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A democracia permanece distante da política de poder das Forças Armadas

Eduardo Mei, Héctor Luis Saint-Pierre, Suzeley Kalil Mathias e Samuel Alves Soares* 

 

Texto originalmente publicado em Jornal da Unesp

 

A eleição do atual presidente do Brasil impulsionou análises segundo uma suposta diferença polarizada dos atores. Em pouco tempo foram apontadas “alas”, aqui uma ideológica, acolá outra neoliberal privativista. Entre ambas existiria um grupo racional e técnico, catapultado a um patamar mágico e infenso aos ditames das baixezas do fazer político pouco nobre e mesquinho.

Nomes de próceres das alas ideológicas e liberalizantes são bem conhecidos. A terceira ala foi ocupada pela corporação militar, sem que despontasse um ideólogo específico. A parcela racional e técnica foi mostrada pela grande imprensa como exercendo a condição do equilíbrio racional, em especial para controlar o histrião presidencial e conter arroubos inerentes a um despreparado beócio.

As alas desfilariam ao embalo dos ritmos “preservados” de procedimentos democráticos. Parcela considerável da opinião pública e da grande imprensa adotou esses marcos de forma apressada e acrítica. É possível analisar os processos e fatos recentes sob outra perspectiva.

Um ponto de partida é questionar se a própria eleição corresponde a um estatuto básico democrático, dimensão já razoavelmente considerada. Há outra possibilidade analítica, contudo, ainda pouco explorada. Foi estabelecido, sem mais, que as instituições armadas emprestaram sua imagem pública para referendar a eleição de um ex-militar de baixo calão e mobiliar o governo para dotá-lo de uma refundação política, capaz de decidir e agir afastado da sordidez dos usuais mecanismos político-partidários.

A fábula foi sendo engabelada com a contribuição de figuras como um astrólogo-filósofo, um ex-chanceler embevecido, uma ministra dos Direitos Humanos aturdida e outros prestidigitadores disponíveis. A eles coube reverberar a luta renhida contra um fantasioso ‘marxismo cultural’ e alertar para as ‘hostes comunistas’ afoitas e à espreita para aniquilarem valores ocidentais considerados inarredáveis.

O ‘partido militar’

Esse movimento veio a calhar para preservar as instituições castrenses, que jamais abandonaram o mantra do anticomunismo, do antiesquerdismo, de posições claramente antidemocráticas. Mais do que uma concepção de Guerra Fria obsessivamente prorrogada, o que orienta o “partido militar” é uma autopercepção de constituírem um poder soberano, preparado para definir, a seu critério e com seus valores, os momentos em que a excepcionalidade pode ser convocada para dirimir questões da esfera política, uma decisão que se desdobra para a definir quem são os amigos e os inimigos.

Na história política brasileira os inimigos estão claramente demarcados pelas campanhas contra populações pobres, negros, militares de baixa hierarquia. Recentemente, determinaram de forma explícita no Manual de Operações de Garantia da Lei e da Ordem os movimentos sociais e quilombolas como perpetradores contra uma ordem que os próprios fardados consideram como seu desígnio estabelecer.

Por imposição dos fardados, com apoio e conluio de lideranças civis, o artigo 142 da Constituição Federal estabelece para as Forças Armadas a garantia da ordem. Uma ordem que em um país com desigualdades dilacerantes mantém no limbo parcela considerável da população, considerados indignos de direitos mínimos. É esse artigo que fornece argumentos para os que consideram que aquele exercício soberano está orientado para “garantir os poderes constitucionais” e contra eles insurgirem-se a seu bel-prazer e quando considerarem oportuno.

Mais que partícipes

A tintura mais recente nas fardas é o pretenso preparo para a gestão pública, algo que não é novo na história política, pois remonta ao período do Império, considerando o elevado número de governadores e interventores militares. Agora, entretanto, recebem a alcunha de modernos gestores titulados em cursos adeptos do gerencialismo. De concreto, revelam o despreparo para a administração pública, o que de resto não lhes compete.

As sinecuras são ainda outro fator a explicar a participação de milhares de militares no atual governo, desvelando que o exercício do poder também se alimenta de vantagens pecuniárias. Dispositivos previdenciários diferenciados, para toda a corporação, adicionados das benesses para os que mobíliam ministérios, autarquias e fundações as mais variadas.

A serventia do fantoche na Presidência é que permite reforçar a concepção de que cabe aos militares refrear seus mais criminosos impulsos, como se o descalabro que ceifa vidas e a condição de o país ser considerado um pária internacional fossem alheios ao aparato de força, cuja sina é investir contra a nação estarrecida. Ao revés, torna-se crescentemente claro que os militares são, para além de partícipes do governo, os mentores e o seu pilar central.

Demissões no alto escalão

E bem recentemente há um abalo, efetivo ou aparente, na relação entre o governo e as Forças Armadas. O ministro da Defesa é substituído, assim como os três comandantes das Forças. De fato, essa é uma situação muito inusual e os pormenores do caso serão conhecidos no futuro. Por ora, e seguindo a abordagem analítica aqui proposta, robustece o argumento de que as Forças, em especial o Exército pelo seu peso político, agem com muita desenvoltura, ou mais precisamente, com autonomia. Publica-se que o presidente definiu os nomes, porém as evidências atuais são pouco críveis que assim tenha sido.

O atual comandante do Exército, em entrevista largamente divulgada dias antes das mudanças na estrutura de comando das Forças, havia indicado a forma como a crise da Covid-19 tem sido conduzida na instituição. Apenas corroborou o que o próprio Exército apresentou no início da crise, em 2020. Em estudo elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército, as tendências da pandemia e as formas mais eficazes para o seu enfrentamento estavam claramente indicadas no documento, convergente, por exemplo, às orientações da Organização Mundial da Saúde. Ficou disponível por poucos dias e foi retirado do site do referido Centro. Ao revés, o governo estabeleceu uma linha de ação muito diversa e os resultados da necropolítica foram sentidos em pouco tempo.

O comandante do Exército era justamente o general que conduzira ações na contramão daquelas definidas pelo governo , cujo ministro da Saúde era então um general da ativa. Por ora nota-se que as instituições militares, outra vez, tomam as decisões e reafirmam sua autonomia política. Reside neste ponto uma contradição profunda. Trata-se de um governo militar-bolsonarista, mas não significa que os militares detenham completo controle das ações. Os movimentos ultraconservadores e a extrema direita não possuem uma gênese exclusivamente militar, ainda que segmentos internos às corporações os reforcem.

O espólio militar é, portanto, muito grave. Para o interior das instituições militares parecem ter cumprido os protocolos mais eficazes para debelar a pandemia. Registre-se, entretanto, que ainda não há evidências suficientes para sustentar essa versão. De todo modo, caso confirmado, e com um Ministério da Saúde militarizado a conduzir de forma criminosa as ações relativas à segurança sanitária, caberia explicar o que levou a tratamento tão diferenciado para o chamado público interno e para a sociedade brasileira como um todo.

Imagem de afastamento da política

Estes eventos serviram para propagar um afastamento do governo ou, mais propriamente, uma forma de reafirmar que constituem uma instituição de Estado e não de governo. Recepcionar e difundir a visão de que as Forças Armadas estão apartadas de Bolsonaro é funcional para o projeto militar mais amplo, de permanência no poder, bem como de não serem responsabilizadas pelo desastre que o governo causou.

A política de poder é o que explica os movimentos das Forças Armadas, por vezes aparentemente contraditórios. Não houve retorno aos quartéis. É permanente esta condição, que na atual fase conjuga-se ao exercício do governo. O saldo final é duplamente assustador. Por um lado, a debilitação da Defesa, já que as armas se voltam para nacionais de específico espectro, os deserdados e os que lutam contra a ordem discriminatória estabelecida. Por outro, a terrível e inimaginável situação de milhares de mortos pela incúria na condução insana da política sanitária. A responsabilização da instituição militar há de vir, caso restem esperanças na justiça humana.

