na região, a destacar China e Turquia, munidos, principalmente, de capacidade econômica, no caso chinês, e cultural-religioso, no caso turco. Por fim, a guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia, assim como os outros episódios de interferência na soberania territorial de outros ex-estados soviéticos – nomeadamente Ossétia e Abecásia do Sul, na Geórgia, em 2008; e Crimeia, em 2014 – podem promover a imagem da Rússia como potência agressora entre a população destes países, fortalecendo o surgimento de uma nova elite política e econômica entre estes de cunho mais nacionalista e favoráveis a um distanciamento das relações com Moscou em prol de uma aproximação com outras potências da região.

[1] Entende-se como política externa turca neo-otomanista aquela que, sob o comando de Recep Erdogan, reorientou as relações externas turcas para o Oriente, em detrimento do tradicional privilégio dado às relações com Estados Unidos e Europa no século XX. Nesse sentido, o governo turco assumiu o compromisso de se tornar uma liderança regional no Oriente Médio, a partir do resgate do passado otomano – a partir de uma narrativa que enfatiza o poder político, espiritual  e cultural  do antigo Império Otomano – e se posicionando como defensor dos muçulmanos sunitas.

[2] Por povos túrquicos entende-se aqueles que compartilham elementos etno-linguísticos, compreendendo, entre outros: turcos, turcomanos, cazaques, usbeques, quirguizes, azeris, uigures.

*Getúlio Alves de Almeida Neto é mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

Imagem: Os exclaves tadjiques de Sarwan and Woruch; o enclave quirguiz de Barak, os enclaves uzbeques de Chong-Kara, Dzhangail, Shohimardon, So’x and Tayan. Por Lencer/Wikimmedia Commons.

Referências

ALMEIDA NETO, Getúlio. A Rússia e o Afeganistão Pós-Otan: interesses, oportunidades e desafios. Dossiê de Conflitos Contemporâneos. v.2, n. 3, 2021. p. 59-67. Disponível em: https://gedes-unesp.org/wp-content/uploads/2021/10/Dossie-Conf.-Contemp.-v2-n3-2021-Edicao-completa-62-75.pdf. Acesso em: 08 nov. 2022.

DOOLOTKELDIEVA, Asel; MARAT, Erica. Why Russia and China Aren’t Intervening in Central Asia. Foreign Policy. Oct. 4, 2022. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2022/10/04/tajikistan-kyrgyzstan-russia-china-intervention-central-asia/. Acesso em: 08 nov. 2022.

KORTUNOV, Andrey. Moscow’s Painful Adjustment to the Post-Soviet Space. RIAC. Apr. 1 2022. Disponível em: https://russiancouncil.ru/en/analytics-and-comments/analytics/moscow-s-painful-adjustment-to-the-post-soviet-space/. Acesso em: 08 nov. 2022.

KURMANELIVA, Gulzana. Kyrgyzstan and Tajikistan: Endless Border Conflicts. L’Europe en Formation. 2018, v. 1, n. 385. p. 121-130. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-l-europe-en-formation-2018-1-page-121.htm. Acesso em: 08 nov. 2022.

KYRGYZSTAN, Tajikistan agree on border ceasefire. TASS. Sep. 2022. Disponível em: https://tass.com/world/1508663. Acesso em: 08 nov. 2022.

KYRGYZSTAN, Tajikistan reach demilitarization deal, sparking anger among border residents. Eurasianet. Sep. 26. 2022. Disponível em: https://eurasianet.org/kyrgyzstan-tajikistan-reach-demilitarization-deal-sparking-anger-among-border-residents. Acesso em: 08 nov. 2022.

LATERZA, Rodolfo Queiroz; CABRAL, Ricardo. O conflito fronteiriço entre Quirguistão e Tadjiquistão. Forças Terrestres. 1 out. 2022. Disponível em: https://www.forte.jor.br/2022/10/01/o-conflito-fronteirico-entre-a-quirguistao-e-tadjiquistao/. Acesso em: 08 nov. 2022.

LUKYANOV, Grigory; MIRONOV, Artemy; KULIEVA, Nubara. Turkey’s Policy in Central Asia: Are Ambitious Well-Founded? RIAC. Feb. 25, 2022. Disponível em: https://russiancouncil.ru/en/analytics-and-comments/analytics/turkey-s-policy-in-central-asia-are-ambitions-well-founded/. Acesso em: 08 nov. 2022.

MAKIO, Danielle Amaral. Autodeterminação e irredentismo: a luta por independência de Nagorno-Karabakh. ERIS. GEDES. 13 ago. 2020. Disponível em: https://gedes-unesp.org/autodeterminacao-e-irredentismo-a-luta-por-independencia-de-nagorno-karabakh/. Acesso em: 08 nov. 2022.

MAKIO, Danielle Amaral. “Adeus vovô: Revolta e Luta no Cazaquistão. ERIS. GEDES. 17 mar. 2022. Disponível em: https://gedes-unesp.org/autodeterminacao-e-irredentismo-a-luta-por-independencia-de-nagorno-karabakh/. Acesso em: 08 nov. 2022.

TAJIKISTAN Approves Construction Of New Chinese-Funded Base As Beijing’s Security Presence In Central Asia Grows. RFE/RL. Oct. 27, 2022. Disponível em: https://www.rferl.org/a/tajikistan-approves-chinese-base/31532078.html. Acesso em: 08 nov. 2022.

Crises sul-americanas e a ausência brasileira

Tamires Aparecida Ferreira Souza*

 

O início da década de 2000, conhecida como a “era da mudança” e de desenvolvimento nacional e regional, marcou-se pela eleição, por vias democráticas, de governos progressistas na América do Sul, bem como pelo crescimento econômico, através do boom das commodities e dos recursos naturais. Neste cenário, apresentou-se a terceira onda regionalista, também denominada como regionalismo pós-liberal ou pós-hegemônico. Houve um movimento de priorização da agenda política, associada, nas políticas externas dos países, à busca de autonomia regional frente aos Estados Unidos e atores externos, e à adoção de políticas de desenvolvimento, além de uma inserção da região no cenário internacional. Observou-se, ainda, a concretização de consensos regionais e o desenvolvimento de instituições marcadas por abordagens multifacetadas (RIGGIROZZI; TUSSIE, 2012). Assim, iremos percorrer, brevemente, o período do regionalismo pós-hegemônico, destacando-se a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), a fim de compreendermos o período atual de crises e mudanças na América do Sul, em especial com a concretização do governo de Jair Bolsonaro no Brasil.

A UNASUL se caracterizou como a principal organização criada nesta configuração da região. Em 2004, por iniciativa brasileira, desenvolveu-se a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), marcada pela associação, única, de doze países sul-americanos. Sua proposta baseava-se em cooperação política, com a coordenação de políticas exteriores e a convergência entre outras organizações, como a Comunidade Andina (CAN) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), e países como Chile, Guiana e Suriname, para uma área de livre comércio e uma integração física, energética e de comunicações, inserindo em seu escopo a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana. (SANAHUJA, 2009). Em 2008, essa Comunidade passou por uma transformação, com a assinatura do Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas, objetivando promover na região uma personalidade jurídica internacional para dialogar com outros blocos, com o status de organização internacional. A UNASUL foi projetada como via alternativa às propostas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), para a resolução de conflitos regionais. Ademais, a União é uma instituição de caráter cooperativo regional, pautada nos vieses político, econômico, de infraestrutura, social e de defesa, sendo as decisões tomadas por consenso e implementadas de forma gradual.

Contudo, tal conjuntura passou a ser modificada a partir da ascensão de governos de centro-direita na região sul-americana e do término do ciclo das commodities. As mudanças políticas na Argentina, com a eleição de Mauricio Macri em 2015, e no Brasil, com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, levaram ao poder governos de centro-direita, conservadores, liberais e ideologizados nos dois países líderes dos processos cooperativos regionais. Nota-se, assim, o “início do fim do ciclo pós-hegemônico” (BRICEÑO-RUIZ, 2020). Distintamente ao movimento anterior, ocorre uma aproximação dos países aos Estados Unidos de Donald Trump, sendo o caso mais expressivo o do Brasil de Jair Bolsonaro, que abandonou o discurso autonomista, e adotou uma visão baseada em “narrativas religiosas e/ou mitológicas” (SANAHUJA; BURIAN, 2020).

Representativamente a esta situação sul-americana, em 20 de abril de 2018, houve a solicitação de suspensão temporária de participação nas atividades da UNASUL por parte de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru. A justificativa se baseou na ausência de consensos e resultados concretos na organização. Em 2019, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru anunciaram suas saídas oficiais da União. No mesmo ano, houve a criação do Foro para o Progresso e Integração da América do Sul (PROSUL), como uma resposta da direita sul-americana frente a uma UNASUL enquadrada como ideológica e bolivariana.

Assim, observa-se a presença mais evidente dos Estados Unidos atrelada a uma influência nas políticas nacionais dos países sul-americanos. Argentina e Brasil passaram a intensificar seus laços com a superpotência, promovendo acordos na área de defesa, demonstrando uma maior adoção das perspectivas estadunidenses, especialmente quanto ao emprego das Forças Armadas em assuntos de segurança pública, o reconhecimento da ameaça do narcoterror nas fronteiras, bem como um alinhamento político-econômico. O âmbito regional projeta esse novo posicionamento dos governos e da diplomacia presidencial. Há uma transformação da abordagem de autonomia regional e estímulo quanto à cooperação sul-americana, a qual entrou em um processo de estagnação, com perda acentuada da vontade política das lideranças dos países.

Vale ressaltar que o governo Bolsonaro, iniciado em 2019, marca-se por uma associação estreita aos militares brasileiros, autodeclarando-se  como “um governo todo militarizado”, nas palavras do próprio presidente. Observa-se o dobro de pessoal militar presente em Ministérios e altos cargos públicos, dentre eles o Ministério da Defesa, em comparação a governos anteriores. Tais níveis são inéditos no período democrático brasileiro. (VERDES-MONTENEGRO; SOUZA, 2021).

A pandemia de COVID-19 insere-se como um agravamento da já existente crise do regionalismo. A utilização de discursos classificando a pandemia como um risco ou ameaça à segurança nacional converte-se em políticas e estratégias de segurança na maioria dos países. Observa-se um expressivo esquecimento da cooperação regional e internacional, associado à debilidade das instituições regionais, e à priorização da soberania e autonomia nacional. (BOSCHIERO, 2020).

No Brasil, o presidente Bolsonaro apresentou ceticismo quanto à pandemia, discordando de consensos científicos, minimizando seus impactos e mortes e fazendo referência à COVID-19 como uma “gripezinha” (VERDES-MONTENEGRO; SOUZA, 2021). O governo brasileiro ainda se destacou por sua ausência de iniciativa e liderança regional. Em reunião do PROSUL sobre a temática da pandemia, em 2020, Bolsonaro foi o único governante dos países membros a não participar do encontro (JUNQUEIRA; NEVES; SOUZA, 2020). Ademais, o Brasil bolsonarista consolidou seu “abandono” a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e estimulou discordâncias quanto à relevância do MERCOSUL, utilizando-se de “ameaças” de saída da organização e confrontos com o atual presidente argentino, Alberto Fernández, no referente à gestão da pandemia. Paralelamente, seguindo seu alinhamento estadunidense, promoveu que a OEA retornasse como uma instituição ativa na região latina. (FRENKEL, 2021).

Desta forma, na América do Sul do período de 2015 a 2022 houve o agravamento da crise do regionalismo, da cooperação e da busca por uma região autônoma e independente frente à     s potências mundiais. Os governos de centro-direita, com destaque ao Brasil de Bolsonaro, visaram o alinhamento aos Estados Unidos e a desintegração sul-americana. O Brasil, conhecido amplamente como o líder e mediador regional, se converteu em um país ausente e indiferente aos seus vizinhos e às suas iniciativas cooperativas institucionalizadas.

 

* Tamires Aparecida Ferreira Souza é doutora em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Imagem: América do Sul. Por: delfi de la Rua/ Unsplash.

 

Referências Bibliográficas

BRICEÑO-RUIZ2, J. Da Crise da Pós-Hegemonia ao Impacto Da Covid-19. O Impasse do Regionalismo Latino-Americano. Rev. Cadernos de Campo, n. 29, p. 21-39, jul./dez. 2020.

BOSCHIERO, E. Riesgos globales y derechos humanos: hacia sociedades más resilientes, igualitarias y sostenibles In: Mesa, M. (coord.) Riesgos globales y multilateralismo: el impacto de la COVID-19 – Anuario 2019-2020. Madrid: CEIPAZ, 2020.

FRENKEL, D. Jair Bolsonaro e a desintegração da América do Sul: um parêntese? NUSO,  nº 2021, ago.-set. 2021.

JUNQUEIRA, C.; NEVES, B.; SOUZA, L. Regionalismo Sul-Americano nos anos 2020: O que esperar em meio às Instabilidades Políticas? Revista tempo do mundo, n. 23, ago. 2020.

