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A “liderança” regional do Uzbequistão e as Reuniões Consultivas de Chefes de Estado da Ásia Central: progresso ou estagnação?

O Uzbequistão tem se destacado como um ator chave na Ásia Central, liderando as Reuniões Consultivas de Chefes de Estado, que buscam fortalecer a integração regional e promover o crescimento econômico.

Neste texto, Guilherme Geremias da Conceição, membro do CIRE, explora o papel do país como líder regional, analisando os obstáculos à integração e os fatores históricos que moldam a política centro-asiática. O autor aborda como a região enfrenta desafios tanto no campo da segurança quanto nas relações econômicas e culturais, ao mesmo tempo em que busca um caminho para consolidar uma identidade regional única.

Leia o texto completo para mais insights sobre a dinâmica da Ásia Central.

Cooperação Sino-Russa na Ásia Central

No dia 27 de maio de 2024, a professora Danielle Makio, docente do curso de Relações Internacionais da UNESP e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), participou de uma análise sobre os desdobramentos do encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping, discutindo os impactos tanto domésticos quanto globais dessa reunião. A conversa aconteceu com Pedro Costa Jr, Valdir Bezerra e Ana Lívia Esteves, no Observatório de Geopolítica da GGN.

Para acessar a notícia, clique aqui: O Xadrez Geopolítico da Ásia Central | Observatório de Geopolítica (27/05/2024)

A Ásia Central Pós-Soviética: 32 anos depois

Guilherme Geremias da Conceição*

Historicamente a Ásia Central foi uma região disputada por grandes potências, tendo em vista suas riquezas naturais e sua posição estratégica no coração da Eurásia[1]. Ainda assim, passadas três décadas desde o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da emancipação de cinco novos Estados no local, essa região permanece chamando pouca atenção dos estudiosos brasileiros dada à escassez de pesquisas disponíveis sobre o assunto. Mesmo que, com os desdobramentos recentes na política internacional, as perspectivas econômicas quanto ao uso de seu potencial exportador energético estejam sob análise, as características do desenvolvimento social da região, bem como a compreensão sobre os seus processos políticos, quando estudadas, continuam sendo conduzidas por um debate ocidental enviesado. Nesse sentido, com vistas a desfazer a aparência monolítica das repúblicas, este texto objetiva realizar um breve balanço sobre a Ásia Central pós-soviética, analisando seus projetos de integração regional e os posicionamentos internacionais adotados pelos países que compõem a região separadamente.

Uma vez que foram conservadas as fronteiras nacionais-administrativas, herdadas do período soviético, inúmeros problemas relacionados à distribuição de recursos, à infraestrutura, ao sistema de transportes e às questões étnicas eclodiram nas jovens repúblicas. Entregues a sua própria sorte, estas precisaram se estabelecer rapidamente enquanto Estados independentes sem a experiência de tê-lo feito anteriormente. Dessa forma, para os “cinco stãos” da Ásia Central, o fim da URSS significou enfrentar uma dura transição para o incerto e o desafio de organizar, em um curto período, quadros tecno-burocráticos e estruturas político-administrativas sem o respaldo prestado pela União anteriormente[2]. Embora alguns países da região tenham conseguido manter uma relativa estabilidade pós-1991 – o que não implica adoção de práticas democráticas ou a recusa de usar a violência contra opositores, como nos casos do Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão –, outros viveram momentos de conflito e tensão política desde os primeiros anos de emancipação, como foi a guerra civil no Tadjiquistão entre 1992 e 1997, e a instabilidade política pós-Revolução Colorida, ou “Revolução das Tulipas”, no Quirguistão entre 2005-2011 e 2017-2020 (Linn, 2004; Kubicek, 2011).

No tocante à política externa, os países da Ásia Central vêm se comportando de maneira pendular em relação às divergências territoriais que possuem entre si e às alianças bilaterais e regionais que firmaram durante os últimos trinta e dois anos. No caso tadjique, por exemplo, existe uma constante oscilação no relacionamento com os vizinhos Uzbequistão e Quirguistão. Enquanto, em 2018, Tashkent e Dushanbe discutiram sobre a cooperação industrial de defesa e exercícios militares conjuntos, em 2021, uma disputa por um corpo de água na divisa quirguiz se transformou em um dos confrontos fronteiriços mais graves desde 1991. No caso das relações, por vezes tensas, uzbeque-turcomenas, o Turcomenistão aceitou assinar a Convenção do Mar Cáspio em 2018 e trouxe uma resolução parcial para as disputas de fronteira com o Uzbequistão, com o qual mantém uma cooperação estratégica no setor energético. Podemos, ainda, considerar que embora o Estado turcomeno, rico em gás e autodeclarado “neutro”[3], e o Tadjiquistão possuam diferenças no quadro dos recursos naturais, ambos compartilham uma longa fronteira com o Afeganistão, principal produtor de heroína e ópio do mundo. Este fato, somado ao papel de rota para grupos extremistas, não somente destaca as fragilidades destes Estados como também o seu caráter de “escudos”, enquanto fiadores da segurança regional (Visentini, 2022; De Haass, 2017).