E a democracia permanece nostalgicamente distante enquanto o garrote autoritário é tensionado pela política de poder das Forças Armadas.

 

 

* Eduardo MeiHéctor Luis Saint-PierreSamuel Alves Soares e Suzeley Kalil são professores do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp (FCHS), câmpus de Franca, e pesquisadores do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes).

Imagem: Cerimônia aos generais promovidos. Por: Alan Santos/Flickr/Palácio do Planalto.

A quem interessa a discussão do 5G no Brasil?

Patricia C. Borelli[1]

O final de março foi especialmente conturbado no cenário político brasileiro, começando pela saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores (MRE). A saída de Araújo foi entendida como o resultado de desencontros entre os interesses do “centrão” com os do atual governo. Um dos pontos de desencontro reside em uma questão: a tecnologia de rede móvel 5G.

Inclusive, foi esse o ponto que Araújo ressaltou nas suas redes sociais ao comentar o episódio que teria levado à sua saída do ministério. Segundo uma matéria publicada pela Folha de São Paulo, nas redes sociais, Araújo alegou que recebeu a senadora Abreu no MRE no início de março e que, na ocasião, ela o aconselhou a “fazer um gesto” em relação ao 5G, o que o faria “rei do senado”.

A discussão sobre a tecnologia 5G é recente, mas não exatamente nova na pauta política do país. Parte do desencontro de interesses ocorre devido ao fato de que são empresas chinesas que estão despontando como fabricantes dos equipamentos que viabilizam a implementação da nova tecnologia de rede móvel. Como parte da orientação da política externa do atual governo, as relações com a China não estão na lista de prioridades do MRE. Pelo contrário, o Brasil tem assumido uma postura até hostil em relação ao país que abriga os maiores fabricantes desses equipamentos, o que tem levado a um atraso relativo nas negociações para implementação da tecnologia de rede móvel.

Um ponto específico desse episódio da semana passada desperta atenção: por que o interesse da senadora Kátia Abreu pelo 5G? Poderíamos levantar uma lista de motivos como, por exemplo, estreitar as parcerias entre Brasil e China. Entretanto, não deixa de ser curioso o porquê de este tema ser o ponto destacado na conversa de Araújo com a senadora.

Talvez não tenhamos elementos suficientes para responder essa questão. Nossa intenção aqui é levantar alguns fatores que ajudariam a entender o interesse de Kátia Abreu, uma das principais representantes do agronegócio no senado brasileiro, na nova tecnologia de rede móvel.

Primeiro, é importante compreendermos no que consiste a tecnologia 5G. Mais do que uma “internet mais rápida”, a rede 5G deve proporcionar mudanças significativas na infraestrutura dos mais diversos âmbitos: nas cidades, nas fábricas, nas casas, no transporte, nos domicílios e, claro, na agricultura.

É esperado que a nova rede seja, de fato, mais rápida, mas também que possibilite a transmissão de um volume significativamente maior de dados, com baixa latência – o que garante segurança na comunicação entre os dispositivos e a transmissão de dados com menor atraso (delay). Esse conjunto de fatores possibilita a implementação da chamada Internet das Coisas (Internet of Things) em larga escala.

Em outras palavras, objetos e utensílios poderão ser transformados em dispositivos inteligentes (como os nossos celulares foram transformados em smartphones) que, conectados à rede, são capazes de coletar e transmitir dados precisos em tempo real que, por meio de instrumentos e serviços digitais, como Big Data e Inteligência Artificial, permitirão a automatização dos processos nos âmbitos citados anteriormente. Em linhas gerais, essa é a base do que se cunhou chamar de “indústria 4.0” ou “quarta revolução industrial” – por isso a transformação não fica restrita a uma “internet mais rápida”, mas traz um impacto significativo sobre a infraestrutura dos mais diversos setores da economia e da sociedade.

Desse modo, entende-se que um atraso na implementação da nova tecnologia de rede móvel pode deixar o país relativamente em desvantagem. Inclusive, essa foi a base da discussão no Reino Unido quando foi anunciado que o país não utilizaria equipamentos da empresa Huawei na infraestrutura 5G, alegando problemas de segurança em relação aos equipamentos chineses. Não deixa de ser curioso, porém, que a mesma preocupação pouco se estende para fabricantes de outras nacionalidades, como a Coreia do Sul ou a Finlândia.

Em uma perspectiva semelhante à do Reino Unido, o Brasil tem apresentado uma postura resistente em relação a compra de equipamentos da Huawei para a infraestrutura 5G. Entretanto, o atraso brasileiro em acompanhar essa transformação que deriva da nova rede móvel pode ser um dos motivos que despertaria o interesse da senadora Abreu na discussão sobre a tecnologia.

No debate sobre a Internet das Coisas, a possibilidade de viabilização de casas inteligentes ou cidades inteligentes normalmente sobressaem. Entretanto, as transformações no campo merecem atenção equivalente. A ideia de agricultura inteligente, ou agricultura 4.0, é um dos principais resultados esperados a partir da instalação da nova rede 5G e expansão da Internet das Coisas para a agricultura – o que, talvez, corresponda mais diretamente aos interesses da senadora sobre essa tecnologia.

Empresas como Microsoft, Apple e Amazon já estão trabalhando em projetos direcionados à agricultura inteligente. Inclusive, em uma matéria recente, o jornal The Guardian apontou que Bill Gates – criador da Microsoft – é hoje o maior proprietário privado de terras agrícolas nos Estados Unidos. Um artigo da organização Grain traz um levantamento interessante sobre a participação desses grupos na agricultura. O texto aponta que os serviços oferecidos não se restringem a essas empresas, mas acabam envolvendo outros grandes nomes de setores relacionados, como grandes laboratórios.

A Bayer-Monsanto, por exemplo, possui hoje como parte do seu conglomerado, o grupo The Climate Corporation, que começou como uma seguradora para produtores agrícolas contra adversidades climáticas. A seguradora, por sua vez, foi criada por antigos funcionários do Google. Entre os produtos oferecidos pelo grupo Climate Corporation está o aplicativo Fieldview, que trabalha com serviços digitais para o monitoramento e gerenciamento de todo o processo de produção, a partir dos dados inseridos pelos produtores, inclusive para identificar problemas no cultivo que – por sua vez – podem ser resolvidos com os produtos do laboratório. O aplicativo está disponível no Brasil desde 2017. Também não deixa de ser curioso que, nesse aspecto, a questão da segurança – e da nacionalidade – dessas tecnologias quase não entra na pauta da discussão.

De todo modo, a ideia é que, com o 5G, a agricultura inteligente possa ser efetivamente implementada em larga escala no país. Mas, quem tem condições de arcar com essa implementação? A agricultura inteligente envolve o emprego, em maior escala, de maquinários inteligentes, drones, e outros dispositivos acoplados, por exemplo, com sensores, que consigam captar um volume grande de dados e informações precisas sobre o solo, condições climáticas e de cultivo, entre outros fatores que tendem a auxiliar a produção e a produtividade no campo.

Isso, porém, deve ser realizado a partir de parcerias com as grandes empresas de tecnologia – como a Microsoft – que, por sua vez, terão um acesso praticamente irrestrito a essa vasta quantidade de dados, em nome da produtividade. Não obstante, o projeto de agricultura inteligente já vem sendo debatido entre órgãos como a Embrapa e, claro, os representantes do agronegócio brasileiro. Recentemente, foi ainda divulgado que, no país, o desenvolvimento startups voltadas para o campo tem sido liderado por jovens de famílias de grandes produtores rurais.

Com as informações disponíveis, ainda não é possível dizer com precisão quais os interesses da senadora Abreu na conversa com Araújo sobre o 5G. Entretanto, “ligando os pontos” não deixa de ser curioso o fato de esta pauta ter surgido a partir de uma representante no agronegócio brasileiro em um episódio que seria o estopim para a queda do ministro, como apontado por ele mesmo. Cabe acompanhar os desdobramentos sobre a discussão do 5G no Brasil, mas tendo em mente a questão: a quem interessa?