RIGGIROZZI, P.; TUSSIE, D. The Rise of Post-Hegemonic Regionalism In Latin America. In: RIGGIROZZI, P.; TUSSIE, D. The Rise of Post-hegemonic Regionalism: The Case of Latin America. New York: Springer, 2012.

SANAHUJA, J. Del “regionalismo abierto” al “regionalismo post-liberal”. Crisis y cambio en la integración regional en América Latina. In: ALFONSO, L.; PEÑA, L; VAZQUEZ, M. (org) Anuario de la Integración Regional de América Latina y el Gran Caribe. Buenos Aires: CRIES, 2009. p.11-54.

SANAHUJA, J.; BURIAN, C. Las derechas neopatriotas en América Latina: contestación al orden liberal internacional. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, n. 126, p. 41-63, 2020.

VERDES-MONTENEGRO, F.; SOUZA, T. ¿Misión cumplida? La militarización de la gestión sanitaria frente a la COVID-19 en Brasil. Análisis Carolina, v.30/2021, p.01 – 22, 2021.

Barganhas Militarizadas Interestatais na America Latina: uma região de paz violenta?

Iury França*

 

O presente trabalho objetiva evidenciar a presença de episódios de violência entre Estados latino-americanos, sob a forma de disputas interestatais militarizadas (MIDs). Conforme Gochman e Maoz (1984), MIDs são um “conjunto de incidentes envolvendo ameaça, exibição ou uso da força sancionada e dirigida pelo governo entre dois ou mais Estados”. Os eventos são separados por um intervalo temporal curto. Bremer (1993) define MIDs como situações em que Estados se ameaçam ou usam a força um contra o outro, na condição de até 1000 mortes. Uma vez que um conflito se torna militarizado, às vezes a ação inicial é seguida por contra-ações, numa “espiral ascendente de violência”. A escalada do conflito pode evoluir até ultrapassar o limiar das MIDs, tornando-se uma guerra entre Estados. Na mesma linha, Bremer, Jones, Singer (1996), afirmam que MIDs são “ações militarizadas envolvendo ameaça, emprego ou uso explícito da força por um membro do sistema internacional contra outro”.

Foi depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que pesquisas quantitativas sobre conflitos internacionais começaram a ser desenvolvidas e armazenadas em banco de dados (FREEDMAN, 2017). Métodos quantitativos poderiam gerar um novo campo de pesquisa para a paz. Segundo Freedman, para se ter acesso a fundos para pesquisa, os cientistas sociais pensaram em demonstrar que era possível prover pesquisas semelhantes à objetividade das ciências naturais, com a finalidade de desenvolver leis. Se leis pudessem ser criadas, o futuro da guerra poderia ser controlado (VASQUEZ, 2012 apud FREEDMAN, 2017) Nessa linha, policymakers [formuladores de políticas] poderiam reconhecer sintomas, fazer diagnósticos e identificar como tratar situações na iminência de desastres. Contudo, era necessário observar a importância do assunto em questão na geração da guerra, como observou John Vasquez (2012). Segundo ele, fatores como formação de alianças e expansão do aparato militar poderiam reforçar chances de conflito, além de que rivais teriam mais chance de ir à guerra que outros Estados.

Neste texto, trabalha-se com metodologia descritiva, via banco de dados disponibilizado pelo projeto Correlates of War (COW). O banco de dados é embasado no conceito de MID e seus graus. A escolha de parte do banco (MID_A 4.0) contempla o objetivo da pesquisa, uma vez que aborda aspectos como fatalidade, grau de intensidade e modo de resolução. O diferencial para o MID_B se dá na interpretação de um dos Estados (ou os dois) apresentar aspectos de revisionismo, seja territorial ou político. Para os fins deste trabalho, filtramos as descrições ao banco MID_A. Auxiliam no entendimento da violência na América Latina (AL): Bremer (1993), Freedman (2017); Gochman e Maoz (1984); Bremer, Jones e Singer (1996); D’Orazio et al. (2020); e Mares (2001; 2012).

Importante notar que, para Freedman (2017), os Estados são self-contained units [unidades autônomas]. O sistema internacional cria suas próprias motivações para a guerra. Com isso, mesmo após o fim da Guerra Fria, o autor entende que a perspectiva realista via a continuidade dos níveis de violência observados anteriormente. Nessa linha, David Mares (2001), ao se voltar para a América Latina, define que as primeiras e principais preocupações de segurança nesses países surgem de dois fatores: autopercepção e competição política. As externalidades de segurança se desenvolvem a partir de três arenas: internacional, regional e doméstica. Na arena internacional, os interesses dos EUA produzem externalidades de segurança para toda a AL. No nível regional, o foco é no nation-building [construção da nação] depois da independência. A prevalência de disputas de fronteiras na AL significa que o método de resolução (pacífico ou militar) tem uma significância maior. Na arena doméstica, quando o status quo é ameaçado na AL, as elites e os EUA se preocupam.

A existência do país em si não é um problema (MARES, 2001). As questões referentes à defesa surgem das características internas da região: fronteiras disputadas, desenvolvimento econômico desigual e disparidades de distribuição de poder. Nessa dinâmica, desde 1816, ocorreram 17 guerras na América Latina. Essas guerras também tiveram impacto na distribuição regional de poder. Em termos de MIDs, entre 1816 e 1976, houve 21 disputas entre países não-potência, ou 1/3 dos países da América Latina (GOCHMAN; MAOZ, 1984). Em complemento, Mares (2012) advoga que o contexto de segurança da América Latina tem sido essencialmente competitivo, no qual a dissuasão e a negociação militarizada predominavam entre os países.

A arquitetura de segurança da América Latina é única entre os países em desenvolvimento, tanto em sua extensão, quanto em sua amplitude. Segundo Mares (2012), o sistema de segurança coletiva provê segurança para cada país numa comunidade. Os esforços para deslegitimar o uso da força na América Latina incluem integração política, divisão de Estados, tentativas de acordo e controle de armas. Entretanto, os maiores esforços foram direcionados à prevenção da guerra, e não à questão de pequenos conflitos. Ações militares são resultado de uma interação que, em uma dada situação, um ator faz o cálculo custo/benefício, avaliando o uso da força militar como vantajoso em suas relações com um rival (MARES, 2012). O histórico não-pacífico da região e o cálculo de custo/benefício já tornaria a América Latina bastante instável. Junta-se a isso os esforços de segurança não-preventiva da América Latina e temos com mais clareza a questão do aparente descompromisso em lidar com a paz violenta. Mares (2012) cita a lentidão das nações latino-americanas em exigir das partes conflitantes o retorno ao status quo, pois favorece a ocorrência de ganhos em comportamentos beligerantes sem prestar esclarecimentos internacionais sobre incidentes.

O período documentado pelo Correlates of War abrange todo o contexto após as guerras napoleônicas de 1816. O projeto relata situações de MID, com os mais diferentes desfechos, incluindo guerra. Nesta seção, à exceção de guerra, evidencia-se objetivamente as 19 ocorrências de violência interestatal na América Latina entre 2000 e 2010. São informados resultado; resolução; número de fatalidades; ação mais expressiva; nível de hostilidade; reciprocidade na ação e se no ano de 2010 a disputa ainda ocorria.

Fonte: D’orazio et al (2020). Disponível em: https://academic.oup.com/isq/article-abstract/64/2/469/5531765.

O banco de dados pontua objetivamente a paz violenta na América Latina. Mesmo sem ocorrência de baixas, houve exibição de força e violações de fronteira em algumas disputas, e em todas constou nível de hostilidade 3 ou 4; sendo o nível 5 o correspondente à guerra. Posto isso, todas as situações verificadas apresentam grau de disputa intenso, com uso da força ou, no mínimo, exibição dela. Foi constatada maior frequência de incidentes entre Equador, Venezuela e Colômbia, envolvendo violação de fronteira com exibição de força.

A literatura argumenta que a região ainda não conheceu paz, apenas paz violenta. A ausência de constrangimento internacional facilita o cálculo de custo/benefício que os líderes latino-americanos fazem antes de recorrer a MIDs. Cada país define suas prioridades de defesa e seus entendimentos de ameaça e se sente mais livre para agir. Entende-se, dessa forma, que a América Latina ainda não é uma comunidade de segurança pacífica. Suas relações continuam frequentemente afetadas pela utilização de recursos militares em negociações entre os Estados.

 

* Iury França é mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba. É bacharel em Relações Internacionais pela mesma instituição. Desde 2017 é membro do Grupo de Estudos em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI – UFPB) e desde 2021 é membro do Programa de Cooperação Acadêmica em Defesa Nacional (ASTROS) do Ministério da Defesa do Brasil.

Imagem: América do Sul. Por: Pixabay.

Referências

CORRELATES OF WAR PROJECT. Militarized Interstate Disputes (v 5.0). Disponível em: https://correlatesofwar.org/data-sets/MIDs.

FREEDMAN, Lawrence. The future of war: a history. Public Affairs, 2017.

JONES, Daniel M.; BREMER, Stuart A.; SINGER, J. David. Militarized interstate disputes, 1816–1992: Rationale, coding rules, and empirical patterns. Conflict Management and Peace Science, v. 15, n. 2, p. 163-213, 1996.

MARES, David R. Latin America and the illusion of peace. Routledge, 2012.

_______. Violent peace. In: Violent Peace. Columbia University Press, 2001.

MITCHELL, Sara McLaughlin; VASQUEZ, John A. (Ed.). What do we know about war? Rowman & Littlefield, 2021.

PALMER, Glenn et al. Updating the militarized interstate dispute data: A response to Gibler, Miller, and Little. International Studies Quarterly, v. 64, n. 2, p. 469-475, 2020.

Guerra Informacional no conflito Rússia e Ucrânia: uma aproximação ao controle informacional nos conflitos (Parte 1) 

Alcides Eduardo dos Reis Peron*

 

Mira, ângulo de visão, ângulo morto, ponto cego, tempo de exposição: a linha de mira prenuncia a linha do horizonte da perspectiva utilizada nos quadros pelo pintor de cavalete, que também é engenheiro militar ou estrategista como Dürer ou Da Vinci.”

Paul Virilio, Guerra e Cinema

“Está ao vivo, veja, as Imagens não mentem”, disse a âncora do telejornal enquanto apontava para a imagem de uma criança no telão do estúdio. Ao lado dessa filmagem, uma decoração especial, com fumaça cinza, e o que parecia ser um míssil sendo lançado de uma plataforma de armas, sobreposto por um enorme título, “Guerra na Ucrânia”. Como na guerra do Golfo em 1991, a âncora buscava associar a imagem (ao vivo), a uma proposta de cristalinidade do meio, de transparência e, fundamentalmente, de verdade em seu estado puro, com isso, colocando fim às especulações de diversas ordens, de que os meios teriam alguma agência sobre a política e a guerra. Ainda, a atual cobertura movimenta elementos muito similares aos da Guerra do Golfo, como a ampla produção de imagens, múltiplos narradores, em uma linha argumentativa coesa: a condenação (ou ilegitimidade) da agressão de uma das partes, associada ao apagamento das razões históricas e geopolíticas do conflito, e a uma exagerada heroicização de uma das partes do conflito. Um sofisticado enredo orientado a (des)informar – ao mesmo tempo que entretém –, embora, contemporaneamente, também esteja associado à ampla difusão de materiais, análises e imagens nas redes sociais.

Ao contrário do que a apresentadora sustenta, as imagens, se inseridas em contextos e narrativas específicas, podem potencializar, desqualificar ou redirecionar os sentidos da mensagem. O conhecidíssimo debate proferido ao longo do século XX por Walter Benjamin, Marshall Mcluhan, Guy Debord, Jacques Ranciére e por tantos outros, buscou centrar a imagem como objeto do discurso. Com o seu poder de alcance muito superior ao das palavras, a imagem carrega simbolismos, sentidos, valores políticos, potencializando a mensagem, ou sendo por si mesma a mensagem. Pierre Bourdieu ao descrever o campo jornalístico descreve a técnica de “ocultar mostrando”, que consiste em estruturas “invisíveis” que organizam aquilo que se percebe pela televisão, a partir de dramatizações e do intercâmbio entre imagens e narrativas, produzindo um “efeito de real” – algo que não seria diferente nas guerras, ou sua cobertura.

Esse efeito de real está na base das guerras informacionais que compõem os conflitos bélicos desde seus primórdios e, fundamentalmente, na deste atual conflito. Ambas as partes agora têm buscado tornar hegemônica sua linha argumentativa, a partir de múltiplos expedientes, como narrativas midiáticas, controle dos enxames nas redes sociais, etc. Esse breve ensaio, dividido em três partes, visa debater como essa produção de efeito de realidade é uma prática estratégica dos conflitos, e não envolve apenas movimentos midiáticos, mas também de desinformação nas redes, turvando a linha entre jornalismo e entretenimento, real e ficção.