Por sua vez, o Quirguistão, conhecido como a “Suíça da Ásia Central” por abrigar as principais montanhas e bacias hidrográficas da região, tentou estabelecer uma política externa multidimensional concentrada em relações flexíveis com os Estados vizinhos. Mesmo que o início da década de 1990 tenha sido marcado por hostilidades com o Uzbequistão e o Cazaquistão, resultado da saída de Bishkek da zona do rublo, as três nações logo se aproximaram e criaram uma união econômica, a Comunidade Econômica da Ásia Central – hoje fundida com a União Econômica Eurasiática (UEE). Dessa forma, as disputas na fronteira uzbeque-quirguiz se estabilizaram na medida em que o Uzbequistão reconheceu a dependência dos recursos hídricos do vizinho e que o Quirguistão passou a necessitar do gás uzbeque. No mesmo sentido, o Cazaquistão apostou em uma inserção global multi-vetorial – em alguns momentos ocidentalizada. O país desenvolveu uma política exterior que equilibrou a triangulação Rússia-China-Estados Unidos no local ao mesmo tempo que sustentou as iniciativas de integração regional e a disputa velada pela hegemonia centro-asiática com o Uzbequistão.

O movimento conciliatório também foi adotado pelo Estado uzbeque recentemente. O país é o mais populoso e o único que compartilha fronteiras com os demais Estados da região, além de possuir a força militar mais especializada. Hoje, Tashkent, de maneira inversa ao modelo de inserção internacional tímido – e por vezes contraditório – desenvolvido desde o início da independência, busca cada vez mais a consolidação de relações bilaterais harmônicas, tornando-se novamente um player significativo para o xadrez geopolítico regional (Cornell; Starr, 2018; Toktogulov, 2022).

Como resultado do fim da Guerra Fria, os novos e instáveis países da Ásia Central também tiveram de lidar com uma série de atores internacionais dispostos a assentar sua presença na região, principalmente interessados em sua posição estratégica e nos recursos energéticos[4]. Abria-se, assim, um grande espaço para competição e concorrência entre atores locais e extrarregionais, com a entrada de países ocidentais na região e o sucesso de acordos para exploração de gás e petróleo, os quais deveriam compor com os países centro-asiáticos no decorrer dos anos 1990 em um movimento relacionado com a retração russa logo após o desmantelamento da URSS). Nesse sentido, Moscou não tardaria a retornar ao cenário com força total, principalmente porque busca controlar tais rotas de exportação via Comunidade dos Estados Independentes (CEI) ou via UEE. Já o esforço chinês de aproximação teria início em 1997 com a compra de direitos de exploração no Cazaquistão. Dependendo de importações de petróleo desde o começo dos anos 1990, Pequim procurava diversificar seus parceiros e diminuir a dependência das rotas marítimas de transporte (Cornell; Starr, 2018; Visentini, 2022).

Outros países também demonstraram interesse em fechar acordos com a Ásia Central. Entre eles estão Azerbaijão, Coreia do Sul, Índia, Irã, Paquistão, Japão e, mais recentemente, a Turquia, que busca capitalizar suas ligações culturais e étnicas com a região em troca de concessões econômicas e benefícios políticos (Toktogulov, 2022). Os Estados Unidos também aumentaram sua presença local no começo dos anos 2000, quando teve início a guerra ao terrorismo. A resposta americana aos ataques de 11 de setembro criou a necessidade de estabelecer pontos de apoio na conflagração contra o Afeganistão. Para tanto, Washington buscou parcerias com os países centro-asiáticos, estabelecendo bases militares em alguns deles. Esse contexto marca a aproximação entre os EUA e Uzbequistão, concretizada com a instalação na base de Karshi-Khanabad (K2). Processo semelhante foi desenvolvido com o Quirguistão através da criação de uma base (mansitcenter) localizada no aeroporto de Manas[5] (Schwirtz, 2011). No entanto, apesar dos esforços ocidentais de manter ativos esses canais de comunicação com os governos regionais, as pressões para a democratização e um possível epicentro de Revoluções Coloridas que se agregaram à presença dos EUA fez com que os regimes passassem a se sentir ameaçados.

Neste contexto, ocorre uma maior aproximação com a Rússia e a China, representados na figura da Organização para Cooperação de Xangai (OCX). Segundo Collins (2009), a criação da OCX[6] – uma evolução dos Cinco de Xangai – demonstra a existência de um espaço para cooperação em temas de segurança sem que os governos da Ásia Central percebam isso como uma ameaça. Isso se deve ao fato de que esses países teriam suas reivindicações contra movimentos radicais internos atendidas no âmbito da organização, como a Estrutura Antiterrorista Regional (SCO-RATS), sediada em Tashkent. Além disso, a OCX trabalha  em conjunto com a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), cujo mandato inclui a participação de sua Força Coletiva de Reação Rápida no combate ao terrorismo. Esta organização adjacente, fundada pela Rússia em 2002, conta com a participação da Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, e representa um forte pilar da influência do Kremlin na região (Visentini, 2011).

Como um último elemento-chave para entender o núcleo eurasiano pós-soviético, vale mencionar o desenvolvimento do que se convencionou chamar de Nova Rota da Seda ou Belt and Road Initiative (BRI). O conjunto de ambiciosos projetos de construção de rodovias, ferrovias, gasodutos e oleodutos hoje representa a incontestável conexão entre a infraestrutura chinesa e as repúblicas da Ásia Central. Estima-se que, entre 2013 e 2020, a quantidade total de investimentos chineses no Cazaquistão no âmbito da BRI foi de US$18,69 bilhões destinados ao setor de energia, transporte e mineração. Enquanto as empresas chinesas representam atualmente um terço do total de investimentos estrangeiros no Quirguistão, e participam a níveis superiores a 50% na dívida externa do Tadjiquistão. Os números são também expressivos no Uzbequistão, onde o IDE chinês foi de US$3,9 bilhões nos últimos três anos e tende a duplicar até 2025 (Gerstl; Wallenböck, 2020).