*  Patrícia Borelli é doutoranda no PPGRI San Tiago Dantas e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Imagem por Pixabay.

Brasil y Chile, caminos divergentes

Uno pugna por regresar al pasado, el otro busca encontrar nuevos aires

Artigo de Ernesto López para El Cohete a la Luna

 

En el marco de una globalización que anda a los tumbos, con su deshilachada gobernanza neoliberal sacudida por profundos desentendimientos y conflictos, se ubican los interesantes casos de Brasil y Chile.

La evidencia empírica abunda sobre los trastornos de la globalización. La reciente Conferencia sobre Nuevas Formas de Fraternidad Solidaria, realizada en el Vaticano el pasado 5 de febrero lo reflejó cabalmente. Reunió a las más altas autoridades del FMI (Kistalina Georgieva) y de la CEPAL (Alicia Bárcena), a diversos ministros de economía y/o de finanzas latinoamericanos, entre ellos Martín Guzmán (Argentina), Benigno López (Colombia) y Arturo Herrera (México); y a invitados especiales, como el economista y premio Nobel Joseph Stiglitz, entre otros. Y también al Papa Francisco, quien pronunció un discurso breve y sustancioso.

Sorprendieron las coincidencias que se escucharon. Georgieva hizo una desprejuiciada intervención, inusual entre los altos funcionarios del FMI. Sinceró que el “capitalismo está haciendo hoy más mal que bien en el mundo”. Y agregó que tiene una tremenda deuda global que “nos lleva a estar expuestos a la inestabilidad”.

Stiglitz repitió el diagnóstico rotundo que ha expuesto ya en anteriores declaraciones y columnas de opinión. Sostuvo que el capitalismo está en crisis y debe ser reformado. Y que “el crecimiento de las desigualdades, la destrucción del ambiente, la polarización de nuestras sociedades y el permanente descontento no pueden ser negados”. Para luego rematar: “El fundamentalismo de mercado y la agenda neoliberal han dominado por 4 décadas y han fracasado”.

El Papa Francisco, por su parte, brindó una alocución que inició con una dura advertencia. Dijo: “El mundo es rico y sin embargo los pobres aumentan a su alrededor”. Colocó luego una fuerte crítica al funcionamiento de la economía global, que se desdobló hacia el plano de sus consecuencias sociales. Y enfáticamente afirmó que “no existe un determinismo que nos conduzca a la inequidad universal. Permítanme repetirlo: no estamos condenados a la inequidad universal”.

Estas advertencias y diagnósticos son congruentes con un amplio espectro de acontecimientos  que retratan los trastornos actuales de la globalización económica bajo gobernanza neoliberal y sus secuelas políticas y sociales. Entre otros:

– La interdependencia compleja entre Estados y economías nacionales diversas que alcanzó inicialmente la globalización se encuentra menguada y /o interrumpida en la actualidad.

– El multilateralismo otrora predominante hoy tambalea, como ejemplifican el retiro de Estados Unidos del Tratado de París sobre asuntos climáticos; los desacuerdos dentro del G20 que minimizan su agenda y el estancamiento que atraviesa la Organización Mundial de Comercio.

– El desarrollo de conflictos comerciales, financieros y tecnológicos entre Estados Unidos y China.

– El abandono de la gran potencia del norte –de la mano de Donald Trump— del Acuerdo Transpacífico de Comercio y de la Asociación Transatlántica para el Comercio, que se encontraba aun en gestación.

– El pandemónium en que se ha convertido la Unión Europea, al que se ha sumado recientemente el Brexit.

– Las movilizaciones y protestas sociales antiglobales que aquejan a diversos países y la recomposición de escenarios políticos que han dado lugar al inesperado surgimiento de gobiernos de centroderecha.

A todo esto hay que agregar la existencia de unos teatros de guerra persistentes y de un espeso clima belicista a escala mundial, que se acompaña de unas geopolíticas cada vez más desembozadas, entre las que destaca especialmente la norteamericana.

Todo lo aquí indicado son síntomas que abonan la hipótesis de que la globalización y su gobernanza tal como se ha conocido hasta hora, se encuentran en un cono de sombra parecido a un ocaso.

 

Brasil y Chile

En este contexto, Brasil y Chile navegan coyunturas divergentes que conviene examinar.

Brasil padeció el golpe blando que derrocó a Dilma Rousseff en mayo de 2016 y poco después, el encarcelamiento de Lula da Silva. Quedó abierto así el camino de regreso a un régimen neoliberal, opción que había sido descartada por los exitosos gobiernos del Partido de los Trabajadores (PT). Esta operación en dos etapas, impulsada por un cuadrilátero integrado por un grupo de medios, por los militares, por diversas agencias de los Estados Unidos y por el Partido Socialdemócrata Brasileño y el Movimiento Democrático Brasileño (MDB), culminó con la elección como presidente del exótico Jair Bolsonaro,  un viejo nacionalista de centroderecha que simultáneamente profesa un marcado fundamentalismo de mercado.

Como bien ha definido Eric Nepomuceno , Bolsonaro destrozó a Brasil en 400 días. Profundizó el Programa de Desestatización impulsado inicialmente por Michel Temer en busca de una ampliación de la privatización de empresas nacionales y abrió las puertas a la explotación privada del petróleo offshore. Arrasó con los programas y políticas sociales establecidos por los gobiernos del PT. Descuajeringó la largamente elaborada política exterior autonómica brasilera. Y entre otros objetivos va por la explotación de la Amazonia y la evangelización de los pueblos originarios que todavía la habitan. Su fundamentalismo neoliberal y su furioso alineamiento subordinado no están dejando títere con cabeza. Practica con enjundia la ortodoxia de un converso.

Chile fue pionera en incorporarse a la globalización en Sudamérica, con cierto éxito en el plano estrictamente económico. Ocurrió bajo la dictadura de Augusto Pinochet y  se continuó bajo los gobiernos democráticos que le siguieron, sin mayores conflictos, asentada sobre una transición pactada, que incluyó la aceptación de la Constitución de 1980 impuesta por Pinochet manu militari, es decir, por decreto.

Este largo decurso entró en crisis en octubre del año pasado. Una tras otra fueron desarrollándose combativas protestas y movilizaciones populares centradas en reivindicaciones específicas: el costo del transporte, de la educación, del esparcimiento y de la vida cotidiana  en general. Fueron, asimismo, fogoneadas por el ácido hastío resultante del endeudamiento crediticio al que la gente se veía obligada a recurrir debido a sus bajos ingresos, entre otros motivos. Las calles de las principales ciudades de Chile fueron ganadas por una persistente protesta cuyo cimiento principal era y es la inequidad. Las muchedumbres insurgieron contra las políticas gubernamentales a partir de reclamos y exigencias específicas. Pero también, por carácter transitivo, contra los fundamentos y las políticas filo-globalizadoras que habían sido sostenidas tanto los partidos del centroderecha como los de centroizquierda.

En tan sólo cuatro meses, el apoyo al Presidente Sebastián Piñera quedó reducido al 6%, según una encuesta del Centro de Estudios Políticos realizada en enero de este año. A mediados de noviembre, se vio obligado a convocar una consulta nacional denominada Plebiscito Nacional 2020, que se realizará el próximo 26 de abril. El electorado deberá decidir si aprueba o no una reforma constitucional  y si los miembros de esa convención constituyente se elegirán, todos, por voto directo o si se apelará a una fórmula mixta: 50% elegidos por voto directo y 50% de miembros del actual Congreso.

 

Final

Es curiosa y desafiante –en términos intelectuales— la contraposición de los casos brasileño y chileno. Brasil se ha lanzado de lleno a incluirse en un modelo de globalización que recula y tambalea. Chile, en cambio, se ve abrumada por una protesta social que ha puesto en la picota al modelo filoglobalista instalado por Pinochet y parece haberle marcado un límite definitivo. ¿Cómo seguirán estas historias que quizá muestren posibilidades y alternativas al resto de los países sudamericanos?