A Guerra e seus meios

Clausewitz já havia entendido o modo como o ambiente de guerra era também um ambiente da administração dos sentidos, não apenas dos combatentes, que deveriam se lançar em aventura de morte, mas também da população, cujo papel seria o engajamento irrestrito à campanha. Nesse sentido, a fricção seria, antes de mais nada, um elemento que atenta contra o cognitivo dos combatentes e da população, imprimindo o desejo de cessar o conflito, tornando a mente um dos domínios a serem conquistados num conflito – como coloca Der Derian, o “Human Terrain”.  No entanto, foi Paul Virilio um dos primeiros a discutir o status das imagens e das narrativas nas guerras contemporâneas, descrevendo-o como um espaço de disputas perceptivas. Para Virilio, o termo “teatro de operações” assume múltiplos sentidos, ao mesmo tempo um ambiente de disputas entre atores com funções bem delimitadas, mas também como um espetáculo de produção de sentidos, imagens e informações – utilizados para cativar, engajar ou desengajar os espectadores da guerra.

Mais recentemente, autores como Jean Baudrillard, Douglas Kellner, e James Der Derian se debruçaram sobre o modo como Estados modernos – particularmente os EUA – conseguem mobilizar uma ampla rede informacional e comunicacional de modo a produzir consensos a respeito dos conflitos a partir de um movimento-chave: a conversão da guerra em entretenimento, quando informação quebra a barreira sensorial da razão, e passa a ser assimilada como algo lúdico, viciante e animador. Isso se daria a partir não de uma cobertura enfadonha das guerras, mas com o alinhamento entre vinhetas, narrativas estratégicas (sobre o contexto do conflito), táticas (que alinham o conflito em uma sequência lógica de eventos), polarizações e, fundamentalmente, cobertura 24 horas – uma caixa de ressonância que, como o documentarista John Pilger aponta, não abre espaço para o embate, o raciocínio ou ao contraditório, nos fazendo consumir construções parciais como integrais e absolutas. A cobertura ao vivo se diluía em um misto de imagens gravadas, de movimentos abstratos (crianças, soldados, refugiados, lideranças) impedindo a diferenciação entre tempo real e gravações. 

Com o foco na Guerra do Golfo em 1991, esses autores exploram como a produção de imagens e narrativas sobre a guerra engajou de maneira profunda a população estadunidense em um conflito desnecessário e vago. Nesse sentido, Douglas Kellner se ocupou em identificar e desmontar as linhas mestras da narrativa midiática, que envolviam a desinformação (a respeito de uma iminente invasão iraquiana na Arábia Saudita, e sobre falhas tratativas de “paz”), afirmações sobre o caráter e intenções de Sadam Hussein (sem que houvesse entrevistas ou declarações), desumanização dos líderes (o frequente enquadramento de Sadam Husseim em uma linha sucessória de Hitler), manipulação de dados (sobre o deslocamento de tropas iraquianas em suas fronteiras), e omissão arbitrária de dados (de satélites russos, que colocavam em xeque as afirmações de deslocamentos de tropas).

Como concluem, os tambores da Guerra da mídia televisiva e impressa foram fundamentais para a mobilização de tropas estadunidenses, administrando o apoio popular e redimindo previamente as lideranças por eventuais fracassos. Der Derian, no entanto, vai além e identifica nesse processo um dispositivo inerente à máquina de guerra estadunidense, o MIME – NET, sigla em inglês para a rede militar industrial de entretenimento. Essa rede não possuiria hierarquias, sendo composta por empresas privadas de jornalismo, setores de entretenimento, agências de governo e de Estado, sendo ativada em períodos de guerra justamente para o engajamento ou desengajamento da população à guerra. De acordo com o autor, isso não implica em dizer que existem conluios ou manipulações pelos Estados ou pelas empresas de jornalismo, mas sim um extenso processo de alinhamentos de ideias e interesses, de administração e de controle sutil, com a seleção de especialistas que condizem com a perspectiva da emissora (e dos burocratas da guerra), o que garantem a concessão de entrevistas exclusivas, acessos, materiais, documentos, dentre outros elementos que vão intensificando um relacionamento que, no limite, se traduz como benéfico para ambos os lados. Enquanto a máquina de guerra dissemina uma perspectiva interessada da guerra, o outro lado tem acesso a elementos que vão incrementar seu material informacional e, consequentemente, sua audiência.

Outros autores, como Steven Livingston, ainda que não se apoiem na ideia desta rede, reconhece a importância do papel das grandes empresas de jornalismo e entretenimento na construção dos imaginários dos conflitos, ao qual denomina como “efeito CNN”. Esses efeitos são diversos, e não implicam necessariamente em um alinhamento ideológico do conflito, mas demonstram o potencial dos meios em influenciar os conflitos. De acordo com ele, três seriam os modos pelos quais os efeitos midiáticos agem: 

  • Acelerante: na qual a cobertura do conflito tem um efeito multiplicador, exigindo a redução do tempo de resposta das autoridades, divulgando informações, fazendo coberturas frequentes sobre mortos e destruição, entre outras ações; 
  • Impedidor: primeiramente, emocional, deprimindo a moral populacional, sanitarizando a guerra (reduzindo a dimensão de coberturas sobre mortos e destruição) e, segundamente, frustrando as operações militares a partir da divulgação ampla de notícias operacionais; 
  • Definidora de agendas: agindo emocionalmente de forma a definir as agendas humanitárias como prioritárias. 

Na verdade, a atuação midiática como uma fusão entre jornalismo e entretenimento já é uma prática que data, pelo menos, desde a Segunda Guerra Mundial, com o envolvimento da empresa Walt Disney em conteúdos sobre a guerra; a produção de eventos e shows em campos de batalhas (para animar a moral dos combatentes); e o emprego de cineastas famosos para capturar imagens do conflito – vide o documentário da Netflix “Five Came Back”, que narra o modo como o Pentágono remunerou John Ford, Frank Capra, dentre outros. De acordo com Der Derian e John Pilger,  após a Guerra do Golfo se inicia um modelo de cobertura 24 horas de guerras e conflitos, os quais demandam: a manutenção exaustiva de especialistas, imagens, reportagens em loop, o que paulatinamente funde noticiário e entretenimento de guerra – no caso do Golfo, com a intenção de propagar um novo modelo de guerra inteligente, comandada a distância por alta tecnologia, como aponta Rune Ottosen. De acordo com ambos, essa prática foi adotada em todos os conflitos desde os anos 90 em que os EUA ou países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estiveram inseridos: na Bósnia, na Sérvia, Afeganistão, Iraque, e mesmo na Líbia e Síria. A cobertura midiática tornava-se, assim, uma linha acessória do conflito, algo descrito inclusive nas doutrinas de guerra estadunidenses.

 Como um exemplo, a Joint Low Intensity Conflict Project (JILC) de 1986 deixa claro que, nenhuma informação entrará ou sairá do conflito sem que seja previamente arquitetada. A JLIC abertamente afirma a importância de um alinhamento entre Estado e empresas de jornalismo, em uma tradução livre: “Conflitos prolongados também aumentam as ambiguidades da situação, e a mídia moderna irá trazer essas ambiguidades para casa para o debate público, exacerbando as incertezas e compondo as dificuldades de envolvimento […] A mídia exerce uma poderosa, senão indeterminada, influência na opinião pública, e isso pode ter um impacto sobre as operações, para bem ou para mal […] Líderes políticos e militares devem considerar o papel da mídia e desenvolver programas apropriados e relacionamentos que irão sustentar as operações”.

O controle informacional em um conflito se torna uma tática central para os modelos de guerra contemporâneos, principalmente por sua capacidade de estímulo da opinião pública, dos combatentes e aliados, mas também para agir sobre a moral inimiga e produzir descrédito, o que coloca em xeque a capacidade dos países em produzir mobilização interna para o conflito. No caso estadunidense, e de países da OTAN, essa estratégia não se dá através de uma centralização, censura e manipulação direta das informações pelos aparelhos de Estado – como no caso do controle informacional russo nos últimos conflitos –, mas a partir de uma intrincada rede de relacionamentos e articulações entre empresas de jornalismo, e que agora contam com uma nova linha acessória, as redes sociais.

De acordo com pesquisas recentes, mais da metade dos americanos se informam regularmente através de mídias sociais, que incluem Facebook, Instagram, Snapchat e Tik Tok. Assim, principalmente a partir dos anos 2000, essas articulações, bem como a difusão de informações e conteúdos, ocorrem não apenas a partir da mídia televisiva, mas também pelas redes sociais e aplicativos de mensagens – um ambiente em grande medida desregulado, em que informações manipuladas, desinformações, deepfakes, análises enviesadas de especialistas são veiculadas e ganham proeminência a partir de compartilhamentos, que podem ou não ser estimulados por contas falsas (robôs). Esse fenômeno acaba governando a percepção geral dos usuários dessas redes sobre diversos temas – conformando verdadeiros ecossistemas de desinformação que se articulam com as redes televisivas e de entretenimento. Aqui, a divisão entre notícia e entretenimento se torna cada vez mais turva, dado o amplo compartilhamento de imagens, músicas, sessões ao vivo de discussões sobre a guerra em múltiplas redes sociais.

Desde Gilles Lipovetsky à Byung-Chul Han, diversos autores esclarecem que, diferente de uma estética de desaparecimento e de omissão de informações que caracterizou a era televisiva (inclusive nas coberturas de guerras), as redes sociais e o hiper-compartilhamento de dados produzem um fenômeno de desinformação a partir do excesso de informações não verificadas, produzidas por uma miríade de sujeitos. Como aponta Lee Mcintyre, o caráter dinâmico da internet e das redes sociais leva a uma confusão entre notícia e opinião, elevando uma posição pouco fundamentada ao status de “verdade”. A problemática relativa a isso é a de que não são geradas apenas opiniões, mas aquilo que Claire Wardle e Hossein Derakhshan tipologizam como desordem informacional: informações incorretas (com falsas conexões e conteúdo ilusório), más-informações (vazamentos, assédios, discursos de ódio), e fundamentalmente desinformação (conteúdo deliberadamente produzido, falso, manipulado e fabricado). Assim, notícias falsas, imagens e informações manipuladas, vídeos, discursos parcializados são compartilhados na rede em uma dinâmica de enxame, ora complementando as abordagens midiáticas “ocidentais”, ora as contradizendo. Assim, há na guerra um complexo ecossistema de desinformações que envolvem a mídia tradicional e as redes na composição de verdadeiros simulacros da realidade, a partir do controle e mobilização de informações, análises de especialistas, produção de notícias falsas, deepfakes, memes, entre outros. 

 

*Alcides Eduardo dos Reis Peron é doutor (2016) em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), autor do livro “American way of war: ‘guerra cirúrgica’ e o emprego de drones armados em conflitos internacionais” e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe.

Imagem em destaque: vila de Novoselivka, Ucrânia. Por: UNDP Ukraine.

A look at the UK’s strategic partnership with Ukraine

 

A version of this article was first published at the UK Defence Journal in December 2021

João Vitor Tossini

 

The UK’s defence relationship with Ukraine experienced a sharp growth in the aftermath of the Russian annexation of Crimea in 2014, including the delivery of British military equipment and training. The 2016 British decision to leave the European Union led to the “Global Britain” foreign policy, which became the framework of the British engagement with Ukraine. Aiming to reaffirm the country’s leadership at the North Atlantic Treaty Organization (NATO), while seeking new partners and allies beyond the European Union, the new British foreign policy engaged in a path of increasing political and defence cooperation with Ukraine.

During the first years of Ukrainian independence, the British Government would work closely with Ukraine, the United States, and Russia on the future of the Ukrainian, Belarus, Kazakhstan nuclear arsenals inherited from the Soviet Union.  In 1994, the three powers agreed to provide security assurances against the use of force or threats against the territorial integrity and independence of Ukraine, Belarus and Kazakhstan in exchange for their adherence to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons (TNP). This accord was known as the “Budapest Memorandum on Security Assurances”, and between 1994 and 1996, Belarus, Kazakhstan and Ukraine gave up their nuclear weapons (MARTEL, 1998). 

In 2008-2009, Ukraine’s attempts to achieve closer cooperation ties with the European Union received British support while intensifying defence collaboration with Britain, which the Ukrainian Government saw as a possible supporter of Ukraine’s ambition to initiate a NATO Membership Action Plan. Within this context, Britain and Ukraine signed a Joint Statement in 2008 declaring for the first time the “strategic” character of their bilateral relations.

Nevertheless, between 2009 and 2013, the British position changed after Ukraine opted for “non-alignment” in 2009. Following this Ukrainian foreign policy shift, Britain focused on supporting the advancement of the Association Agreement between Ukraine and the European Union (EU). However, in November 2013, the Euromaidan movement erupted in Ukraine, especially in the Western part of the country, mainly in response to president Viktor Yanukovych’s refusal to sign the European Union–Ukraine Association Agreement. The refusal came after previous postponements and was seen as an attempt to appease and maintain close ties with Russia, Ukraine’s largest trading partner. On 22 February 2014, the parliament voted to relieve Yanukovych from his duties. 