Ainda que de maneira mais tímida, o Turcomenistão também integra a estratégia de Pequim por meio do gasoduto Ásia Central – o qual conecta os campos Bagtyyarlyk e Iolotan ao coração da China, via Uzbequistão – e do Corredor Norte-Sul – que liga Rússia, Cazaquistão, Turcomenistão e Irã –, além da ferrovia Lapis Lazuli, que visa integrar o Afeganistão de volta ao comércio global por ligações com Azerbaijão, Geórgia e Turquia. A linha férrea também está prevista para conectar o Estado turcomeno ao Uzbequistão no Norte, ao Paquistão no Sul e a portos como Gwadar, no Golfo Pérsico (Gerstl; Wallenböck, 2020).

No entanto, se tratando de uma região com tamanha importância política, são inúmeros os desafios para o futuro da Ásia Central e seus projetos de integração. Diante dos últimos acontecimentos no Cazaquistão (2022) e do histórico deixado pelas Revoluções Coloridas desde a década de 2000, uma desestabilização efetiva no Quirguistão, por exemplo, poderia preparar terreno para a radicalização da rivalidade Sul no país, região de fronteira com o Tadjiquistão, e para a difusão de combatentes jihadistas visando o Uzbequistão e Xinjiang, na China[7]. Caso fosse o epicentro de uma revolta, o Estado turcomeno – que se encontra no centro dos interesses energéticos da China, de segurança imediata do Irã e de profundidade estratégica da Rússia – também poderia fragilizar a integração eurasiana, principalmente porque sua neutralidade internacional impediria o fornecimento de assistência militar multilateral no âmbito da CSTO ou da OCX[8]. Outro cenário provável, seria um distúrbio generalizado no Uzbequistão, mais especificamente na região autônoma do Karakalpakstão, o que poderia não somente irradiar a instabilidade para toda Ásia Central, por conta de sua localização, como também ressuscitar células do Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU)[9], que durante a “Guerra ao Terror” dos EUA no Afeganistão estiveram escondidas no Paquistão.

Com isso, nota-se que a Ásia Central enquanto região, mas também levando em consideração seus atores estatais e suas agendas externas independentes, passou a ser uma peça importante na estruturação dos cenários estratégicos internacionais. Seja pelo viés econômico, no âmbito dos recursos naturais que possui e em seu potencial de escoamento, ou pelas considerações político-securitárias, as quais envolvem o radicalismo de alguns grupos que agem na região e sua posição “pivotante”, conforme já defendido pelo geoestrategista britânico Halford Mackinder, em 1919 (MELLO, 1999). Nesse sentido, mesmo que as repúblicas centro-asiáticas sejam, comumente, caracterizadas pelo autoritarismo e apresentem similaridades ao ponto de serem analisadas em conjunto, os cinco Estados têm percorrido caminhos autônomos e alternativos entre si, bem como na perseguição de seus objetivos de desenvolvimento político e econômico, oscilando entre aliança e rivalidade. Dessa forma, se faz extremamente importante ressaltar o papel destes países para o resto do mundo, considerando o seu peso geopolítico e suas particularidades no cenário da integração eurasiana atual.

[1] Não por acaso, a famosa Rota da Seda tinha o espaço hoje formado pelos países centro-asiáticos como um de seus trechos de maior proeminência.

[2] Outro assunto de extrema importância para os países da Ásia Central é a gestão das águas na região e a consequente exploração de seu potencial hídrico, concentrado principalmente no Quirguistão e no Tadjiquistão. O compartilhamento de fluxos de água pelas repúblicas implica uma gestão compartilhada dos recursos, limitando assim o impacto que obras de irrigação e hidrelétricas poderiam ter sobre os países que repousam no baixo curso dos rios.

[3] Apesar dessa condição, o Turcomenistão mantém relações comerciais significativas com os EUA, Rússia, Irã e um crescente comércio transfronteiriço com o Afeganistão. Nesse sentido, o governo turcomeno parece aproveitar-se dos interesses – muitas vezes – conflitantes desses atores como meio de extrair concessões, especialmente em questões de energia.

[4] No que diz respeito ao petróleo e ao gás passíveis de exploração na Ásia Central, o estabelecimento de acordos multilaterais e bilaterais deram origem a uma rede de gasodutos e oleodutos ligando a região ao Ocidente e Oriente, seja através da Rússia – continuidade das tradicionais rotas de transporte – ou de novos caminhos e parceiros. Muitos projetos ainda estão em discussão e disputam o apoio dos governos regionais. Nesse sentido, ainda resta definir o futuro de projetos ambiciosos como, por exemplo, o Nabucco, o South Stream (ambos paralisados atualmente) e o TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia, hoje sendo implementado pelo Banco Asiático de Desenvolvimento), além daqueles ligados à Belt and Road Initiative (BRI), lançada no Cazaquistão em 2013 pelo presidente da China, Xi Jinping (Cornell & Starr, 2018).

[5] Em 2009, diante de pedidos para o fechamento da base por parte do governo do Quirguistão, os Estados Unidos concordaram em aumentar os repasses de investimento e em reformar o aeroporto de Manas para permanecerem na localidade. No entanto, a chegada de um novo presidente, Almazbek Atambayev, em novembro de 2011, reviu as reivindicações e declarou sua intenção de fechar definitivamente a base em 2014, ano em que terminaria a licença concedida aos estadunidenses (Schwirtz, 2011).