Brasil corre sin mesura ni duda, nuevamente, al encuentro de una globalización que día tras día está dejando de ser lo que era. El bolsonarismo parece desdeñar la posibilidad de que aquella haya alcanzado un punto de inflexión y de que se encuentre a las puertas de un proceso de cambio. Chile, por el contrario, más allá de la tendencia a la retranca de su sistema político, impulsada por las protestas y las movilizaciones que la recorren, probablemente encare un aggiornamento de su manera de estar en el mundo y de intervenir sobre la cuestión social.

Es difícil escudriñar el porvenir. Tanto más cuanto que los apetitos geopolíticos de las grandes potencias –con niveles de enfrentamiento altos, hoy— en particular, la de aquella que nos toma por “patio trasero”, probablemente no repararán ni en formas ni en procedimientos. Habrá que ver también cómo influye esto sobre la curiosa situación que se presenta: Brasil parece pugnar por regresar al pasado en tanto que Chile anda en busca de salir de aquél y de encontrar nuevos aires. Así las cosas, valdrá la pena prestarle atención a estos procesos divergentes.

 

Acesso: http://www.elcohetealaluna.com/brasil-y-chile-caminos-divergentes/?fbclid=IwAR2y9ucDK_Zv68r0SCm2YRxrfsqn4_DB7cmfe2dlXuW7bdOaeutuKORk9hk

Série Especial de entrevistas discute a nova versão dos Documentos de Defesa Nacional

Entrevista Prof. Dr. Alcides Costa Vaz (UnB)

Na primeira entrevista de nossa Série Especial sobre os novos Documentos de Defesa brasileiros, o Professor Dr. Alcides Costa Vaz (UnB) faz uma apresentação sobre os principais pontos de mudança e inflexão nas novas versões, além de abordar as relações entre Academia, Governo e Forças Armadas no país e a cooperação em Defesa e Segurança no âmbito da América do Sul. ​O Prof. Dr. Alcides Costa Vaz é graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), com mestrado pela mesma instituição e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor no curso de Relações Internacionais da UnB e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) (http://lattes.cnpq.br/6295515302675804).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Jorge Rodrigues (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Prof. Dr. Paulo Fagundes Visentini (UFRGS)

Na segunda entrevista, conversamos com o Professor Dr. Paulo Fagundes Visentini (UFRGS) sobre o entorno estratégico brasileiro na nova versão dos documentos, com enfoque no Atlântico Sul. Também aborda as relações do Brasil com os países africanos, o lugar da África na Política Externa brasileira e projetos de inserção e cooperação no âmbito da Defesa. ​O Prof. Dr. Paulo Gilberto Fagundes Visentini é graduado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com Mestrado em Ciência Política pela mesma instituição. Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics (Inglaterra). Atualmente é Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professor Visitante no NUPRI/USP, da Universidade de Leiden (Holanda), Universidade de Cabo Verde, Instituto de Relações Internacionais (Moçambique), Universidade de Oxford (Inglaterra) e Universidade de Veneza CaFoscari (Itália) (http://lattes.cnpq.br/2013094835500963).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas

 

Entrevista Prof. Dr. Paulo Pereira Santos (UNIFA)

Em mais uma entrevista da Série Especial Documentos de Defesa, o Professor Dr. Paulo Pereira Santos (UNIFA) que aborda os principais desafios e oportunidades para o setor Aeroespacial brasileiro, assim como as questões de gênero nas Forças Armadas. O Prof. Dr. Paulo Pereira Santos é Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É Professor da Universidade da Força Aérea (UNIFA) e do Mestrado em Ciências Aeroespaciais da instituição, onde coordena a disciplina de Seminários de Pesquisa. Faz parte também do Centro de Estudos Estratégicos da UNIFA (http://lattes.cnpq.br/9030207975485748).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Prof. Humberto Lourenção (AFA/UNIFA)

Nessa entrevista, o Professor Dr. Humberto Lourenção (AFA/UNIFA) trata da forma como a Amazônia é abordada nas novas versões e os principais desafios para esta região, as relações civis-militares no Brasil e as oportunidades e inflexões para o desenvolvimento de projetos aeroespaciais no país. O Prof. Dr. Humberto Lourenção é graduado em Filosofia e Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Possui Pós-doutorado em Ciências Militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Research Fellow na National Defense University (NDU-EUA) É atualmente Professor Associado III na Academia da Força Aérea e professor de Ciência Política do Programa de Mestrado em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea (UNIFA) (http://lattes.cnpq.br/1778251358380714).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Jorge Rodrigues (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Prof. Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguilar (UNESP)

Na entrevista, o Professor Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguilar (UNESP) aborda a temática das Operações de Paz nas novas versões dos documentos, além de fazer um balanço sobre a participação brasileira na MINUSTAH (Haiti) e com o seu encerramento quais as perspectivas para os efetivos envolvidos com esta missão e possibilidades de participação em outras sob o mandato da ONU. O Prof. Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguilar possui Graduação em Ciências Militares na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), Mestrado em Integração Latino-Americana na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Pós-doutorado em Segurança Internacional pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e é Livre-Docente em Segurança Internacional na UNESP. É Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UNESP, Campus de Marília, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC- SP) e do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais (UNESP/Marília). Foi observador da ONU na United Nations Peace Force na Bósnia-Hezergovina e na United Nations Transnational Administration for Easter Slovania na Croácia durante a guerra-civil na antiga Iugoslávia (http://lattes.cnpq.br/7971139957298760).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Prof. Dr. José Miguel Arias Neto (UEL)

Nesta edição da Série especial Documentos de Defesa, contamos com a presença do Professor Dr. José Miguel Arias Neto (UEL), que aborda a relação entre militares e desenvolvimento tecnológico no Brasil, os impactos para os setores tecnológicos que decorrem desta relação e como esta temática está sendo abordada nas novas versões dos Documentos de Defesa. O Prof. Dr. José Miguel Arias Neto é graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), possui mestrado e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou estágio pós-doutoral em Estudos Estratégicos na Universidade Federal Fluminense e no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). É atualmente Professor Associado de História Contemporânea na Graduação em História e Docente do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (http://lattes.cnpq.br/4096402583066476).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Profa. Dra. Ariela Diniz Leske (ECEME)

A Série Especial Documentos de Defesa recebe nesta entrevista a Professora Dra. Ariela Diniz Leske que nos apresenta como as novas versões dos Documentos de Defesa tratam a Base Industrial de Defesa (BID), quais os desafios e avanços na última década e qual a importância deste setor para o desenvolvimento nacional. A Prof. Dra. Ariela Cordeiro Diniz Leske é graduada em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com Mestrado em Economia pela mesma Instituição. Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é Professora e Pesquisadora da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) (http://lattes.cnpq.br/3597964998395390).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Prof. Dr. Marcos Barbieri (UNICAMP)

Em mais uma entrevista da Série Especial Documentos de Defesa, recebemos o Professor Dr. Marcos Barbieri (UNICAMP) para tratar da Base Industrial de Defesa (BID) nas novas versões. Também nos explica a importância do Governo e das empresas na promoção de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PDI, as relações sobre este desenvolvimento nos projetos de inserção internacional do Brasil, assim como a relação do país com seus vizinhos no âmbito da cooperação e as oportunidades e desafios para a Indústria de Defesa. O Prof. Dr. Marcos José Barbieri Ferreira é graduado e Mestre em Ciências Econômicas pelo INstituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutor em Teoria Econômica pela mesma instituição. Especialista em Organização Industrial pelo Institut Aéronautic et Spatial (IAS) em Toulouse, França. É Professor de Economia do Instituto de Economia da UNICAMP e coordena o Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa (LabA&D) desde 2013. Recebeu da Presidência da República em 2012 o título de Membro da Ordem do Mérito Militar, grau de Cavaleiro (http://lattes.cnpq.br/8059777565985852).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

 

Entrevista Profa. Dra. Érica Winand

Na última edição da Série Especial sobre as novas versões dos Documentos de Defesa brasileiros contamos com a participação da Professora Dra. Érica Winand (UFS), que aborda as novas versões dos Documentos de Defesa, com foco em Cooperação Regional e Política Externa. A Prof. Dra. Érica Cristina Alexandre Winand é bacharela em História e Mestre e Doutora em História e Cultura Política, com ênfase em História militar, da Guerra e das Relações Internacionais, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). É Professora Adjunta IV do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Docente da Pós-Graduação em Gestão e Modernização da Segurança Pública (RENAESP/UFS). Pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e líder do Grupo de Estudos Comparados em Política Externa e Defesa (COPEDE). Foi secretária adjunta da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) na gestão 2012-2014. Foi Secretária Executiva da mesma Associação (2014-2015). Exerce o cargo de Diretora Financeira Adjunta da ABED (gestão 2016-2018) (http://lattes.cnpq.br/1898444282498966).