These events highlighted divisions within Ukraine’s society and quickly involved Russia. Moscow justified its intervention as a safeguard for the Russian minority in Ukraine. The Russian Government stated that it did not recognise the new administration in Kyiv (AVERRE; WOLCZUK, 2018). On 27 February, unmarked Russian soldiers took control of the Crimean local government, forcing the regional parliament to replace its Prime Minister for the pro-Russian politician Sergey Aksyonov. The Crimean Peninsula, including the strategic naval base at Sevastopol, leased to Russia since 1991, was formally annexed by the Russian Federation on 21 March (AVERRE; WOLCZUK, 2018).

As one of the three “guarantors” of Ukraine’s sovereignty and territorial integrity, through the Budapest Memorandum (1994), the UK had a particular responsibility when the Russian intervention occurred. The UK supported the change of government in Kyiv and opposed the Russian intervention in Ukrainian affairs. Despite that, witnesses contributing to a Houses of Parliament report in 2015 considered the initial British response “hesitant”. Thus, the unfolding events in Ukraine raised concerns and negative criticism concerning the British Government’s initial response. It can be argued that the budget cuts laid out by the 2010 Defence Review still had a significant impact on the British defence and foreign policy.

As the crisis unfolded, the British Government adopted an active role. Britain presented itself as a leading supporter of collective sanctions against Russia through the EU and the Group of Seven (BIELIESKOV; SOLODKYY, 2017). The British Government also performed a crucial role in the approval of the General Assembly resolution on Crimea. In March 2014, the UK declared that it regarded the annexation of Crimea as illegal and would maintain a position of support for Ukraine’s sovereignty and territorial integrity. This statement remains the cornerstone of the British bilateral relationship with Ukraine. 

Since 2014, the UK has sought to enhance its economic and defence cooperation with Ukraine while improving the Ukrainian position as a nation capable of containing the conflict with the Russian-backed insurgents in the far Eastern part of the country (BIELIESKOV; SOLODKYY, 2017). During the NATO Wales Summit of 2014, Britain also acted to alleviate fears in southern members of NATO that the Baltic States were exacerbating the Russian threat, opening the path for a final collective statement favourable to Ukraine (DEVANNY, 2017). Following Brexit, this trend gained pace and Ukraine could become a special partner within the scope of the “Global Britain” policy (UNITED KINGDOM, 2021).

Beyond the support within NATO, Britain initiated “Reform Assistance Programmes” in Ukraine to improve local governability, while supporting economic reforms. These initiatives would indirectly support enhanced trade arrangements between the two nations (BIELIESKOV; SOLODKYY, 2017). In October 2020, Britain and Ukraine signed a “continuity agreement” adapting the existing Ukraine-EU Trade Agreement into an Anglo-Ukrainian version. Furthermore, the “Political, Free Trade and Strategic Partnership Agreement” updates and formalises the strategic partnership between the UK and Ukraine (VOROTNYUK, 2021).

Concerning Defence cooperation, since the Russian annexation of Crimea, seeking international assistance to strengthen its defence capabilities has been a priority of the Ukrainian Government. In Ukraine, expectations of British military assistance have been high as Britain remains one of the two signatory powers that still commit to the Budapest Memorandum of 1994. Supporting these expectations lies the fact that before the 2014 Crisis, Britain had been an active partner of Ukraine, leading programmes between 2009 and 2014 to enhance Ukraine’s military command, control and communication systems while conducting joint training exercises (BIELIESKOV; SOLODKYY, 2017). Therefore, during the 2014 NATO Summit, Britain was chosen as the leading partner in the Alliance’s Trust Fund to improve the Ukrainian forces’ command, control, and communications (DEVANNY, 2017; VOROTNYUK, 2021). 

Moreover, the UK supports Ukraine through direct bilateral military aid. In late 2014, London supplied the first wave of military equipment and logistical assistance to Kyiv. In March 2015, Britain announced a package of non-lethal equipment to Ukraine. Concurrently, the British Government approved the deployment of military advisers to train the Armed Forces of Ukraine. In 2017, the British training programmes prepared the most significant contingent of troops for the Ukrainian military. The 2016-2017 period witnessed the British shift from military material aid to training local troops. Between 2015 and 2021, the operation – called Operation Orbital – trained more than 21,000 Ukrainian personnel (VOROTNYUK, 2021).  

Avoiding a direct association with the ongoing military conflict in Eastern Ukraine, the sites used by the British personnel were located far from the areas of armed conflicts. Additionally, in 2016 the two countries agreed on a Memorandum of Understanding about the bilateral defence and security cooperation. This 2016 Memorandum represented the increasing Ukrainian confidence that Britain remains an actor in the region despite Russian pressures and led to the 2020 Free Trade and Strategic Partnership Agreement previously mentioned. With British diplomatic support, Ukraine achieved NATO’s “Enhanced Opportunity Partner” status in June 2020, which grants “enhanced access to interoperability programmes and exercises, and more sharing of information”.

After March 2014, the Black Sea has witnessed an increasing British naval presence. Romania and Bulgaria received British personnel through NATO’s Multinational Divisional Headquarters (South-East) and Force Integration Units. Between January 2018 and October 2021, the Royal Navy and Royal Fleet Auxiliary vessels spent roughly 50 days every year on a rotational basis on the Black Sea (VOROTNYUK, 2021). These deployments are symbols of the British strategy to reinforce NATO’s Eastern flank while displaying its support for Ukraine’s sovereignty and territorial integrity. However, this increasing British military presence in the Black Sea led to diplomatic tensions with Russia.

In September 2020, the British Government announced that its training contribution through Operation Orbital would expand to include maritime capacity-building. Thus, the UK  led a multinational Maritime Training Initiative (MTI) for the Ukrainian Navy. In the same month, British paratroopers and their Ukrainian counterparts participated in joint exercises (Exercise Joint Endeavour). Flying direct from Britain and parachuting into the south of Ukraine, British paratroopers participated in the drill, considered the largest of its kind within a decade (VOROTNYUK, 2021). The exercises of 2020 highlighted Britain’s ability to independently project military power over Ukraine.

Since the establishment of the MTI, the British-led naval training initiative resulted in a similar British-led effort to enhance Ukraine’s naval capabilities. This new phase of defence cooperation was initiated by the Memorandum of Intent of October 2020 signed by the British Defence Secretary and his Ukrainian counterpart on board the British aircraft carrier HMS Prince of Wales. According to the British Government, one of the main points of the Memorandum concerns the GBP 1.25 billion on terms from UK Export Finance – the UK’s export credit agency – for Ukrainian naval projects. Britain would build “missile cruisers” and other ships in line with NATO standards to aid the naval forces of Kyiv (TOMS, 2020). 

 On 21 June 2021, during HMS Defender’s visit to the Black Sea as part of the British Carrier Strike Group Deployment, Britain and Ukraine signed a Memorandum of Implementation. In short, Britain secured the following projects: (1) “Missile sale and integration on new and in-service Ukrainian Navy patrol and airborne platforms”; (2) “The development and joint production of eight fast missile warships”; (3) “The creation of a new naval base on the Black Sea as the primary fleet base for Ukraine and a new base on the Sea of Azov”; (4) Sale of two mine countermeasure vessels; (5) participation in the Ukrainian project to deliver a new generation of frigate capability; and (6) shipyards regeneration plans (UNITED KINGDOM, 2021a).

Two days after the signing of the Memorandum of Implementation on board HMS Defender, this Royal Navy Type 45 Destroyer performed freedom of navigation patrol through the disputed waters of Crimea. The “diplomatic incident” between the British vessel and Russian patrol boats and aircrafts resulted in renewed tensions with Moscow. The Ministry of Defence of the Russian Federation alleged that its patrol boats fired warning shots and Sukhoi Su-24 “dropped bombs” in the path of HMS Defender after the ship entered Crimea’s territorial waters. The British Ministry of Defence denied these claims and stated that the shots were fired three miles astern and could not be considered warning shots. HMS Defender kept its planned course arriving in Batumi, Georgia, on 26 June. 

Considering that the British Government recognises only the Ukrainian authority over Crimea and the customary route between the Ukrainian port of Odesa and Batumi includes passing near Crimea, the decision also involved not displaying weaknesses or some degree of recognition to the Russian presence. The “incident” also highlights that Russia avoided the risk of direct military confrontation in the Black Sea with the UK and other NATO members beyond the assertive rhetoric and behaviour. In comparison, the Kerch Strait incident of 2018 resulted in the Russian capture of three Ukrainian military vessels

Britain’s planned military deployments to the Black Sea and Ukraine suffered no changes after HMS Defender’s incident. While the Royal Navy reinforced the British support for Ukrainian territorial integrity near Crimea, British and Ukrainian forces led the multinational “Cossack Mace” land exercises in that same month. During two weeks in June 2021, these exercises rehearsed a joint response to a potential aggressor state seizing and controlling Ukrainian territory. Shortly after, HMS Defender took part in the annual Sea Breeze naval drills in the Black Sea, reaffirming the traditional British naval presence in this annual exercise (VOROTNYUK, 2021).

Therefore, since 2014 the British-Ukrainian bilateral relations have entered an ascending path. The UK has achieved a unique position within Ukraine’s foreign policy as one of the country’s closest and most committed partners, only surpassed by the United States. London has been an active supporter of increasing Kyiv’s integration with NATO while seeking to improve its military presence in the eastern flank of the Alliance, particularly in the Baltic nations and the Black Sea. Since 2015, British forces have trained thousands of Ukrainian personnel every year and performed regular joint land and naval exercises. Lastly, the UK continues to recognise Ukrainian sovereignty over Crimea. 

In conclusion, looking for new international partnerships since 2014, Ukraine has found one of its prominent supporters in successive British Governments. In addition, the UK remains seen by Russian defence specialists as a major actor “willing to go to the edge” for Ukraine and the international rules-based system while having “fewer reservations about confronting Russia than some other European NATO member states”. One example is the British arms supply to Ukraine, that remained in place even after the UK changed its emphasis to training local forces. Concerning Britain’s point of view, the British Government has in Ukraine one of its strategic partners for the Global Britain foreign policy that searches for new allies beyond the EU. Enhancing ties with Ukraine is a way for the British Government to display how the UK can reaffirm its position as the leading European contributor to the security of the Euro-Atlantic area and major supporter of the international rules-based system.

 

References

AVERRE, Derek; WOLCZUK, Kataryna. The Ukraine Conflict: Security, Identity and Politics in the Wider Europe. London: Taylor & Francis, 2018.

BIELIESKOV, Mykola; SOLODKYY, Sergiy. Foreign Policy Audit: Ukraine-United Kingdom. Kyiv: Institute of World Policy, Discussion Paper. 2017.

DEVANNY, Joe. UK National Security Decision-Making in Context: The Ukraine Crisis and NATO’s Warsaw Summit Meeting. Ridgeway Information, 2017.

KUZIO, Taras. The Crimea: Europe’s Next Flashpoint. Washington DC: The Jamestown Foundation. November 2010.

MARTEL, William C. “Why Ukraine gave up nuclear weapons: non-proliferation incentives and disincentives”. In SCHNEIDER, Barry R.; DOWDY, William L. (eds.). Pulling Back from the Nuclear Brink: Reducing and Countering Nuclear Threats. 1998.

TOMS, Bate C. Britain and Ukraine unveil new strategic partnership. Atlantic Council. 13 October 2020. 

UNITED KINGDOM. Ministry of Defence. Global Britain in a Competitive Age: The Integrated Review of Security, Defence, Development and Foreign Policy. Ref: CP 403. March 2021.

UNITED KINGDOM. Ministry of Defence. UK signs agreement to support enhancement of Ukrainian naval capabilities. Press Release, June 2021a. 

VOROTNYUK, Maryna. Security Cooperation between Ukraine and the UK. Royal United Services Institute (RUSI). 10 November 2021. 

 

* João Vitor Tossini é doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

Imagem: Desfile de tropas britânicas em Kiev, 2017 (British Embassy Kivy, Crown Copyright).

Una Aproximación a la Crisis Ruso-Ucraniana

Carlos Gutierrez*

Texto publicado originalmente em SIC Notícias

En toda crisis, y particularmente si esta conlleva el uso de la fuerza, nos podemos encontrar con tres componentes básicos iniciales: la desinformación, la retórica y el cinismo.

No quiero detenerme en ellos porque no me parece lo más relevante de la coyuntura, pero es indudable que juegan un rol muy importante en la opinión pública, en las perspectivas de los analistas (especialmente aquellos que son especialistas de última hora en todo), y sobre todo en ocultar los intereses vitales que condujeron a la crisis.

La desinformación (“se está haciendo una masacre de ciudadanos”, “se están bombardeando ciudades”, “esta es una operación limitada”, y un largo etc.), la retórica (“esto llevará a la tercera guerra mundial”, “ahora vendrá el ataque al resto de Europa”, “se aplicarán las sanciones más grandes de la historia”, y otro largo etc.), y el cinismo (“apoyaremos la lucha por la libertad y la democracia”, “es inaceptable el ataque a un país soberano”, “no se puede aceptar la independencia de regiones de un país soberano”, “siempre optaremos por la paz”, y un etc. más largo aun escondiendo guerras injustas y preventivas, masacres, desconocimiento de la ONU, golpes de estado), hacen de estas coyunturas espacios para el maniqueísmo de los líderes y medios de comunicación de todas las improntas y orientaciones ideológicas, quizás el más recurrente por su facilismo que es el de caracterizar a unos como buenos y a otros como malos, no auscultando los intereses que mueven a unos y a otros.