[6] Fazem parte da OCX: China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão. No início da década de 2010, considerados todos os seus membros, a organização ocupava uma área de 30.183,554 km, na qual viviam em torno de 1.532.323.523 de pessoas; e possuía um PIB somado de US$12,51 trilhões. Para fins de comparação, a União Europeia possui área de 4.324.782 km, para uma população de 502.489.143 de pessoas, e PIB de US$14,82 trilhões (Visentini, 2011).

[7] Ver mais em: KORYBKO, A. “The Coming Color Revolution Chaos And ‘Media Crimea’ In Kyrgyzstan” (2014), In KORYBKO, A. Hybrid Wars: the indirect adaptive approach to regime change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015.

[8] Ver mais em: KORYBKO, Andrew. “Turkmenistan As The Three-For-One Staging Ground For Eurasian Destabilization” (2014) In KORYBKO, A. Hybrid Wars: the indirect adaptive approach to regime change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015.

[9] No Afeganistão, o grupo que buscava estabelecer um califado islâmico no Uzbequistão, recebeu apoio do regime Talibã, da Interservices Intelligence Agency do Paquistão e da al-Qaeda de Osama bin Laden, além de orquestrar inúmeros atos de terrorismo no Estado uzbeque entre os anos de 1998 e 2009, utilizando suas instalações no Quirguistão (Cornell & Zenn, 2018).

 

*Guilherme Geremias da Conceição é mestrando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui interesses em temas de pesquisa como construção de Estado na URSS; política externa Uzbeque; integração regional na Ásia Central e espaço pós-soviético. Pesquisador e membro-fundador do CIRE (Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético).

Imagem: “Monumento Lenin”. Istaravshan, Tadjiquistão (1965). Por: Stefano Perego

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLINS, Kathleen. Clan Politics and Regime Transition in Central Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

CORNELL, S.E.; STARR, S.F.. “Regional Cooperation in Central Asia: Relevance of World Models”. The Central Asia-Caucasus Analyst, 2018. Disponível em: <https://www.cacianalyst.org/publications/analytical-articles/item/13547-regional-cooperation-in-central-asia-relevance-of-world-models.html>. Acesso em: 02 jan. 2024.

DE HAAS, Marcel. “Relations of Central Asia with the Shanghai Cooperation Organization and the Collective Security Treaty Organization”. The Journal of Slavic Military Studies, v. 30, n. 1, p. 1-16, 2017. DOI: 10.1080/13518046.2017.1271642.

GERSTL, Alfred & WALLENBÖCK, Ute. China’s Belt and Road Initiative: Strategic and Economic Impacts on Central Asia, Southeast Asia, and Central Eastern Europe. Reino Unido: Taylor & Francis, 2020.

KUBICEK, Paul. Authoritarianism in Central Asia: curse or cure. In Third World Quarterly, vol. 19, n. 1, p. 123, 2011.

LINN, Johannes F. Economic (Dis)Integration matters: the Soviet collapse revisited. The Brookings Institution, out. 2004.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica?. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999.

SCHWIRTZ, M. “New Leader Says U.S. Base in Kyrgyzstan Will Be Shut”. The New York Times, 8 de novembro de 2011. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2011/11/02/world/asia/kyrgyzstan-says-united-states-manas-air-base-will-close.html>. Acesso em: 02 jan. 2024.

TOKTOGULOV, B. “Uzbekistan’s Foreign Policy Under Mirziyoyev: Change or Continuity?”. Eurasian Research Journal, 4 (1), 49-67, 2022.

VISENTINI, Paulo Fagundes. O dragão chinês e o elefante indiano: a ascensão da Ásia e a transformação do mundo. São Paulo: Leitura XXI, 2011.

VISENTINI, Paulo Fagundes. Oriente Médio, Afeganistão e Ásia Central: a lógica da guerra sem fim. Porto Alegre: Leitura XXI, 2022.

 

 

O conflito Armênia-Azerbaijão e o futuro da integração militar CSTO: realinhamentos e impactos regionais

O conflito entre Armênia e Azerbaijão tem suas raízes em séculos de disputas territoriais, intensificadas após a dissolução da União Soviética e a formação de alianças regionais. Em setembro de 2023, as tensões em Nagorno-Karabakh resultaram em uma ofensiva militar que não só alterou a dinâmica local, mas também trouxe à tona questões sobre o futuro da CSTO, a aliança militar liderada pela Rússia.

Este texto, de Guilherme Geremias da Conceição, membro do CIRE, oferece uma visão crítica sobre os impactos da crise, destacando os realinhamentos geopolíticos e as consequências humanitárias dessa nova fase do conflito.

Leia a a análise completa acessando a página do texto.

Conflito fronteiriço na Ásia Central: sinais tardios de um processo incompleto da desintegração soviética

Getúlio Alves de Almeida Neto*

A Ásia Central é composta por cinco Estados que faziam parte da extinta União Soviética (URSS), a saber: Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão. A oeste do Mar Cáspio, Azerbaijão e Armênia são outras duas ex-repúblicas soviéticas. Ao sul do Tadjiquistão e Turcomenistão, o Afeganistão, embora nunca tenha sido parte do bloco soviético, tem papel central e delicado na memória militar da história russa, devido aos dez anos da frustrada Guerra do Afeganistão (1979-1989). Como produto desse contexto, a região da Ásia Central é destacada como uma das zonas de principais interesses estratégicos para Moscou no século XXI. Contudo, recentes eventos que aumentam a  instabilidade na região têm se tornado um desafio para o papel almejado pelo governo russo de ser reconhecido como garantidor da estabilidade dos regimes e da segurança de seus aliados, e como  principal potência com interesses nesta região.