Entrevista: Victor Teodoro (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Gravação: Ronaldo Canesin (Mestrando PPGRI San Tiago Dantas)

Memória e verdade: sobre a necessidade de manter acesa a história da resistência ao autoritarismo

Os ataques de Jair Bolsonaro à memória dos presos políticos, torturados e executados pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985) devem ser interpretados como um assalto à democracia brasileira. Seria ingênuo afirmar que as manifestações raivosas e mentirosas do presidente quanto à memória de Fernando Santa Cruz são o ápice de uma comunicação verborrágica e que demonstra o desafeto de Bolsonaro às instituições democráticas. A carreira política do capitão da reserva do Exército brasileiro foi erigida sobre declarações e posicionamentos violentos e inverossímeis; não é inusitado antever a recorrência de falas virulentas. Listamos a seguir alguns dos episódios indignantes de louvor do atual presidente da República ao autoritarismo.

O atual chefe do Executivo constantemente se apresentou como uma personagem afeita à ditadura militar brasileira. Antes de assumir a presidência em 2019, Jair Bolsonaro afirmou que a ditadura brasileira deveria ter executado um número maior de seus oponentes políticosostentou imagens repugnantes de chacota à busca de ossadas dos combatentes da Guerrilha do Araguaia, e celebrou solitariamente o golpe de 1º de abril de 1964 em frente ao Ministério da Defesa, no ano de 2013.  Durante o rito do impeachment, o voto de Bolsonaro foi precedido de louvores ao reconhecido torturador da ditadura militarCarlos Alberto Brilhante Ustra, responsável, dentre outras dezenas de vítimas, pela tortura da presidenta Dilma Rousseff.

Marca de sua campanha, a falta de compromisso com a memória e a verdade histórica também se fez presente ao zombar da tortura e execução do jornalista Vladimir Herzog 1975, na sede do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na cidade de São Paulo. Na ocasião, Bolsonaro afirmou: “suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”. Os fatos contrariam as alegações de Bolsonaro. O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela falta de investigação e responsabilização dos torturadores de Herzog. Após ser empossado presidente da República, a postura de Bolsonaro permaneceu inalterada. Ao final do mês de março, determinou que o Ministério da Defesa realizasse celebrações nas unidades militares em referência ao início da ditadura militar. O 31 de março havia sido retirado do calendário oficial de comemorações das forças armadas em 2011, no governo Rousseff – mais de duas décadas após o fim do regime. Em julho, contrariou a história da repressão no país, e mesmo documentos oficiais do Estado, ao negar a tortura sofrida pela jornalista Miriam Leitão e a execução de Fernando Santa Cruz. As declarações foram acompanhadas de caracterizações pejorativas das vítimas, atribuindo-lhes a participação em movimentos da resistência armada à ditadura brasileira. Quando questionado acerca da inverossimilhança das declarações, o chefe do Executivo afirmou que os documentos históricos em relação aos mortos durante a ditadura militar são “balela”.

A comunicação verborrágica – que revela a covardia de enfrentar a verdade – também resulta em políticas materiais. Um decreto assinado por Bolsonaro e pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, determinou a alteração de 4 dos 7 membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. A nova composição da comissão responsável por investigar crimes da ditadura passa a contar com militares e filiados do Partido Social Liberal (PSL). Em agravo, entre os novos integrantes há defensores do período autoritário, como o deputado federal, Filipe Barros (PSL-PR).

O revigoramento das narrativas estapafúrdias sobre a ditadura militar no Brasil pode ser parcialmente atribuído à incapacidade em investigar os crimes do regime autoritário e responsabilizar seus autores. O empenho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) permitiu desnudar parte das violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Instituída durante o governo Rousseff a partir da Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, a CNV teve como objetivos centrais a efetivação do direito à memória e à verdade histórica e a reconciliação nacional.

A proposta de uma comissão que investigasse os crimes da ditadura remonta ao ano de 2004, quando o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou a organização do Arquivo da Intolerância, cuja função era tornar público o acesso documentos referentes a torturas, prisões e desaparecimentos ocorridos durante o regime militar e que estivessem sob a tutela do Estado brasileiro. Entretanto, o decreto 4.553 assinado na última semana do governo de Fernando Henrique Cardoso, aumentou o prazo de duração da classificação de documentos ultrassecretos para 50 anos renováveis indefinidamente, “de acordo com o interesse da segurança da sociedade e do Estado”. A conjuntura política à época, somada ao debate público que surgiu sobre o tema e às barreiras impostas pelas forças armadas, postergaram a efetivação do projeto do presidente Lula (SAINT-PIERRE; WINAND, 2007, p. 69).

A comissão atuou durante o governo Rousseff, em meio a debates relacionados à revisão da Lei da Anistia brasileira (1979) e ao aniversário de 50 anos do golpe de 1964. Temas sensíveis trabalhados pela Comissão, como a execução dos componentes da Guerrilha do Araguaia e a participação brasileira na Operação Condor, estiveram entre os debates da CNV e foram divulgados pelos principais veículos de comunicação do país à época. A operacionalização da CNV, contudo, foi seguidas vezes obstaculizada pelas forças armadas brasileiras, interessadas em evitar o acesso e a divulgação de documentos que comprovassem sua responsabilidade na repressão violenta (WINAND; BIGATÃO, 2014).

Após mais de dois anos de extensivos trabalhos de pesquisa documental e coleta de depoimentos, a Comissão publicou em três volumes seu relatório final, entregando-o em 10 de dezembro de 2014. De lá para cá, mesmo as aparentemente incontestáveis e exequíveis recomendações ali permaneceram. Apesar dos esforços de investigação e identificação dos responsáveis conduzidos pela CNV, seu empenho não ecoou entre representantes políticos e seu eleitorado. A onda autoritária contemporânea no Brasil aderiu a narrativas deturpadas sobre o período ditatorial.

Os projetos brasileiros para a conservação da memória e para a garantia do direito à verdade em relação à ditadura militar permanecem tímidos diante da ação de outros Estados para a preservação da história de regimes autoritários. Em outros países sul-americanos, assim como nos países que outrora foram ocupados pelo fascismo e o nazismo na Europa, a marca indelével da violência de regimes autoritários é reavivada no cotidiano como sinal de respeito às vítimas do passado e lembrete às novas gerações. Para além das comissões da verdade instaladas ainda na década de 1980, Argentina, Chile e Uruguai, sediam edificações destinadas à preservação da história dos regimes autoritários. Um olhar para essas experiências internacionais pode contribuir para aventarmos iniciativas de preservação da verdade no Brasil.