Por lo tanto, trataré de identificar algunas líneas interpretativas a modo de hipótesis y en forma sucinta (porque estamos ante hechos que transcurren con mucha velocidad) que cubran las explicaciones de por qué se ha llegado a la crisis, los elementos que son develados por esta, y los escenarios y conceptos que quedan abiertos.

1- El origen profundo de la crisis

Según la BBC (quizás uno de los medios considerados más serios en el mundo), el actual conflicto tiene sus inicios en la anexión de Crimea por parte de la Federación Rusa en el año 2014, lo que ya demuestra el sesgo interpretativo de una situación de mucho más larga data y de mayores complejidades.

En el discurso presidencial de Putin del 21 de febrero, hay una larga explicación de lo que significa Ucrania y el eslavismo para los rusos, arraigado en lo más profundo de su “fondo cultural” (de allí la crítica a lo que hizo la URSS con Ucrania), y que al parecer el occidente europeo y Estados Unidos nunca han logrado comprender. Incluso llegar a decir del “dolor inmenso que les provoca su alejamiento de Rusia”.

Se explaya al respecto con estas afirmaciones:

“El bienestar, la existencia misma de Estados y pueblos enteros, su éxito y vitalidad tienen origen en un poderoso sistema de raíces de su cultura y sus valores, la experiencia y las tradiciones de sus antepasados y, por supuesto, dependen directamente de la capacidad de adaptarse rápidamente a una vida en constante cambio, de la cohesión de la sociedad, de su voluntad de consolidarse, de reunir todas sus fuerzas para seguir adelante.

Pero ustedes y yo sabemos que la verdadera fuerza está en la justicia y la verdad, que están de nuestra parte. Y si esto es cierto, entonces es difícil no estar de acuerdo en que la fuerza y la voluntad de lucha son la base de la independencia y la soberanía, la base necesaria sobre la que se puede construir un futuro, un hogar, una familia, nuestra patria.”

En el fondo histórico de Rusia siempre se han encontrado dos paradigmas político-culturales: el europeísmo y el eslavismo, que han vivido las vicisitudes propias en cada época y dependiendo de la hegemonía de uno u otro, se entienden las políticas exteriores de Rusia. Durante la URSS esta tensión se vio morigerada por el conflicto mayor de corte ideológico, pero nunca despareció.

Se reactivó con la desaparición de la URSS. Gorbachov y Yelstin más europeístas esperaron de estos la buena voluntad de acogerlos en el seno europeo, pero la debilidad política y económica de Rusia alentó la tentación estadounidense del hegemón unilateral.

Como lo dice el propio Putin en su discurso del 24 de febrero:

“La respuesta es clara, comprensible y obvia. La Unión Soviética se debilitó a finales de la década de 1980 y luego se derrumbó. Todo el curso de los acontecimientos de entonces es una buena lección para nosotros y ahora se ha demostrado convincentemente que la parálisis del poder y la voluntad es el primer paso hacia la degradación y el olvido por completo. Una vez que habíamos perdido la confianza por un tiempo, el equilibrio de poder en el mundo se rompió.”

Hoy están en su cénit los eslavistas que, sin despreocuparse de Europa, sienten que su estatura histórica reside en la fortaleza y riqueza del eslavismo y para eso fortalecen su espacio étnico-cultural, así como consecuencia directa el cuidado de sus fronteras, que es lo que sintetiza su visión de Ucrania.

2- El papel de los líderes

Más allá de las caricaturas de cada uno de los líderes principales del conflicto (Putin, Zelensky y Biden) y sus respectivas orientaciones políticas e ideológicas en el plano interno de sus estados, lo cierto es que se puede apreciar un acercamiento muy distinto a la profundidad de la crisis y al modelo de liderazgo de cada uno de ellos.

Los liderazgos más recientes de Estados Unidos están en deuda: el disruptivo Trump que ninguneó a la política internacional y el debilitado Biden, que vive en una realidad paralela entre su visión conservadora del poder de Estados Unidos que ya no tiene y la realidad brutal que le demuestra su derrota en Siria y Afganistán. Su liderazgo se asocia también a ese cinismo calculador que abusa de sus socios, pero que no trepida en dejarlos: al gobierno afgano ante los talibanes, a los kurdos ante los turcos, a la agrupación democrática siria que formó ante el gobierno sirio y la respuesta militar de Rusia.

El liderazgo estadounidense quiere recuperarse, con un discurso fuerte e intransigente, pero lo más probable es que su frente interno esté tan descompuesto y su economía en deterioro, que tampoco se jugará a fondo ante esta crisis que no puede controlar del todo.

El presidente ucraniano Zelensky, que sigue un comportamiento autoritario y corrupto de todos los presidentes anteriores en Ucrania, ha demostrado su inmadurez en estas lides. Se jugó todo a la credibilidad de los discursos de Biden y la OTAN, sin sopesar los verdaderos intereses de ellos, su real poder y disposición a apoyar a Ucrania en la crisis y no dimensionar los intereses rusos. No aprendió de la crisis del año 2014 en Crimea, de la guerra de Chechenia en 1999, ni la del 2008 en Georgia, donde Putin demostró que sí tenía el poder y la voluntad de resolver crisis mediante la fuerza. Es lo más probable que sea el que más pierda en esta crisis.

El presidente Putin creo que ha sido caracterizado correctamente como un conservador nacionalista, con una larga experiencia política y militar, y una visión estratégica sobre el futuro y el papel de Rusia en la política internacional, que en esta materia ha logrado gozar de un alto consenso en la elite interna. Su prestigio y trascendencia se juega precisamente en su proyecto del refortalecimiento de Rusia y su proyección internacional, y así como ha salido victorioso de los conflictos anteriores (particularmente Chechenia y Georgia, y en el reciente apoyo en Siria), lo más probable que de este salga aún más fortalecido.

3- Los objetivos políticos declarados por el Presidente Putin

Hay dos discursos de Putin que son muy claros en dilucidar sus objetivos políticos en la relación con Ucrania, el del 21 de febrero que acepta reconocer la independencia de las regiones ucranianas autoproclamadas autónomas de Donetsk y Lugansk y el del 24 de febrero que anuncia el inicio de la Operación Militar Especial contra Ucrania.

Ambos discursos son muy decisivos y claros en expresar la visión política de fondo del gobierno ruso, que claramente se podría catalogar como fuertemente nacionalista y realista en política internacional, asumiendo la lógica de defensa de los intereses nacionales y recogiendo la histórica tradición de la cultura y política rusa (que va bastante más allá de lo que muchos analistas han querido identificar como la reconstitución de la Unión Soviética) que la ubica como un actor relevante en un espacio mixto que es Europa y Oriente.

Los objetivos aducidos de alcance estratégico son: la NO expansión de la OTAN hacia el este europeo de países que colinden con la Federación Rusa, así como la NO instalación de infraestructura militar cerca de sus fronteras y que esta alianza regrese a sus fronteras que tenía al año 1997, es decir a la situación previa del ingreso de países que fueron parte del bloque del Pacto de Varsovia que se inició en el año 1999.

Los objetivos inmediatos fueron declarados en el discurso del 24 de febrero que da inicio a la Operación Militar Especial que busca “desmilitarizar, desnazificar y juzgar a criminales de guerra que operaron contra los ciudadanos de las regiones de Donetsk y Lugansk”. A esto, claramente habría que agregar que buscará asegurar la independencia de las dos repúblicas, así como el reconocimiento de una Crimea rusa.

El objetivo de la desnazificación pudiera parecer extraño, pero desde el golpe militar del año 2014, fuerzas políticas de extrema derecha y específicamente sectores neonazis han tenido una influencia muy decisiva en el devenir político de Ucrania, no solo con dirigentes y partidos políticos en puestos relevantes del gobierno y de las fuerzas militares, sino con medidas concretas como la prohibición del uso del idioma ruso, la glorificación de la colaboración nazi en tiempos de la Segunda Guerra Mundial, la concentración de fuerzas de extrema derecha mundial para su organización internacional, y la creación del Regimiento Azov, que es una milicia neonazi incorporada a la Guardia Nacional Ucraniana.

4- El componente económico

Nunca va estar declarado explícitamente si hay intereses económicos en el conflicto, pero es evidente que por lo menos hay consecuencias.

Las acciones más visibles y retóricas por parte de la OTAN y Estados Unidos han estado centradas en las medidas económicas, particularmente financieras. Pero hay mucha discusión actual sobre los verdaderos efectos en Rusia, los impactos que estas tendrán en la propia Europa y los efectos de mediano y largo plazo que están en el fondo del conflicto.

Por lo menos, por ahora se pueden enunciar algunos temas relacionados:

  • Rusia viene viviendo sanciones hace varios años, y para esto se ha ido preparando a enfrentar estos escenarios como algunos más duros. Actualmente Rusia tiene reservas líquidas en dólares bastante alto, al igual que en otras monedas y sobre todo de reservas en oro, logrando en enero de 2022 una cifra récord e histórica.
  • Los ingresos a la economía rusa (por lo tanto dólares) son esencialmente en venta de comodities, energía y material bélico. Todas, difíciles de terminar en forma abrupta, particularmente la energía de la cual depende mucho Europa, al igual que determinados productos alimenticios.
  • Los precios de las energías han subido de precios, lo que afectará especialmente a los europeos.
  • Las medidas financieras europeas tendrán también efectos negativos en su propio territorio: inflación; aumento importante de las primas de riesgo que encarecerá los préstamos; faltará liquidez de dólares que tendrán que ser suplidos por la Reserva Federal de Estados Unidos a través de la emisión;
  • El impacto más profundo tendrá la economía financiera mundial, donde el dólar es que corre con el riesgo de ser moneda de reserva y la posibilidad cierta de acelerar la tendencia que exista una economía paralela a la estadounidense-europea con otra china-rusa-oriente, donde no prime el dólar y con un sistema interbancario propio, que ya funciona entre ambos desde el año 2014 (en este sentido el retiro de los bancos rusos del sistema Swift, acelera esta posibilidad).
  • Hay que recordar que la economía europea todavía está en cuidados intensivos producto de los efectos no totalmente superados de la pandemia.
  • El gran ganador económico será China, con la potenciación del yuan, el acopio de oro y nuevas posibilidades comerciales.

5- La disputa por una nueva configuración mundial

El principal elemento develado por esta crisis es que la actual situación de poder a nivel mundial choca con la arquitectura de poder existente, y se aprecia una tensión dirigida al status quo que impuso Estados Unidos desde el momento en que rompe la dualidad bipolar propia de la Guerra Fría.

La hegemonía unilateral ejercida con toda fuerza por Estados Unidos desde el año 1991 está cuestionada por otro hegemón de magnitud creciente que es China (y que sin lugar a dudas en un futuro próximo superará a EEUU) y por otros poderes que, siendo menores, sí representan influencias determinantes en espacios geográficos más acotados, como pasa con la misma Federación Rusa en un espacio interméstico entre Europa y parte de Asia; India en la zona indo-pacífica; Irán en la zona medio oriente.

Por lo tanto, esta quebradiza estructura internacional, que se expresa en organismos internacionales y alianzas militares, ya no da plenamente cuenta de la realidad política y económica internacional y tiende a buscar su cauce abriendo las nuevas posibilidades de multicentros que tenderán a organizarse y ordenarse en torno a espacios sustanciales.

Este es el gran problema de Estados Unidos y su tendencia al agotamiento de su hegemonía unilateral, que no está dispuesto a este reconocimiento de la nueva realidad mundial y cierra los espacios a esta configuración a través de “cordones sanitarios” que adquieren expresión concreta por ejemplo en la expansión de la OTAN en referencia a la Federación Rusa.

En el discurso del 24 de febrero, Putin lo explica así:

“Una mayor expansión de la infraestructura de la Alianza del Atlántico Norte, la exploración militar de los territorios de Ucrania que ya ha comenzado es inaceptable para nosotros. El punto, por supuesto, no es la OTAN en sí misma, que es solo un instrumento de la política exterior de Estados Unidos. El problema es que en los territorios adyacentes a nosotros —quiero señalar, en nuestros propios territorios históricos— se está creando una anti-Rusia hostil a nosotros, que ha sido puesta bajo un control externo completo, se están acomodándose las fuerzas armadas de los países de la OTAN y están llenado estos territorios con las armas más modernas.

Para Estados Unidos y sus aliados se trata de la llamada política de contención de Rusia, un evidente dividendo geopolítico.”