Em específico, vale citar a guerra por Nagorno-Karabakh travada entre Armênia e Azerbaijão (2020), a retirada das tropas americanas do Afeganistão e a retomada do poder pelo Talibã (2021), os protestos em janeiro de 2022 no Cazaquistão e, mais recentemente, conflitos fronteiriços entre o Tadjiquistão e Quirguistão, assunto tratado brevemente a seguir. Com esse cenário em mente, o objetivo principal deste texto é debater os principais desafios impostos a Moscou na busca por uma posição privilegiada de potência regional em meio (i) à ascensão de outras duas potências na região, nomeadamente China e Turquia; (ii) a crescente eclosão de conflitos entre ex-repúblicas soviéticas e (iii) o crescimento de movimentos nacionalistas que buscam diminuir a influência russa sobre os governos locais em termos políticos, securitários e econômicos.

Entre 14 e 16 de setembro de 2022, os arredores da vila de Kök-Tash, no Quirguistão, próxima à fronteira com o Tadjiquistão, foram palco de hostilidades entre forças de segurança de ambos os países, que se acusaram mutuamente de ter iniciado o confronto. Na narrativa quirguiz, forças tadjiques invadiram vilas em seu território com tanques, veículos blindados e morteiros, e realizaram bombardeios no aeroporto da cidade de Batken (Quirguistão). Por sua vez, os tadjiques acusaram as forças quirguizes de bombardear um posto militar na fronteira e aldeias em seu território. Estima-se que mais de 100 pessoas tenham sido mortas, e aproximadamente 136 mil deslocadas nas regiões de Batken e Leilek, no Quirguistão. O confronto teve início enquanto os presidentes Emomali Rahmon (Tadjiquistão) e Sadyr Japarov (Quirguistão) estavam presentes na cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) no Uzbequistão. Um cessar-fogo foi acordado entre os chefes dos Comitês de Segurança Nacional dos dois países, Kamchybek Tashiyev (Quirguistão) e Saimumin Yatimov (Tadjiquistão). Em 25 de setembro, os chefes dos serviços de segurança dos dois países assinaram um acordo se comprometendo a retirar tropas de quatro postos militares próximos à região do conflito. O acordo foi alvo de críticas no Quirguistão, as quais afirmavam que a desmilitarização da fronteira facilitaria a invasão da população tadjique nos territórios disputados.

O confronto entre forças tadjiques e quirguizes é apenas o episódio mais recente de uma série de conflitos e tensões que ocorrem na fronteira entre os dois países há 30 anos. O último episódio de maior tensão havia sido em abril de 2021, que resultou na morte de 49 pessoas, além de 260 feridas. A frequência das hostilidades nesta região decorre, em grande medida, da delimitação de fronteiras na esteira do processo de dissolução da União Soviética. Nesse sentido, dos 970 quilômetros de extensão total de fronteira, estima-se que apenas metade desse total tenha sido oficialmente definida. Além disso, o Tadjiquistão possui um exclave em território quirguiz, Voruque. Em específico, a região de Batken, no Quirguistão, abriga fontes subterrâneas de água de grande importância para a atividade econômica das populações locais, majoritariamente composta por pequenos agricultores.

O histórico de distribuição de terras no período soviético é outro fator que contribui para a reivindicação de ambos os lados sobre o direito ao território. Quando a propriedade privada da terra foi introduzida no Quirguistão, parte das pastagens arrendadas no território do Tajiquistão foram registradas como propriedade privada dos cidadãos do Quirguistão. Com o fim do bloco soviético, os sistemas de irrigação, que muitas vezes cruzam as fronteiras entre os países, passaram a ficar sob insegurança jurídica devido à não demarcação plena das fronteiras. Consequentemente, disputas pelo acesso à água são frequentes nos últimos 30 anos, ainda que, em sua maioria, sejam atritos entre civis sem maiores desdobramentos. Somado aos fatores históricos e geográficos que implicam na disputa por recursos hídricos, a ascensão de movimentos nacionalistas dentro dos países dotam a região de maior grau de instabilidade.

Andrey Kortunov propõe uma interessante análise dos conflitos pós-soviéticos a partir da concepção de um processo de independência tardio. Segundo o historiador russo, a queda da URSS em 1991 foi vista como um processo relativamente pacífico quando comparado com a dissolução de outros impérios, a despeito de alguns conflitos de menor escala e duração (Tadjiquistão, Nagorno-Karabakh; Abecásia, Ossétia do Sul, Transnístria, Chechênia e Daguestão). Assim, Kortunov sugere que o colapso da URSS tenha sido apenas o início de um processo “longo, complexo e contraditório de desintegração imperial” e de construção de novos Estados-nacionais que perduram até os dias atuais. Na perspectiva do autor, a maior parte do espaço pós-soviético – com exceção dos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) – permaneceu extremamente interligada em termos econômicos, de infraestrutura, educação, ciência, cultura, e na mentalidade das elites políticas e econômicas. Por essa lógica, seria possível afirmar que o real processo de desintegração do bloco soviético passou a acontecer somente com o surgimento de uma nova geração nas populações dos novos Estados nacionais.