No Chile, o Parque por La Paz Villa Grimaldi, resignificou um centro de sequestro, tortura e extermínio gerido pela Dirección de Inteligencia Nacional. Na cidade de Santiago, o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos garante visibilidade às violações de direitos humanos cometidas pelo Estado entre 1973 e 1990 e tem como missão estimular debates para que as atrocidades da ditadura de Pinochet não se repitam. Na Argentina, o Archivo Provincial de la Memoria, na cidade de Córdoba, é apenas um dos monumentos de preservação da história recente de autoritarismo e violência. Em Buenos Aires, o Parque de la Memoria recorda “as vítimas do terrorismo de Estado”; enquanto o Museo de la Memoria de Rosário mantém vívida a memória das crianças sequestradas pelo Estado argentino. Em Montevideo, no Uruguai, o Centro Cultural Museo de la Memoria possui uma exposição permanente com objetos, fotografias e documentos que retratam as prisões, a resistência popular e o exílio.

Que seja inequívoco: a defesa dos valores democráticos demanda posturas intransigentes diante da ressaca do autoritarismo. Hoje, esse movimento requer um inabalável apreço pela verdade e um profundo respeito pela memória daqueles que, lutando pelo retorno da democracia e da liberdade, foram aprisionados, torturados ou executados pela ditadura. O resguardo da verdade histórica contribui para a identificação dos arroubos autoritários e de suas manifestações violentas no presente e evita o seu ressurgimento erigido com base em narrativas distorcidas.

 

Referências Bibliográficas:

SAINT-PIERRE, Héctor Luis; WINAND, Érica. O legado da transição na agenda democrática para a Defesa: Os casos brasileiro e argentino. IN: Controle civil sobre os militares e política de defesa na Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguay. Org: Héctor Luis Saint-Pierre. São Paulo: Editora UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, Unicamp, e PUC-SP, 2007.

WINAND, Érica Cristina A.; BIGATÃO, Juliana P. A política brasileira para os direitos humanos e sua inserção nos jornais: a criação da Comissão Nacional da Verdade. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos. v. 2, n. 2. 2014. p. 41-52.

 

Leonardo De Paula e Laura Donadelli são pesquisadores do GEDES e, respectivamente, mestrando e doutoranda pelo PPG RI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP).

 

Imagem: Comissão Nacional da Verdade. Por: Júlia Lima/ PNUD Brasil.

As violências contra crianças e adolescentes no Brasil

Nos últimos tempos, brasileiros e brasileiras que possuem importantes cargos políticos – como o próprio presidente, Jair Bolsonaro, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves e o ministro da Educação, Ricardo Vélez  – têm se manifestado sobre formas de proteger as crianças e os adolescentes no Brasil. Apesar da ênfase em se autoproclamarem defensores da infância e da adolescência, não se discute o que significa, de fato, protegê-las, e a quais formas de violência elas estão submetidas. Frases de efeito como “Nunca a infância foi tão atingida como nos dias de hoje” são repetidas à exaustão, fazendo com que levantar a bandeira da defesa das crianças e dos adolescentes torne-se um senso comum, com baixos esforços de reflexão e que diz pouco sobre as formas de violência na nossa sociedade brasileira. Refletir sobre as consequências e as manifestações da violência é um primeiro passo para elucidar essa situação.

Johan Galtung (1969; 1990), analista da violência e da paz cujo trabalho ganhou destaque na década de 1960, já pensava a conceituação da violência de forma ampla. O autor propôs que violência é o desequilíbrio entre a realização potencial e real das capacidades humanas. Em outras palavras, Galtung considera que há violência quando os indivíduos não conseguem desenvolver suas plenas potencialidades humanas – seja por um impedimento direto de um indivíduo sobre o outro ou por um obstáculo estrutural da sociedade que nega aos seres humanos condições de justiça social. Segundo esse raciocínio, a violência – física e psicológica – pode se expressar nas formas direta, estrutural e cultural.

A violência direta manifesta-se em ocasiões em que o sujeito e o objeto da violência são identificáveis como indivíduos concretos. Essa forma de violência expressa de forma mais explícita, por exemplo, em atos de violência de um indivíduo sobre outro, como em um assassinato, ataque com armas ou mesmo por meio de armas de destruição em massa. A violência direta impressiona e choca, pois é visível, preocupante, gera medo e insegurança pessoal. Pode ser percebida, identificada, denunciada e seus agentes punidos (GALTUNG 1969).

Não menos preocupante é a violência estrutural (ou indireta). Na concepção de Galtung, a estrutura da sociedade em que os indivíduos nascem os impede de desenvolver todo o seu potencial como humanos porque não lhes são dadas as mesmas oportunidades (FERREIRA, 2016; GALTUNG, 1969; 1990). Isso abarca as desigualdades sociais; as relações desiguais de poder; o acesso desigual a serviços básicos de educação e saúde; discriminação racial; discriminação de gênero; exploração econômica de uma classe social sobre as outras. A violência estrutural manifesta-se independentemente da existência de um indivíduo praticando atos diretos de violência sobre outro. Ela existe na estrutura das sociedades e está ancorada na injustiça social.

 Por sua vez, a violência cultural ocorre por meio de símbolos, imagens, religião, ideologia, discursos inflamados, “onipresença do retrato do líder”, hinos e paradas militares, linguagem e arte, padrões de comportamento e consumo (GALTUNG, 1990, p. 291). Ou seja, são valores produzidos de cima para baixo, aquilo que possui valor simbólico capaz de justificar a dominação das estruturas de violência e naturalizar a violência estrutural.  A combinação da violência estrutural com a violência cultural pode resultar na violência direta, no sentido em que as pessoas encontram formas de se rebelar contra esse sistema desigual, que as forçam a buscar soluções pela violência direta (GALTUNG, 1969; 1990).

Justamente por serem profundas e enraizadas na sociedade e não tão explícitas como atos de violência direta, as formas estrutural e cultural acabam por ficar menos visíveis nas análises sobre violência, permanecendo quase intocáveis em uma sociedade que pensa mais em formas paliativas de frear a violência direta, e menos em formas de realmente tratar a violência estrutural. Mais do que isso, frequentemente as violências estrutural e cultural não são sequer consideradas formas de violência, mas sim consequências naturais do mérito de uns e demérito de outros: os indivíduos em melhores condições socioeconômicas são merecedores de desfrutar tais benefícios de vida, enquanto os indivíduos que não possuem essas condições são culpabilizados por não atingirem esse mesmo patamar social.

Envolvidas por esses três tipos de violência estão as crianças e adolescentes. De fato, eles estão sujeitos à violência direta quando são vítimas de sequestros, assassinatos, tráfico de crianças, pedofilia, entre outros. Porém, mesmo as formas de violência direta os atingem de maneira discriminatória. As crianças e os adolescentes negros e de baixa renda são mais vulneráveis a esse tipo de violência. São vítimas da violência extrema do próprio aparelho de segurança estatal que, em tese, foi feito para defendê-los. Por meio de atos de repressão policial desproporcionais – como espancamentos e mortes – em periferias de centros urbanos, presencia-se a banalização da violência contra jovens negros e pobres.

As crianças e os adolescentes brasileiros já partem de níveis socioeconômicos muito distintos. A violência estrutural é expressa quando lhes é dada diferentes chances de acesso à educação, quando lhes é negada acesso a lazer e saúde (direitos que estão garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente). Ocorre também quando esse mesmo Estatuto não é visto como garantidor de direitos, mas como um malefício que deve ser descartado, pois incentivaria a “malandragem e a vagabundagem infantil”. Violência é utilizar crianças e adolescentes como instrumentos morais para espalhar notícias deturpadas que aprofundam ainda mais a naturalização da violência estrutural. Violência também é manipular e inventar (des)informações sobre a educação sexual e ao cercear o acesso dos jovens à educação sexual nas escolas (afetando principalmente as meninas, que são culpabilizadas pela gravidez indesejada).  A violência contra a criança e o adolescente manifesta-se ao naturalizar a morte de crianças e adolescente em favelas e tratá-los como bandidos. Por meio de símbolos culturais como discursos, imagens e cenas de ódio, além de incentivar crianças e adolescentes a utilizarem armas, a violência se faz presente ao naturalizar uma cultura de ódio e hostilidade.