En este análisis crítico está implícita la discusión sobre la relación entre diplomacia y poder hegemónico absoluto, donde pierde centralidad la opción política para dar paso a la amenaza del uso de la fuerza, lo que abre la necesidad del debate de un nuevo orden con discusión de los conceptos que deberían darle sentido. Según el propio Putin:

En un estado de euforia de superioridad absoluta, de una especie de absolutismo moderno e incluso en el contexto del bajo nivel de cultura general y la arrogancia de aquellos que prepararon, tomaron y cabildearon decisiones beneficiosas solo para ellos mismos, la situación comenzó a desarrollarse en un escenario diferente.

Como he dicho antes, Rusia ha aceptado las nuevas realidades geopolíticas tras el colapso de la URSS. Respetamos y seguiremos respetando a todos los países recién formados en el espacio postsoviético. Respetamos y seguiremos respetando su soberanía, y un ejemplo de ello es la ayuda que hemos prestado a Kazajistán, que se ha enfrentado a unos acontecimientos trágicos y a un desafío a su condición de Estado y a su integridad. Pero Rusia no puede sentirse segura, desarrollarse, ni existir con una amenaza constante procedente del territorio de la actual Ucrania.”

6- El concepto de Autodeterminación de los pueblos y la Seguridad Indivisible

En esta crisis se han planteado conceptos claves existentes que también serán parte de su interpretación para escenarios futuros.

El principal de ellos es la relación entre la Autodeterminación de los pueblos y el de la Seguridad Indivisible, que han sacado a relucir en varias oportunidades los líderes involucrados en el conflicto.

Nadie ha puesto en interdicción el derecho a la autodeterminación de los pueblos (aunque pudiéramos tener dudas razonables del respeto que se ha tenido sobre este derecho), pero progresivamente la humanidad ha ido incorporando determinadas limitaciones a lo que pudiera ser un derecho absoluto, como por ejemplo el respeto universal de los derechos humanos, la existencia de cortes penales internacionales y otros. Pero, justamente en el año 1990 ante la firma de la Carta de París que da forma a la Organización para la Seguridad y Cooperación Europea (OSCE), se expresa que, en el campo de la seguridad, el concepto de Seguridad Indivisible, que apunta justamente a una limitación implícita para cada Estado.

Es una suerte de reverso conceptual al concepto de disuasión, donde prima el derecho de cada país a generar un poder de tal magnitud que convenza a un hipotético enemigo a no hacer uso de la fuerza; en cambio, el de Seguridad Indivisible se basa en el hecho de que un Estado no debe generar condiciones para que otro estado se sienta inseguro. En palabras de la Carta:

“Finalizada la división de Europa, nos esforzaremos por conferir una nueva calidad a nuestras relaciones de seguridad respetando plenamente la libertad de cada uno de elegir en esta materia. La seguridad es indivisible y la seguridad de cada Estado participante está inseparablemente vinculada a la de todos los demás. Por consiguiente, nos comprometemos a cooperar en el fortalecimiento de la confianza y la seguridad entre nosotros y a fomentar el control de las armas y el desarme”. (Carta de París para una nueva Europa, página 3).

¿Y no es, entonces, precisamente lo contrario a este acuerdo lo que sucede con la expansión de la OTAN a países contiguos geográficamente con la Federación Rusa?

Sería muy interesante, para ir delineando escenarios futuros, retomar este concepto de la Seguridad Indivisible como un paso sustancial en la creación de una nueva arquitectura internacional.

7- El límite a la actual diplomacia

Para llegar a una situación de crisis que conlleva el uso de la fuerza militar, sea esta limitada o extensiva, hay que reconocer que ha habido un fracaso de la diplomacia.

Este es otro punto esencial que ha develado esta coyuntura, en cuanto a los límites que la actual diplomacia tiene en el marco de una configuración política internacional con un hegemón unilateral agresivo, en una fase de larga duración de decadencia que impide la constitución de otros poderes globales.

Como se puede demostrar a través de un largo recuento de espacios diplomáticos llevados a cabo por la Federación Rusa y Estados Unidos para encontrar un nuevo paradigma de relaciones en Europa que incluyera a Rusia, este caminó demostró sus limitaciones.

Efectivamente, con el ocaso de la Unión Soviética y el término del Pacto de Varsovia, no sucedió lo mismo con la OTAN (teniendo en cuenta que era una alianza defensiva contra la URSS), pero se aseguró que esta no crecería hacia el este. Esta política duró hasta el año 1999 cuando hicieron su ingreso Polonia, Hungría y República Checa. Y así siguieron 4 oleadas más: el 2004 con Bulgaria, Eslovaquia, Eslovenia, Rumania, Estonia, Letonia y Lituania. El año 2009 con Croacia y Albania. El año 2017 con Montenegro y el 2020 con Macedonia del Norte. Estaba en los planes Georgia, pero después de la guerra del año 2008 no continuó con el proceso. Y en el caso de Ucrania los planes comenzaron el año 2008.

Este continuo desprecio por los acuerdos (de palabra y escritos), ha mermado la capacidad de la diplomacia para frenar el uso de la fuerza, y eso conlleva una profunda reflexión sobre una nueva conceptualización y rol de la diplomacia, para que vuelva a ser el instrumento principal y creíble en la resolución de conflictos.

El líder ruso lo sintetiza de esta forma:

“Esto ha provocado que los tratados y acuerdos ya no sean válidos en la práctica. La persuasión y las propuestas no ayudan. Todo lo que no conviene a la hegemonía, al poder, se declara arcaico, obsoleto e innecesario. Y viceversa, todo lo que les parece conveniente se presenta como la verdad definitiva que impulsan a toda costa, groseramente por todos los medios. A quienes no están de acuerdo, los destruyen.

De lo que estoy hablando ahora se refiere no solo a Rusia, y no solo a nosotros nos preocupa. Esto se refiere a todo el sistema de relaciones internacionales y, a veces, incluso a los propios aliados de Estados Unidos. Después del colapso de la URSS, de hecho, comenzó la redistribución del mundo y las normas del derecho internacional que se habían establecido en ese momento —y las normas principales, básicas que fueron adoptadas después de la Segunda Guerra Mundial y consolidaron en gran medida sus resultados— comenzaron a obstaculizar a los que se autoproclamaron vencedores de la guerra fría.

Por supuesto, en la parte práctica de la vida, en las relaciones internacionales y en las reglas que la rigen, era necesario tener en cuenta los cambios de la situación mundial y del equilibrio de poder. Sin embargo, esto se debía hacer con profesionalismo, despacio, con paciencia, teniendo en cuenta y respetando los intereses de todos los países así como entendiendo su propia responsabilidad.”

8- El eurocentrismo

Si bien esta crisis está centrada geográficamente en Europa, el núcleo del conflicto es entre Rusia y Estados Unidos, pero también es indudable que sus alcances políticos, económicos y geopolíticos lo trascienden grandemente.

Las actuaciones más notorias corresponden a los países de Europa, particularmente los miembros de la OTAN, lo que también produce un sesgo importante en el análisis de la crisis, justamente por el carácter todavía atlanticista del enfoque (con este barbarismo quiero centrar el problema de la llamada lectura de la “comunidad internacional” en la OTAN).

Puede observarse con claridad que los alineamientos con uno u otro de los actores en el conflicto obedecen a sus alianzas o afinidades políticas; como ejemplo por el lado de Rusia e encuentra Siria, Irán, Cuba, Venezuela, etc., y por el lado de Estados Unidos fuera de la OTAN y la UE están sus aliados del Pacífico como Japón, Australia, etc.

Los dos más grandes estados, India y China, han mantenido una distancia prudente de la vociferencia atlantista, absteniéndose en la votación del Consejo de Seguridad de la ONU, algo parecido a lo que pasó con Argentina y Brasil en la OEA. Toda la zona sur de Asia no se ha involucrado en el conflicto, incluso el Primer Ministro pakistaní viajó a Moscú por primera vez en 23 años.

Por lo tanto, muy lejos de existir una posición unánime de la llamada “comunidad internacional”, que también en la amplitud correcta del término están sacando sus propias conclusiones de este conflicto y las preguntas que quedan abiertas al respecto, tanto en lo geopolítico como en lo económico.

9- Qué logra cada uno

Por supuesto que, con la crisis en curso, lo que se configure como escenarios futuros es todavía muy incierto. Pero, esbozo algunas ideas:

  1. La Federación Rusa podría alcanzar sus objetivos de neutralidad oficial de Ucrania, la independencia de las dos regiones del Donbás, y el reconocimiento de Crimea. Esos logros políticos deberían ser suficientes.
  2. La desmilitarización de Ucrania podría ser parte de su estatus de neutralidad, pero también probablemente como resultados de las operaciones militares propiamente tal, la infraestructura militar ucraniana quede muy debilitada.
  3. Ucrania debiera mantener su independencia y régimen político propio.
  4. Vendrá una situación económica compleja tanto para Rusia como en Europa, pero que también tenderá a nuevas reconfiguraciones, poniendo atención a lo que pase con el dólar como moneda de reserva, sistemas interbancarios, etc.
  5. Estados Unidos no obtendrá ganancias estructurales, excepto una administración publicitaria de la crisis.
  6. La UE y la OTAN entrarán en un nuevo momento de reflexión, una vez pasada la euforia tendrán que enfrentarse a las limitaciones actuales a su poder económico y político, y de su excesiva dependencia de la política estadounidense.
  7. Hay un riesgo general de las lecturas nacionalistas sobre esta crisis, que pondrá en tensión a los proyectos democráticos internos e internacionales.

 

*Carlos Gutiérrez es analista en defensa y miembro de Grupo de Análisis de Defensa y Fuerzas Armadas (GADFA).

Imagen: Rally in Donetsk. Por: Wikimedia Commons.

Consequências para as populações civis e os limites legais humanitários na guerra Rússia-Ucrânia

Beatrice Daudt Bandeira* 

Após meses de tensão nas relações Rússia-Ucrânia e aproximação das tropas russas das fronteiras do país vizinho, iniciou-se, no último dia 24 de fevereiro, uma guerra na Europa, autorizada pelo presidente russo, Vladimir Putin.  O ato, que é reconhecido por Putin como uma “operação militar especial”, gera reações e preocupações internacionais, além de efeitos potenciais para a política de segurança na Europa, bem como para a balança de poder mundial vigente. Para as populações presentes na Ucrânia, restam os custos da guerra: aumento generalizado de suas vulnerabilidades e baixas de civis. Cenário que deve se agravar conforme a escalada do conflito. O risco humanitário decorrente do uso da força em um conflito armado internacional é uma discussão fundamental, mas tradicionalmente deixada em segundo plano pelos combatentes. Em contraponto, sugerimos uma análise que se concentre nas consequências de hostilidades às populações civis na Ucrânia, discussão que se apoia nos relatos de organizações humanitárias e de direitos humanos internacionais, que estão atuando in loco, e que têm se preocupado com possíveis violações das leis internacionais da guerra pelos combatentes.

Os dilemas acerca da coexistência entre a Rússia e a Ucrânia são de longa data. A preocupação da Rússia com a Ucrânia consiste no temor de uma expansão ocidental para os países do leste-europeu e os espaços pós-soviéticos. O que, de fato, aconteceu com o estabelecimento de alianças entre os atuais membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os esforços de consolidação da defesa, segurança e alcance da esfera de influência ocidental na região. Para contextualizar, em dezembro de 2021, a Rússia apresentou à OTAN e aos Estados Unidos um conjunto de exigências, entre as quais a garantia de que a Ucrânia não se junte à aliança militar, o que, caso concretizado, como alega Putin, seria uma ameaça crítica à dimensão política da segurança nacional russa. O acordo foi rejeitado.

A retórica russa versa sobre a preocupação de que a Ucrânia se torne, portanto, uma nação “anti-Rússia”. Além disso, os interesses russos na região partem, também, de perspectivas geopolíticas, bem como laços históricos comuns aos dois países e o elemento identitário. A Ucrânia está localizada em uma região estratégica de acesso ao Mar Negro pelo Porto de Sebastopol e Putin reconhece o país como vital para a preservação do nacionalismo e a unidade nacional russa – o idioma russo é, inclusive, falado na Ucrânia, principalmente no leste do país. O que, todavia, não serve em hipótese alguma como justificativa para as agressões que caracterizam o cenário atual.

Afora as possibilidades de resolução das controvérsias por meios diplomáticos, a medida prática de contenção adotada pelas autoridades do Ocidente (como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e líderes da União Europeia) tem sido, até o momento, a imposição de sanções e pressões financeiras, inclusive penalidades a bancos russos, mas para as quais a Rússia parece ter se preparado, em maior ou menor grau. No âmbito da comunidade internacional, a Rússia, como um dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, exerce seu poder de veto sobre resoluções que condenem a invasão, como aconteceu no dia 25 de fevereiro.

Do ponto de vista do escopo legal e humanitário, diversas organizações internacionais têm buscado chamar atenção para a necessidade de que as forças ofensivas no conflito cumpram com as normas do Direito Internacional Humanitário sobre meios e métodos de guerra.  Pronunciaram-se acerca do tema: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, International Rescue Committee, Human Rights Watch (HRW), Anistia Internacional, além de agências das Nações Unidas, como Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), por exemplo.