Neste contexto, movimentos nacionalistas no Tadjiquistão e no Quirguistão corroboram para o acirramento das disputas entre os países. Enquanto o Tadjiquistão é um Estado marcado pela centralização de poder no governo de Emomali Rahmon, Presidente do país desde 1994 após a Guerra Civil do Tadjiquistão (1992-1994), o Quirguistão é relativamente mais aberto politicamente, sendo governado por Sadyr Japarov desde 2021. Ambos os líderes se utilizam das tensões fronteiriças em benefício de apoio político interno. Enquanto Rahmon faz uso de uma retórica expansionista em busca de consolidação da nação tadjique e de seu regime e manutenção do controle sobre os militares, Japarov, ao longo de sua campanha presidencial em 2021, prometia resolver as disputas territoriais. Em detrimento de uma solução negociada, ambos os países vêm se armando paralelamente ao acirramento das disputas retóricas e aos conflitos localizados na fronteira. O Tadjiquistão vem adquirindo munições e treinamentos militares da Rússia, China, Irã e dos Estados Unidos, sobretudo devido a sua extensa fronteira com o Afeganistão e ao receio de espalhamento das ameaças provenientes do território afegão. Por sua vez, o Quirguistão recebe assistência militar norte-americana, ainda que sob a alcunha de construção democrática. Recentemente, o país adquiriu drones turcos (modelos Bayraktar) e veículos blindados de transporte pessoal da Rússia.

Além dos desafios impostos pelos crescentes conflitos entre ex-repúblicas soviéticas, destaca-se aqui o fato de que a Ásia Central é o ponto de encontro de potências com diferentes níveis de influência e múltiplos interesses, nomeadamente: Rússia, China, Turquia. Na perspectiva russa, portanto, ser capaz de promover a estabilidade regional e manter o poder de influência sobre as ex-repúblicas soviéticas é um duplo desafio que se apresenta a partir das relações com Pequim e Ancara.

Em geral, a maior parte do comércio exterior com estes países é feito com a Rússia. Além disso, a Rússia é destino de migração de mão de obra oriunda da Ásia Central, cujos salários são enviados para os familiares e constituem uma importante parcela da renda destes países. Para além do campo econômico, Moscou exerce grande influência na região a partir da lógica da segurança, institucionalizada sobretudo na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), cujos membros são: Rússia, Belarus, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. Nos protestos de janeiro de 2022, o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev solicitou o envio de tropas do bloco militar, que atuaram pela primeira vez desde sua criação, com o objetivo de reprimir os protestos e garantir a estabilidade do país. Não obstante, a OTSC não é a única instituição intergovernamental que reúne a Rússia e outros países da Ásia Central que faziam parte da URSS. Nesse sentido, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) engloba 9 países: China, Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Índia, Paquistão e Irã. Trata-se de uma organização de cooperação política, econômica e militar, que estabelece como prioridade combater o separatismo, o terrorismo e o fundamentalismo religioso. Nesse formato, o poder de influência russa é diluído com outras potências, sobretudo devido à presença chinesa.

A China, por sua vez, vem fortalecendo os laços com os países da Ásia Central principalmente no campo  econômico , cujo símbolo maior encontra-se no projeto da Nova Rota da Seda. Contudo, as preocupações no âmbito da segurança têm se tornado cada vez mais sensíveis aos chineses, principalmente no que tange aos Uigures, população túrquica de maioria islâmica na província de Xinjiang. Localizada no extremo oeste chinês, Xinjiang faz fronteira com Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Afeganistão. Com o receio de que haja um movimento independentista islâmico fomentado por radicais – na perspectiva chinesa – nos países da Ásia Central, é de interesse de Pequim manter a estabilidade dos governos vizinhos. Exemplo disso, é o financiamento chinês para a construção de uma nova base militar no Tadjiquistão, próxima à fronteira com o Afeganistão.

Para além da China, a Turquia é outra potência regional cujos interesses podem se tornar um empecilho para Moscou em seu objetivo de garantir a primazia nas relações com os países da Ásia Central. No caso da Turquia, o interesse em se tornar país chave no concerto regional se insere dentro da política externa neo-otomanista[1] de Recep Erdogan. Nessa perspectiva, Ancara tem buscado se posicionar como líder do “mundo túrquico”, se utilizando da narrativa que enfatiza os laços históricos, étnicos e linguísticos comuns entre a Turquia e os países da Ásia Central.[2] Para tal, a Turquia tem aumentado a cooperação econômica com os países da região, sobretudo em relação ao comércio e investimentos em infraestrutura de transporte. No campo da cooperação militar, a Turquia estabeleceu contatos com Cazaquistão e Uzbequistão em meio à guerra entre Armênia e Azerbaijão pelo controle sobre Nagorno-Karabakh. Foram assinados acordos de cooperação militar e técnico-militar com os dois países, além da discussão de uma parceria estratégica entre Turquia e Cazaquistão.

Ademais, há o desejo turco de criar uma aliança militar liderada por Ancara com os países da Ásia Central, o chamado Turan Army. No entanto, tal iniciativa é mais complexa quanto a sua execução, uma vez que Cazaquistão e Tadjiquistão fazem parte do OTSC, enquanto a Turquia é membro da OTAN. Por fim, o governo de Recep Erdogan tem investido na propaganda da Turquia como líder e defensora dos muçulmanos e dos povos túrquicos, através de instrumentos de soft power imagéticos, como o cinema e a indústria de entretenimento. Institucionalmente, a cooperação entre os países se dá sob os auspícios da Organização dos Estados Túrquicos, bloco que inclui o Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Turquia e Uzbequistão.