Portanto, a violência consiste em negar o acesso às mesmas oportunidades de desenvolvimento, além de não promover o acesso a uma cultura que incentive a paz. Ademais, é subestimar a capacidade de agência dos jovens ao moldá-los sob a rigidez do ensino militarizado como melhor forma de educação sem, entretanto, discutir junto à sociedade que tipo de educação está sendo oferecida e como ela contribui para formar cidadãos críticos e pensantes e não apenas obedientes às formas de dominação cultural e estrutural.

  A proteção de crianças e adolescentes está relacionada a todas as políticas que incidem – direta ou indiretamente – sobre a infância e a adolescência, tais como o acesso a creches, direito a licença maternidade e paternidade, direitos trabalhistas para que os pais possam também ter condições de cuidar de seus filhos e filhas da melhor maneira. Logo, proteger crianças e adolescentes abarca também protegê-los desse tipo de violência estrutural, ou seja, fornecer condições para que toda a sociedade possa cuidar de nossas crianças e adolescentes e para que eles tenham plenas capacidades críticas para serem agentes de transformação mundial.

É preciso levar em consideração esse ambiente de constante violência direta, estrutural e cultural para entender que, mesmo quando crianças e adolescentes são agentes da violência direta – isto é, quando praticam atividades criminosas como furto, roubo, tráfico de drogas – muitos não o fazem por “vagabundagem e malandragem infantil”.  Fazem-no porque estão inseridos em uma estrutura social em que cometer atos criminosos apresenta-se como uma possível forma de sobrevivência e de driblar algumas manifestações da violência estrutural, visto que fornecem certo ganho econômico e um vislumbre de ascensão social.

 Ao enxergarmos o quanto as violências são complexas, variadas e profundas, concluímos que respostas simples para proteger crianças e adolescentes são ineficazes e insuficientes. Além disso, soluções simplistas propostas por autoridades brasileiras acabam sendo formas de perpetuar as violências, no sentido em que não proporcionam discussões construtivas que evidenciem a dimensão estrutural que a temática possui. Nesse cenário, crianças e adolescentes não conseguem atingir seus plenos potenciais para se tornarem, elas próprias, agentes de transformação no mundo.

 

Giovanna Ayres Arantes de Paiva é doutoranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC/SP) e pesquisadora no Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Referências bibliográficas:

GALTUNG, Johan. Violence, Peace and Peace Research. Journal of Peace Reasearch, v.6, n.3, 1969.

_____. Cultural Violence. Journal of Peace Reasearch , v. 27, n.3, 1990.

FERREIRA, Marcos Alan. Contemporaneidade dos Conceitos de Paz e Violência em Johan Galtung e sua aplicabilidade para a América do Sul. In: Winand, E.; Rodrigues, T. and Aguilar, S. Defesa e Segurança no Atlântico Sul. Aracaju: UFS Press, 2016.

Imagem: CC/ Gustavo Minas.

A retomada das negociações entre Brasil e EUA para utilização da base de Alcântara: elementos da conjuntura recente para um possível desfecho

O debate sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos é realizado, muitas vezes, de forma tão imediatista e com tanta animosidade que nem sempre ajuda a entender os interesses e objetivos envolvidos na negociação. O assunto, que por alguns anos ficou adormecido na mídia e entre os atores políticos, foi retomado recentemente e pode estar prestes a ter um desfecho. Por isso, é válido partir de uma visão do quadro mais amplo em que as negociações estão acontecendo para se ter uma ideia do que está – e do que não está – envolvido no acordo.

Primeiramente, deve-se ter em conta que o conceito de acordo de salvaguardas tecnológicas não é algo definitivo, nem do ponto de vista jurídico, nem do político. O que serve de base comum para se definir o que é um AST é seu objetivo principal: a proteção da propriedade tecnológica de uma das partes. No entanto, como isso vai ser articulado depende de cada caso. Assim, é possível que o documento final seja composto por cláusulas além da principal – cláusulas estas muitas vezes políticas, especialmente quando o objeto da negociação é relacionado com atividades militares. No primeiro AST assinado por Brasil e EUA, foram principalmente as denominadas cláusulas políticas que geraram os maiores entraves e a paralisação das negociações.

No entanto, o período de interrupção dos diálogos sobre o assunto de quase 20 anos não é decorrente apenas das discordâncias sobre o teor do documento. Houve uma mudança de prioridades, por parte do Brasil e dos EUA, que diminuiu a importância do tema de Alcântara na agenda das relações bilaterais. No lado brasileiro, assumiu maior destaque a parceria com a Ucrânia, com a qual o país também assinou um acordo de salvaguardas – que também teve controvérsias. Com essa parceria, retornava à agenda política o objetivo de promover atividades comerciais na base de Alcântara. Os EUA, por sua vez, estavam concentrados em atualizar as prioridades e as atividades da sua política espacial e, no que tange às questões internacionais, o foco era a competição política e comercial com Rússia e China.

Embora as notícias sobre um novo acordo sejam bastante recentes, os primeiros passos foram de fato realizados em governos anteriores. Nesse sentido, uma das primeiras medidas foi tomada no governo de Dilma Rousseff, em 2011, com a assinatura de um novo Acordo Quadro com os EUA em política espacial. Essa iniciativa visava atualizar as garantias jurídicas e os compromissos na matéria, uma vez que o primeiro acordo dessa natureza data do ano de 1996. Contudo, a principal medida para a retomada das negociações ocorreu logo após o impeachment de Rousseff, em agosto de 2016, quando o novo presidente, Michel Temer, encaminhou uma mensagem ao Congresso demandando a retirada da tramitação do primeiro AST, sendo que a aprovação da mesma ocorreu em dezembro do mesmo ano. A importância dessa ação é decorrente de que, desde 2001, o acordo não havia sido cancelado, mas apenas se encontrava paralisado no Congresso. Sem seu cancelamento efetivo, uma nova negociação não poderia ser feita. Desse modo, foi o governo Temer o responsável por recolocar, na agenda do programa espacial brasileiro, as discussões sobre a utilização da base de Alcântara pelos EUA.

Ainda no governo Temer, dois outros acontecimentos constituem antecedentes fundamentais para a tônica da velocidade das negociações sobre um novo AST. Primeiramente, no final de 2017, a base recebeu a visita de representantes de empresas estadunidenses do ramo, como a Boeing Co e a Lockheed Martin Corp, que se destacam no campo de lançamento de foguetes de grande porte, como a Vector, uma das principais na área de lançamento de microssatélites. Em segundo, a assinatura do acordo de cooperação em segurança de voos espaciais e fornecimento de serviços e informação, também conhecido como Space Situation Awareness (SSA – Consciência Situacional Espacial, em português), em 2018. Trata-se de um compromisso com o objetivo de divulgar a situação do domínio espacial de cada país e aumentar a segurança dos lançamentos espaciais, para evitar colisões, por exemplo. Esses dois eventos demonstram como, em dois anos, o interesse mútuo por um novo acordo ficou tão acentuado que gerou rápidas negociações em questões tangenciais.

De fato, para que o objetivo de promover atividades comerciais na base de Alcântara seja concretizado, é importante firmar um AST com os EUA, que se mantém um dos principais países no comércio internacional de tecnologia e serviços espaciais. Contudo, a assinatura do acordo não será a solução dos problemas da base – e do programa espacial brasileiro – por duas questões principais: em primeiro lugar, é fundamental que o acordo firmado supere os dilemas políticos que sobressaíram no acordo passado, especialmente nos entraves à aplicação dos recursos ao programa espacial e às restrições à cooperação com outros países – cabe ressaltar, por exemplo, a China, que embora ainda não tenha conquistado a predominância que os EUA tem no setor, desponta em áreas que esse país apresenta algumas deficiências, além de ser um parceiro histórico do setor espacial brasileiro; em segundo lugar, tão ou mais importante que o AST é a melhora da infraestrutura da base. As poucas atividades realizadas nos últimos anos e a necessidade de melhorias e adequações das instalações da base para lançamentos de grande porte são questões que, no fim, podem oferecer restrições maiores – e que levariam mais tempo para serem solucionadas – às atividades comerciais do que a ausência de um AST com os EUA.