À medida que a crise se prolonga, as vulnerabilidades das populações presentes na Ucrânia tendem a ser rapidamente agravadas assim como a dificuldade de suprir suas necessidades básicas o que terá impacto, especialmente, sobre grupos como os de crianças, mulheres, idosos e enfermos. Deve-se considerar que as ameaças à dignidade humana dos afetados por qualquer conflito armado são reais e urgentes. Lógica que serve para destacar os possíveis impactos humanos, sociais, psicológicos, políticos e financeiros no curto e longo prazo.

As longas filas de carros que deixam a Ucrânia evidenciam a situação dramática, marcada pela preocupação da população com sua segurança, pelo reconhecimento, por parte da Rússia, da integridade territorial do país e o inadiável apelo para o restabelecimento da paz. As consequências da guerra devem afetar o fluxo de deslocados internos (que já atinge o número de 160 mil) e de refugiados ucranianos: ao menos 875 mil pessoas que, apesar das condições meteorológicas, deixaram seu país desde o início da invasão russa com destino aos países vizinhos, Polônia, Moldávia, Romênia e Hungria. Tais números devem aumentar rapidamente nos próximos dias.

Para as comunidades que permanecem nas zonas de conflito (que têm recorrido às estações subterrâneas de metrô como abrigo contra bombas) está em jogo o acesso aos bens básicos de sobrevivência, como atendimento médico seguro e eficaz. E serão por elas testemunhados os impactos que ataques militares, quando feitos de forma indiscriminada – o que descumpre as leis da guerra, inclusive -, têm sobre infraestruturas civis essenciais, incluindo instalações de saneamento, distribuição de eletricidade e transmissão, bem como serviços de distribuição de alimentos e água, prédios habitacionais, hospitais e escolas. Tipo de ataque ilustrado pelas imagens de um míssil, disparado pela Rússia, que destruiu parte de um prédio residencial, na madrugada do dia 26, na cidade de Kiev, onde as  tropas ucranianas (e civis) defendem o país contra a escalada de violência por parte da Rússia, que tem como objetivo o controle político da capital e a ambição de derrubar o governo do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Até o momento, as consequências desta guerra para a população civil não têm sido suficientemente vislumbradas pelas partes políticas envolvidas. Organizações humanitárias e de direitos humanos internacionais, a exemplo da Anistia Internacional, a própria ONU e a HRW, citadas anteriormente, alertam para a preocupação com possíveis ataques que violem as leis internacionais. Destaca-se que o Direito Internacional Humanitário (ou leis da guerra), apesar de não proibir que a escalada de violência armada tenha lugar no espaço urbano, apresenta como obrigação legal e moral dos combatentes não realizar ataques deliberados e imprudentes que atinjam pessoas e infraestruturas civis. Além disso, o uso de arsenal, que inclui munições de fragmentação, também é proibido por sua capacidade de gerar danos generalizados a civis.

Relatos feitos por trabalhadores das organizações têm informado sobre a dificuldade do monitoramento da violência e de supostas violações do Direito Internacional Humanitário, que podem estar acontecendo por todo o país. A HRW, por exemplo, apurou um caso em que um míssil balístico russo, com munição de fragmentação, atingiu um hospital na cidade de Vuhledar. Como bem lembra a Anistia Internacional: “Alegações por parte da Rússia que apenas utilizam armas guiadas de precisão são manifestamente falsas”.

Conforme a ONU ao menos 136 civis (sendo 13 crianças) foram mortos até o dia 1 de março. Número que, assim como o de casos de feridos pelos ataques – registrado até o momento como sendo de 400 pessoas -, ainda permanece incerto. O Ministério da Saúde da Ucrânia estimou que, até o dia 27 de fevereiro, o número de vítimas foi de 352 civis mortos (sendo 14 crianças) e 1.684 feridos. A constante desinformação disposta em relatórios não oficiais, as dúvidas sobre a extensão da invasão russa, e a falta de segurança para que os profissionais humanitários realizem seus trabalhos devem contribuir diretamente para o agravamento da situação no país.

Enquanto Putin indica um posicionamento ainda mais agressivo, ao colocar em alerta as força nucleares do país, a comunidade internacional permanece buscando mecanismos de sanção na tentativa de minar a incursão russa sobre o país vizinho. Protestos pró-Ucrânia e em solidariedade às vítimas têm sido registrados ao redor do mundo, inclusive no Brasil. No escopo do humanitarismo internacional, as organizações pedem, de forma urgente, para que as partes ofensivas reconheçam e ofereçam garantias – e demonstrem tal compromisso na prática – de que trabalhadores humanitários, pessoas e instalações civis não serão alvos.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP – Unicamp – PUC-SP) e pesquisadora do Grupo de Defesa e Segurança Internacional (GEDES). Seus interesses de pesquisa incluem as áreas de ação humanitária e análise de conflitos armados internacionais. Contato: beatricedaudtb@gmail.com.

Imagem: Pessoas se abrigam no metro de Kiev, 2022. Divulgado por: Wikimedia Commons.

A guerra na Ucrânia e o delicado equilíbrio nuclear

Raquel Gontijo*

 

Após três dias da campanha russa sobre a Ucrânia, e diante da reação internacional de repúdio à invasão, Putin declarou que as forças nucleares russas seriam colocadas em elevado estado de alerta. Essa afirmação sinaliza uma ameaça de que, caso haja envolvimento mais intenso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no conflito, a crise poderá escalar para uma guerra nuclear. Mas não está claro ainda exatamente o que significa, na prática, esse estado de alerta.

As forças nucleares russas são compostas por armamentos estratégicos e táticos. Os armamentos nucleares estratégicos têm maior capacidade explosiva, variando entre 50[1] e 800 ktons[2]. Esses armamentos também são associados a veículos de entrega de maior alcance, como mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), mísseis lançados por submarinos (SLBMs) e bombardeiros estratégicos. Por outro lado, os armamentos nucleares táticos têm, em média, menor capacidade explosiva (usualmente entre 10 e 100 ktons) e são associados a veículos de entrega de menor alcance, como mísseis balísticos de médio alcance (MRBMs) e mísseis de cruzeiro.

Parte das forças nucleares, especialmente as forças estratégicas, está constantemente em estado de prontidão, podendo ser acionadas em curto intervalo de tempo, em caso de iminência de um ataque contra a Rússia. A declaração de Putin sobre o estado de alerta das forças nucleares tem como principal efeito aumentar a quantidade de ogivas em estado de prontidão, de modo que elas possam ser empregadas mais rapidamente caso haja um agravamento da escalada do conflito.

Mas sob quais circunstâncias o governo russo poderia autorizar o uso da força nuclear? Essa é uma pergunta que não tem respostas claras.

No relatório de Revisão da Postura Nuclear dos EUA de 2018, o governo estadunidense apresentava uma interpretação sobre a doutrina militar russa que seria baseada na ideia de “escalar para desescalar”. Neste sentido, a Rússia estaria disposta a realizar ataques nucleares limitados como uma forma de coagir seus oponentes a recuarem, em caso de crises. Ou seja, a Rússia teria aparentemente maior disposição para iniciar o uso de armas nucleares.

No entanto, a doutrina oficial divulgada pelo governo russo indica que o uso de armas nucleares poderá ocorrer apenas caso haja a detecção de ataques nucleares contra a Rússia ou seus aliados, ou haja uma ameaça existencial sobre a Rússia, seu território ou o território de seus aliados. Não fica claro, neste momento, se a situação na Ucrânia se configuraria como uma ameaça existencial para os interesses russos. A postura adotada abertamente por Putin nas últimas semanas indica uma leitura de que o território da Ucrânia deve estar, direta ou indiretamente, sob controle russo. Assim, diante das operações militares dos últimos dias, não é absurdo supor que a Ucrânia se configura como parte do território considerado vital pelo governo russo.

Putin tem tentado sinalizar de forma clara sua disposição para escalar o conflito com o uso de armas nucleares, caso a OTAN se envolva diretamente na guerra. Isso nos leva a mais uma pergunta: qual é o risco de escalada nuclear no atual conflito? Podemos dividir a resposta em dois cenários: escalada nuclear proposital e escalada nuclear acidental.

A escalada proposital envolveria uma decisão calculada de iniciar o uso de armas nucleares, com maior probabilidade de que esse uso seja focado nos armamentos nucleares táticos.  Este cenário, apesar de possível, é extremamente improvável. Contudo, alguns elementos poderiam contribuir para esse tipo de decisão: uma crescente deterioração da situação para as forças russas, com aumento da letalidade para suas tropas e uma projeção de guerra urbana longa e custosa; um maior envolvimento da OTAN na guerra, com envio de armamentos, munições, suprimentos em geral e, eventualmente, de tropas; um aumento do isolamento da Rússia no sistema internacional, o que levaria o governo russo a se ver cada vez mais acuado. Esses desdobramentos poderiam levar Putin a buscar uma vitória militar rápida e decisiva pelo uso de armamentos nucleares.

É evidente que a decisão de usar armas nucleares teria um custo gigantesco para a própria Rússia. Primeiramente, o uso de ogivas nucleares teria, necessariamente, um enorme impacto sobre civis, o que geraria uma reação massiva da opinião pública tanto internacional quanto doméstica. Devemos lembrar, inclusive, que o governo de Putin já vem enfrentando resistência de sua população em relação à operação militar, a despeito dos esforços para filtrar e censurar as notícias que circulam no país.

Ainda mais grave, o uso de armas nucleares geraria fortíssimos incentivos para uma resposta mais dura da OTAN: seria como cruzar uma linha vermelha, rompendo com a tradição de não uso nuclear que foi preservada no mundo desde 1945. Este é o cenário que nos levaria para a beira do abismo de guerra nuclear em grande escala. Uma vez que armas nucleares sejam usadas em conflito pela Rússia, a OTAN poderá responder com uma retaliação nuclear limitada, o que poderia, por sua vez, escalar para um engajamento nuclear generalizado.

O outro cenário possível seria o de escalada acidental, ou inadvertida. Em situações de crise, com as forças em estado de alerta elevado e as pessoas sujeitas a estresse intenso, as decisões muitas vezes ficam prejudicadas e podem ocorrer erros de cálculo. A escalada acidental pode acontecer quando uma das partes (ou ambas) calcula mal a reação do oponente.

Na atual crise da Ucrânia, a Rússia e a OTAN estão engajadas em um jogo de sinalizações. Por um lado, a Rússia tenta inibir maior envolvimento da OTAN, ameaçando o uso da força nuclear como um escudo para resguardar sua liberdade de ação na Ucrânia. Por outro lado, a OTAN quer demonstrar que Putin não terá plena liberdade para perseguir suas ambições expansionistas no leste europeus. Neste sentido, os membros da OTAN tentam fazer sinalizações limitadas, enviando armamentos e munições para os ucranianos, impondo sanções econômicas, fechando seus espaços aéreos etc. Essas sinalizações são feitas, em geral, com cautela, mas é difícil prever exatamente o que o outro lado pode interpretar como inaceitável.

Deve-se lembrar também que, em situações de crise, falhas de comunicação e interpretações erradas por parte dos serviços de inteligência podem ter consequências devastadoras. Há inúmeros relatos de momentos, durante a Guerra Fria, em que a escalada nuclear quase ocorreu por falhas humanas e técnicas. Não é, portanto, impensável que erros similares ocorram durante a guerra na Ucrânia, resultando em reações precipitadas que poderiam dar origem à escalada nuclear.

Este é um momento de extrema incerteza. Em meio a tanto sofrimento, com movimentações massivas de deslocados e refugiados, ataques a cidades com impactos sobre civis, danos econômicos ainda difíceis de dimensionar, é fundamental que o mundo mantenha sua atenção também sobre o delicado equilíbrio nuclear que está sendo ameaçado.

No fim do século XIX, analistas militares diziam que a invenção das metralhadoras tornaria as guerras impensáveis, pela escala de mortandade que passaria a ser possível; o mesmo argumento foi levantado sobre a invenção das aeronaves no começo do século XX, pelas imagens de terror de bombardeios a cidades. Hoje, metralhadoras e aeronaves são equipamentos banais em qualquer guerra. É fundamental que as armas nucleares não sigam o mesmo caminho. De todas as consequências que podem decorrer desta guerra, talvez a pior seja pensar que as armas nucleares podem passar a ser percebidas como um armamento de guerra como outro qualquer. Sobretudo, é vital que a tradição de não uso nuclear seja preservada.

[1] As ogivas nucleares, em caso de armas nucleares estratégicas, são frequentemente associadas a mísseis MIRV, ou seja, com múltiplos veículos de reentrada independentes. Assim, por exemplo, cada míssil com 6 veículos de reentrada poderia transportar 6 ogivas de 50 ktons, totalizando 300 ktons e maximizando a área de destruição atingida.

[2] 1 kton é aproximadamente equivalente a mil toneladas de explosivos convencionais. Para efeito de comparação, as bombas de Hiroshima e Nagasaki são estimadas em algo entre 10 e 20 ktons.

 

* Professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e pesquisadora do GEDES.