A partir dos elementos apresentados, sugere-se que a capacidade de influência de Moscou sobre os países da Ásia Central tende a ser colocada em xeque. Três elementos são destacados como os maiores desafios a Moscou no que tange às relações com as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central. Em primeiro lugar, a capacidade de Moscou de agir como garantidor da estabilidade política e social nos países, sobretudo a partir do uso da organização militar OTSC, bem como no papel de mediador dos conflitos. Em segundo lugar, a ascensão de novos atores com interesses na região, a destacar China e Turquia, munidos, principalmente, de capacidade econômica, no caso chinês, e cultural-religioso, no caso turco. Por fim, a guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia, assim como os outros episódios de interferência na soberania territorial de outros ex-estados soviéticos – nomeadamente Ossétia e Abecásia do Sul, na Geórgia, em 2008; e Crimeia, em 2014 – podem promover a imagem da Rússia como potência agressora entre a população destes países, fortalecendo o surgimento de uma nova elite política e econômica entre estes de cunho mais nacionalista e favoráveis a um distanciamento das relações com Moscou em prol de uma aproximação com outras potências da região.

[1] Entende-se como política externa turca neo-otomanista aquela que, sob o comando de Recep Erdogan, reorientou as relações externas turcas para o Oriente, em detrimento do tradicional privilégio dado às relações com Estados Unidos e Europa no século XX. Nesse sentido, o governo turco assumiu o compromisso de se tornar uma liderança regional no Oriente Médio, a partir do resgate do passado otomano – a partir de uma narrativa que enfatiza o poder político, espiritual  e cultural  do antigo Império Otomano – e se posicionando como defensor dos muçulmanos sunitas.

[2] Por povos túrquicos entende-se aqueles que compartilham elementos etno-linguísticos, compreendendo, entre outros: turcos, turcomanos, cazaques, usbeques, quirguizes, azeris, uigures.

*Getúlio Alves de Almeida Neto é mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

Imagem: Os exclaves tadjiques de Sarwan and Woruch; o enclave quirguiz de Barak, os enclaves uzbeques de Chong-Kara, Dzhangail, Shohimardon, So’x and Tayan. Por Lencer/Wikimmedia Commons.

Referências

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MAKIO, Danielle Amaral. “Adeus vovô: Revolta e Luta no Cazaquistão. ERIS. GEDES. 17 mar. 2022. Disponível em: https://gedes-unesp.org/autodeterminacao-e-irredentismo-a-luta-por-independencia-de-nagorno-karabakh/. Acesso em: 08 nov. 2022.

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“Adeus, Vovô”: Revolta e Luta no Cazaquistão – Parte 2

Danielle Amaral Makio*

Na primeira parte da nossa análise sobre o Cazaquistão abordamos alguns elementos que levaram aos protestos no país no início de 2022, entre os quais podemos destacar, sobretudo: (i) a formação e a estrutura do regime político do país; (ii) a transição econômica ocorrida no período pós-soviético; e (iii) o contexto socioeconômico face os efeitos da pandemia. No presente texto, analisaremos mais uma questão essencial para entendermos o contexto cazaque: o nacionalismo. Este é um tema recorrente na política do Cazaquistão. Ainda durante os primeiros anos do mandato de Nazarbayev dizia-se que o líder era um nacionalista desenvolvimentista. Esse, porém, não é um entendimento partilhado pelos grupos nacionalistas do país, exacerbando, mais uma vez, a profunda cisão entre regime e povo no país. Segundo estes cazaquistaneses afeitos a ideias próprias de nação, Nazarbayev, apesar de ter sido uma figura importante na definição da identidade cazaque atual, não poderia ser rotulado como uma nacionalista, pois sempre promoveu uma ideia de nação essencialmente atrelada a agentes estrangeiros. Nazarbayev, nesse contexto, é acusado de não exaltar os reais símbolos e a verdadeira história do seu povo e de condicionar parte do desenvolvimento nacional a fatores externos. Dessa maneira, surgiram diferentes ramificações do nacionalismo cazaquistanês, todas unidas pelo objetivo primeiro de remodelar a identidade e a política nacionais de acordo com expressões genuinamente pertencentes à sociedade local, distanciando o Cazaquistão de narrativas alheias. 

Assim, a primeira vertente do nacionalismo cazaquistanês é essencialmente anti-russa. Esse grupo se preocupa com os quase 30% da sociedade que é formada por russos étnicos, com a manutenção do idioma russo em detrimento do idioma local – o cazaque – entre outros exemplos. Nesse contexto, eles buscam por uma maior autonomia, e não um rompimento em relação ao Kremlin, histórico parceiro do país. Outro setor do movimento nacionalista cazaquestanês é a sua porção sinofóbica, cuja relevância vem crescendo sobretudo desde 2014, a despeito da satisfação das elites em relação à parceria, explicitando outro ponto de ruptura entre sistema e sociedade. Naquele ano, o então presidente Nazarbayev oficialmente lançou o chamado Nurly Zhol, plano desenvolvimentista do Cazaquistão que busca aumentar a conectividade entre a malha produtiva do país e o mercado consumidor. O ambicioso projeto foi uma resposta sobretudo à crise ucraniana, a qual, ao afetar a economia russa, penalizou severamente também a economia cazaque, altamente integrada a Moscou. O Nurly Zhol, portanto, foi uma tentativa de reorganização econômica interna para que o país pudesse reaquecer indústria e mercado domésticos e, assim, reduzir os efeitos da crise. Poucos meses após o lançamento oficial do plano, o mesmo foi oficialmente atrelado à Nova Rota da Seda chinesa, empreendimento também anunciado no mesmo período. A China, a partir de então, tornou-se a financiadora legítima do projeto de desenvolvimento cazaque. A partir daí as relações entre ambos vêm se estreitando progressivamente. Alguns de seus resultados, porém, ainda que bem-vistos pelo governo e pelo grande capital local, vem desagradando parte da população.