Adriane Almeida é mestre pelo PPGRI San Tiago Dantas e pesquisadora do Gedes.

Imagem: CLA -Centro de Lançamento de Alcântara. Por: Força Aérea Brasileira.

Entrevista del Prof. Dr. Héctor Saint-Pierre a “La Paz en Foco”: Situación política de Brasil frente a la elección de Bolsonaro

 

El pasado 28 de octubre el exmilitar Jair Bolsonaro fue electo como presidente de Brasil, la principal economía de la región y el quinto país más grande en territorio en el mundo. La elección se da en medio de una gran controversia debido a las posiciones radicales de Bolsonaro frente a algunos temas que parecían ser indiscutibles, como los derechos de las minorías, el ambiente y libertades democráticas (como la libre prensa). En el presente programa hablaremos con Héctor Luis Saint-Pierre, uno de los expertos en geopolítica más reconocidos en la región.

 

Acceso en: http://untelevision.unal.edu.co/detalle/cat/la-paz-en-foco/article/situacion-politica-de-brasil-frente-a-la-eleccion-de-bolsonaro.html?fbclid=IwAR1fdc-1PLH7vSNrd_hBiKG-qryLaPIcbc1pUQCC-V4vZ6vjkh_jTZ3R7wM

As imaginadas ameaças à Amazônia: a perspectiva militar sobre a preservação ambiental e os povos amazônicos

O início do mandato presidencial de Jair Bolsonaro foi submetido a um minucioso escrutínio pelos grandes veículos de mídia brasileiros e pela oposição. Para além das investigações em torno do núcleo familiar, resultou da atenção conferida aos primeiros passos do novo governo uma série de ruídos em torno dos ministros de Estado. Distando das expectativas de discrição e sigilo que se avolumam em torno das ações estatais de inteligência, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tornou-se epicentro das reportagens ao incluir a realização do Sínodo Amazônico, um encontro sobre a região amazônica realizado pela Igreja Católica em Roma, como uma preocupação à soberania nacional.

Assinala-se, no entanto, que o pensamento militar sobre a região amazônica foi reiteradamente marcado por inquietudes em relação à presença de atores favoráveis à preservação ambiental e à promoção dos direitos fundamentais dos povos amazônicos. Em entrevista, o ministro do GSI, general Augusto Heleno, reforçou que os “palpites” de atores internacionais sobre as questões amazônicas constituempreocupação na pauta de segurança internacional. Uma nota de imprensa do ministério contribuiu para fomentar o ruído em torno da questão ao afirmar que, apesar de não investigar os membros do clero, a pauta amazônica permaneceria em voga nas ações do órgão. Em agravo, o GSI considerou o envolvimento do Itamaraty, para acompanhar debates no exterior, e do Ministério do Meio Ambiente, para identificar participações ocasionais de organizações não-governamentais e ambientalistas no Sínodo Amazônico.

O evento envolve um cronograma de reuniões de bispos católicos, convocados pelo Papa Francisco I para discutir a atuação da Igreja Católica diante dos obstáculos à ação eclesial por todo o globo. O documento preparatório para o evento de 2019 exortou as comunidades eclesiais a discutir questões como a preservação da diversidade ambiental e cultural da região e a vulnerabilidade dos povos amazônicos, temas vilipendiados no discurso e nas políticas concretas dos novos mandatários no Brasil. Recorda-se que o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, descreveu pejorativamente indígenas, quilombolas e ambientalistas em diversas ocasiões.

As políticas adotadas ao início de seu mandato presidencial corroboram o discurso negativo. A disposição em incluir a reunião eclesial como potencial ameaça à integridade territorial brasileira ocorre simultaneamente aos esforços econômicos liberalizantes traçados pelo governo, e especialmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O recurso ao argumento da soberania não ecoa na política irrefreável de privatizações e abertura ao capital internacional. Observa-se a emergência concreta de contradições entre diferentes grupos que compõem e sustentam o governo de Jair Bolsonaro.

É prudente indicar que as presidências de órgãos vinculados às questões agrárias, diretamente relacionados aos temas ambientais, foram distribuídas a oficiais das Forças Armadas. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), hoje subordinado ao Ministério da Agricultura, é presidido pelo general do Exército Jesus Corrêa; a Fundação Nacional do Índio (Funai) é atualmente presidida pelo general do Exército Framklimberg Ribeiro de Freitas. Esse último é suspeito de conflito de interesses por ter ocupado cargo em conselho consultivo de uma mineradora que atua no Pará após ter presidido a Funai entre maio de 2017 e abril de 2018.

A interpretação contravertida em relação às ações de movimentos sociais pela preservação ambiental e pelos direitos das populações locais, expressa na ação recente do GSI, não é recente e tampouco inovadora. A percepção militar em relação aos movimentos ambientais e indigenistas foi recorrentemente traçada através da designação de potenciais ameaças à integridade territorial brasileira nos movimentos favoráveis a medidas de proteção ambiental ou que clamassem por direitos dos povos amazônicos. A ideia da cobiça internacional pelo território amazônico está presente no pensamento militar sobre a região, atribuindo a esses atores o potencial de “desnacionalização” da Amazônia (MARQUES, 2007). A estratégia para evitar tais potenciais ameaças somou a vigilância das fronteiras e a ocupação populacional do território amazônico. Ressalta-se, no entanto, que essa estratégia de ocupação demográfica frequentemente ignorou a presença de comunidades indígenas, de ribeirinhos e outras populações amazônicas, demandando fluxos migratórios extraordinários para a sua conclusão.

A designação do Sínodo da Amazônia de 2019 como uma potencial ameaça para os interesses brasileiros no território amazônico divergiu a atenção a problemas latentes na região. Segundo o Atlas da Violência elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a região Norte teve o maior crescimento no número de homicídios no período entre 2006 e 2016. Em consonância com as estatísticas sobre homicídios na região, outro dado alarmante é o do aumento da violência no campo, ocasionado pelos conflitos por terras. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, no ano de 2017, Rondônia e Pará concentravam 54% dos 70 assassinatos no campo em todo o país. Ademais, é amplamente reconhecida a necessidade de desenvolver políticas púbicas de combate ao tráfico de drogas e à biopirataria.

Os dados referentes à depredação ambiental são igualmente alarmantes. Estatísticas recentes indicam o crescimento na taxa de desmatamento da região de floresta amazônica. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),  59% do desmatamento aconteceu em terras privadas ou de grilagem de áreas públicas, e, somente 15% do total são de terras indígenas. Em 2017, 46% das emissões de carbono no Brasil vieram da destruição de florestas, o que causa um agravamento do aquecimento do planeta.

Um conjunto variado de questões constitui preocupação mais urgente na agenda de preservação da Amazônia e de conservação dos interesses nacionais na região quando comparado à reunião eclesial a ser realizada em outubro de 2019. Em agravo, as soluções para essa miríade de problemas que incide sobre o território amazônico distam da proliferação da presença militar ou da promoção da ocupação demográfica. Nesse sentido, faz-se necessário promover ativamente políticas públicas que conciliem a preservação ambiental e os direitos das populações amazônicas diante do quadro de exploração irrefreável e insegurança cotidiana que se instala na região.

 

 

Leonardo Dias de Paula é mestrando em Relações Internacionais pelo PPG RI San Tiago Dantas e pesquisador do Gedes; Débora Reis é graduanda em Relações Internacionais pela Unesp-Franca.

 

Referência Bibliográfica:

MARQUES, Adriana Aparecida. Amazônia: pensamento e presença militar. Orientada por: Rafael A. Duarte Villa. 2007. 232 f. Tese (Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

Imagem: Vista Aérea da Floresta Amazônica. Por: Neil Palmer/CIAT.