Imagem: Treinamento para o desfile do dia da vitória. Por: Michał Siergiejevicz/Wikkimedia Commons.

Tensão na fronteira ucraniana: reflexos de um mundo em mudança

                                                                        Getúlio Alves de Almeida Neto*

 

O ano de 2021 marcou os 30 anos da dissolução da União Soviética. No início do mês de dezembro deste mesmo ano, tropas russas – em números estimados em até 175 mil, segundo os serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos – foram posicionadas próximas às fronteiras com a Ucrânia. A situação provocou o aumento da tensão das relações russo-estadunidenses e pode ser apontada como reflexo de um processo que evidencia a questão ainda a ser resolvida sobre as configurações de forças e a arquitetura de segurança no continente europeu, sobretudo no que tange ao chamado espaço pós-soviético, e são motivos de apreensão aos olhos da comunidade internacional em relação à iminência de um conflito em maiores escalas.

Apesar de intensificada ao longo da última década, a latência destas tensões pode ser traçada desde a queda do bloco comunista em 1991. Nesse sentido, os acontecimentos e desdobramentos observados neste período trazem à tona alguns pontos que merecem atenção especial. Em primeiro lugar, torna-se claro que, mesmo passados 30 anos, a formação dos novos Estados pós-soviéticos ainda traz questionamentos sobre a identidade destes e o papel da Rússia neste novo contexto geopolítico. Em segundo lugar, mostram a evolução da capacidade militar russa e a disposição do Kremlin em fazer uso de suas forças armadas – direta ou indiretamente – no processo de barganha e reivindicação de seus interesses. Como terceiro ponto, destaca-se a tendência de reconfiguração de forças no tabuleiro internacional a partir da ascensão da China ao posto de principal concorrente dos Estados Unidos e do renascimento militar russo. Em razão destes dois elementos, os cálculos estratégicos  dos atores envolvidos passam a ser feitos a partir da percepção do fim da hegemonia estadunidense estabelecida no pós-Guerra Fria. Por fim, este cenário evidencia o papel crucial da geopolítica para análise da política externa russa e de sua relação com os Estados Unidos e a OTAN. Na origem das tensões atualmente em curso na Ucrânia encontra-se um fenômeno geopolítico percebido pela Rússia como lesivo a sua segurança nacional: a crescente expansão da OTAN, uma aliança militar forjada para combater a União Soviética, em direção às fronteiras russas.

A crise em torno da Ucrânia se iniciou após o posicionamento de tropas russas munidas de artilharia, veículos blindados de combate e tanques ao redor de praticamente toda a fronteira com a Ucrânia. Conforme pode ser visto por imagens de satélites, Kiev se vê cercada ao norte, leste e sul por forças russas. O medo gerado pela aproximação de soldados à fronteira ucraniana se deve ao histórico recente de anexação da Crimeia (2014) e apoio militar – ainda que negado oficialmente pelo Kremlin – às forças separatistas na região do Donbass, nas autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. Todos estes elementos fazem com que Ucrânia, Europa e Estados Unidos passem a projetar a possibilidade de invasão militar russa em solo ucraniano. Vale ressaltar, no entanto, que, em abril de 2021, episódio semelhante já havia acontecido. Na ocasião, o governo russo alegou se tratar de uma ação defensiva em resposta aos exercícios militares da OTAN na Europa e como medidas preemptivas para impedir o governo ucraniano de lançar uma ofensiva na região de Donbass (BIELIESKOV, 2021).

Com o objetivo de resolver o impasse, uma sequência de conversas entre líderes da Rússia, EUA e OTAN têm acontecido. Nas negociações, o Kremlin lançou uma gama de reivindicações que incluem, principalmente: 1) o compromisso da OTAN em nunca incorporar a Ucrânia à aliança militar ocidental; 2) eliminar a alocação de armas e tropas da OTAN em países que aderiram à aliança após 1997[1]; 3) banimento de mísseis balísticos de alcance intermediário da OTAN instalados na Europa; 4) garantir a autonomia através da região de Donbass através da federalização da Ucrânia conforme os acordos de Minsk de 2015 (MEYNES, 2022).

Desse modo, o Kremlin tem elevado suas apostas sobre a reposta da OTAN a uma eventual invasão russa em território ucraniano, com o objetivo de coagir seus membros a uma nova rodada de negociações que estabeleça garantias à segurança russa e que formalmente estabeleça o fim da expansão militar ocidental próximo à fronteira russa. Segundo Pifer (2021), Putin sabe que as demandas feitas seriam consideradas desproporcionais pelo governo Biden e pelos outros líderes da OTAN, que tais termos não seriam aceitos e que sua rejeição poderia servir como um pretexto para a incursão russa. Pode-se conjecturar, também, a hipótese de que Vladimir Putin estaria testando os limites de concessões e a forma de negociação do governo estadunidense sob comando de Biden.

Nesse sentido, pode-se argumentar que um objetivo do governo russo foi atingido, ao menos por ora: gerar tensão para chamar atenção das potências ocidentais e garantir um lugar à mesa de negociação, estabelecendo seus próprios termos e interesses. Entre esses interesses, destaca-se o objetivo de reformular a configuração de forças estabelecidas no pós-Guerra Fria, no qual o avanço da OTAN ao Leste Europeu e a adesão de ex-repúblicas bálticas soviéticas, além da sinalização da possível adesão de Geórgia e Ucrânia, foram percebidas por Moscou como política agressiva do bloco ocidental capitaneado por Washington e ameaça à segurança doméstica russa. Com isso em mente, a postura atual russa em relação à Ucrânia deve ser entendida como uma estratégia de brinkmanship, que consiste na elevação da tensão e ameaça de um conflito iminente em busca de obter ganhos em relação à contraparte, como visto na Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. De fato, um episódio que ressoou as tensões vividas no auge da Guerra Fira, o vice-chanceler da Rússia, Sergei Ryabkov cogitou a possibilidade de envio de recursos militares russos à Cuba e Venezuela.

A Rússia parece, a princípio, ter vantagem quanto aos desdobramentos da crise ucraniana. Enquanto suas tropas não ultrapassarem a fronteira, o país não poderá ser acusado de agressão e, nesse meio tempo, continuará a pressionar o Ocidente a negociar em termos favoráveis a Moscou. Como consequência, o dilema de como agir em relação a este imbróglio fica, em sua maior parte, nas mãos da Administração Biden. No cenário em que os Estados Unidos concordem com as demandas de Moscou, a imagem de Washington a nível internacional demonstraria um sinal de fraqueza e mais um indício de que a hegemonia exercida pelo país desde o fim da Guerra Fria está se deteriorando, uma vez que a despeito do imenso poderio militar e econômico, não é mais capaz de fazer prevalecer seus interesses políticos ao redor do globo.

No cenário em que os Estados Unidos iniciem o conflito, Putin terá ainda mais argumentos para justificar a intervenção militar na Ucrânia e aumentar sua retórica de expansionismo militar ocidental como ameaça à segurança russa. Caso a Rússia eventualmente tome o primeiro passo e invada a Ucrânia, Biden terá que lidar com o dilema de não reagir com o uso de força militar, como já ocorreu no caso da Crimeia e, novamente, demonstrar fraqueza política, ou também enviar tropas à Ucrânia. Se este último cenário acontecer, haveria uma linha tênue entre evitar a escalada dos conflitos e se ver em meio a uma guerra indesejada, logo após a retirada humilhante das tropas do Afeganistão.

A retaliação não-bélica mais provável seria, portanto, a aplicação de sanções à Rússia. Contudo, Moscou tem demonstrado, desde a anexação da Crimeia, que está disposta a sofrer os custos econômicos em detrimento de seus interesses estratégico-securitários e garantir a primazia de sua influência política e militar sobre as ex-repúblicas soviéticas, sobretudo no caso da Ucrânia, cujos laços históricos e culturais trazem um elemento de ainda mais complexidade. Como bem define Bordachev (2021, p. 13, tradução nossa) “a política externa russa não é focada em considerações materiais: as questões de segurança, prestígio e étnicas prevalecem sobre os ganhos e benefícios.”

Não obstante, é preciso dizer que a eclosão de um conflito tampouco é de interesse entre os russos. Como mostra Kolesnikov (2021), a população não é favorável a um conflito com a Ucrânia, sobretudo em razão dos laços históricos entre os dois povos. Além disso, o apoio político a Vladimir Putin, a nível doméstico, vem se deteriorando em decorrência dos anos de estagnação econômica e da pandemia de Covid-19. A possibilidade de uma repressão violenta a eventuais protestos contra o governo russo ecoaria os acontecimentos em Belarus e Cazaquistão[2] e seria mais um elemento prejudicial à figura do presidente, doméstica e internacionalmente.

Por fim, cabe destacar que a atual situação envolvendo a possibilidade de um conflito na Ucrânia se desenvolve a partir de um cauteloso cálculo estratégico das potências envolvidas. Ainda que o autor desta análise acredite ser improvável a eclosão de um conflito, ao menos em curto e médio prazo, os desdobramentos das negociações e o desencadeamento de hostilidades em razão de possíveis falhas de comunicação entre as partes dotam o futuro das relações russo-estadunidenses em relação ao contexto pós-soviético de uma grande carga de imprevisibilidade.

[1] A expansão da OTAN a partir de 1997 deu-se em quatro rodadas de adesão de novos membros: Hungria, Polônia e Tchéquia (1999); Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Eslovênia, Romênia e Bulgária (2004); Albânia e Croácia (2009); Montenegro (2017) e Macedônia do Norte (2020).

[2] No caso de Belarus, os protestos eclodiram em 2020, após o anúncio da reeleição de Lukashenko, a sexta seguida desde a independência do país da União Soviética, apesar das pesquisas eleitorais apontarem para a derrota do governante. No Cazaquistão, as revoltas começaram no início de 2022 em resposta ao aumento do preço dos combustíveis. Em comum, os dois casos se dão em ex-repúblicas soviéticas marcadas pela centralização de poder e autoritarismo de seus governos, que contam com o apoio de Vladimir Putin para a manutenção de seus mandatos. Na crise cazaque, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) – aliança militar composta por Armênia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tadjiquistão – foi acionada pela primeira vez desde sua criação, em 1992, a pedido do governo cazaque. A Rússia contribuiu com, ao menos, 2 mil soldados.

 

*Mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

Imagem: Foto de Kiev por Pixabay.

REFERÊNCIAS

BIELIESKOV, Mykola. The Russian and Ukrainian Spring 2021 War Scare. Center for Strategic and International Studies. Disponível em: csis.org/analysis/russian-and-ukrainian-spring-2021-war-scare. Acesso em: 18 jan. 2022.

BORDACHEV, Timofei. Space Without Borders: Russia and Its Neighbours. Valdai Discussion Club. December 20, 2021. Disponível em: https://valdaiclub.com/a/reports/space-without-borders-russia-and-its-neighbours/. Acesso em: 18 jan. 2022.

EM RESPOSTA à OTAN, Rússia não descarta enviar militares para Cuba e Venezuela. O Povo. 13 jan. 2022. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2022/01/13/em-resposta-a-otan-russia-nao-descarta-enviar-militares-para-cuba-e-venezuela.html. Acesso em 21 jan. 2021.

GONCHARENKO, Roman. O que está por trás da crise do Cazaquistão. Deutsche Welle. 06 jan. 2022. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-est%C3%A1-por-tr%C3%A1s-da-crise-no-cazaquist%C3%A3o/a-60349114. Acesso em: 21 jan. 2022.

HÖPPNER, Stephanie. Entenda os protestos em Belarus. Deutsche Welle. 20 ago. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/entenda-os-protestos-em-belarus/a-54636597. Acesso em: 21 jan. 2022.

KOLESNIKOV, Andrei. How do Russians Feel About War With Ukraine? Carnegie Moscow Center. 16 dez. 2021. Disponível em: https://carnegiemoscow.org/commentary/86013. Acesso em: 18 jan. 2022.

MAYNES, Charles. 4 things Russia wants right now. NPR. January 13, 2022. Disponível em: https://www.npr.org/2022/01/12/1072413634/russia-nato-ukraine. Acesso em: 18 jan. 2022.

PIFER, Steven. Russia’s draft agreements with NATO and the United States: Intended for rejection? Brookings. December 21. 2021. Disponível em: https://www.brookings.edu/blog/order-from-chaos/2021/12/21/russias-draft-agreements-with-nato-and-the-united-states-intended-for-rejection/. Acesso em: 18 jan. 2022.

SCHWIRTZ, Michael; REINHARD, Scott. How Russia’s Military Is Positioned to Threaten Ukraine. The New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2022/01/07/world/europe/ukraine-maps.html.  Acesso em: 18 jan. 2022.

SONNE, Paul; HARRIS, Shane. Russia planning massive military offensive against Ukraine involving 175,000 troops, U.S. intelligence warns. The Washington Post. December 3, 2021. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/national-security/russia-ukraine-invasion/2021/12/03/98a3760e-546b-11ec-8769-2f4ecdf7a2ad_story.html. Acesso em: 18 jan. 2022.