Grande parte das empresas chinesas que se instalaram no Cazaquistão desde então não usam mão de obra local. A ausência da criação de novos empregos e o aumento da concorrência gerada pela maior migração de chineses para território cazaque é motivo de grande insatisfação popular. Ademais, a sistemática compra de terras pela China, o uso de meios de produção altamente poluentes e extrativistas, prejudiciais ao solo, e outros fatores aumentam a lista de insatisfações de cazaquistaneses em relação aos vizinhos. A despeito da relevância desses argumentos na formação da sinofobia no país, há um elemento central: a questão de Xinjiang, província separatista chinesa formada por minorias étnicas e muçulmanas que faz fronteira com o Cazaquistão. Devido a relevância da região para a China, Pequim tem instituído um controle rígido sobre a população local, medida rondada por denúncias de desrespeito aos direitos humanos das minorias que habitam o espaço. Nesse contexto, as ondas migratórias entre Xinjiang e Cazaquistão vêm crescendo e há preocupações por parte do governo e do povo cazaque acerca do tratamento dispensado pela China aos cidadãos cazaques da etnia uighur que eventualmente cruzam a fronteira.

Ambos, russofobia e sinofobia, não são elementos excludentes no cenário nacionalista cazaquistanês, tampouco são necessariamente acompanhados um do outro, contudo, há uma ligação explícita entre o nacionalismo local e a maneira pela qual esses fatores são entendidos pela sociedade. 

Outro fator externo de incentivo ao nacionalismo no Cazaquistão é a presença do Ocidente, sobretudo dos EUA, em meio à sociedade. Ainda que haja, de fato, certa influência estadunidense sobre grupos da população do país – e até mesmo sobre setores do governo -, estes, em geral, limitam-se a porções jovens da burguesia que habitam grandes centros. Algumas regiões do interior do país podem, de fato, apresentar níveis interessantes de influência norte-americana, porém é difícil mensurar até que ponto esses grupamentos são parte de algum tipo de movimento nacionalista local. A ocidentalização, assim, pode atuar como uma espécie de polarizador de alguns setores do nacionalismo cazaquistanês, porém o nível de sua interferência entre a população de fato é ainda nebuloso e não parece ter expressividade tão grande quanto os demais fatores aqui apresentados. 

Assim, pode-se notar que por trás dos protestos que tomaram conta do Cazaquistão logo nos primeiros dias de 2022 há muito mais que o aumento dos preços do gás. De um regime ensimesmado incapaz de estabelecer diálogos efetivos com sua população até uma economia altamente dependente típica de um país sobre o qual pairam interesses escusos de naturezas diversas, a política cazaque tem níveis de complexidade que demandam uma análise cautelosa. Compreender como se deu a formação do Estado e como ele se articula interna e externamente são questões chaves para desvelar as recentes manifestações sem que nos enganemos com narrativas demasiado simplistas que ignoram as próprias divisões discursivas inerentes ao país. Nesse cenário, é indispensável aceitar os limites que a própria conjuntura impõe à análise para que não criemos hipóteses que se distanciam da realidade e/ou que nos ceguem para características genuínas que importam para a construção de um novo futuro para o Cazaquistão.

 

* Danielle Makio é mestranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUCSP) e pesquisadora do Observatório de Conflitos.

Imagem: Mapa estilizado do Cazaquistão. Por Stasyan117/ Wikimedia Commons.

“Adeus, Vovô”: Revolta e Luta no Cazaquistão – Parte 1

Danielle Amaral Makio*

Embalados ao som de vozes gritando “Adeus, vovô”, em referência ao ex-presidente Nursultan Nazarbayev, cidadãos e cidadãs tomaram as ruas de importantes centros no Cazaquistão em manifestações marcadas por revolta, violência e dúvidas. Há muitas maneiras de analisar os protestos que tomaram o Cazaquistão no início de 2022. De revolução colorida a manifestações genuínas das classes trabalhadoras do país, os eventos que convulsionaram o maior Estado da Ásia Central têm diferentes níveis de complexidade. Mais importante do que rotular o episódio de acordo com nomenclaturas específicas, contudo, é compreendê-lo em suas minúcias e particularidades. Portanto, nosso objetivo neste texto é explanarmos a realidade com a qual estamos lidando, analisando elementos políticos, históricos e sociais deste país.

Ex-república soviética, o Cazaquistão é hoje uma república constitucional semipresidencialista na qual o primeiro-ministro é o chefe de governo e o presidente assume o posto de chefe de Estado e das forças armadas. Antes de integrar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), porém, o país era composto por povos nômades que, organizados em torno de clãs, não constituíam um Estado nacional aos moldes atuais.  As práticas políticas sustentadas ao longo dos períodos soviético e nomádico levaram o país a construir um regime que, por um lado, mantém estruturas típicas dos tempos soviéticos, como a manutenção das burocracias características e a centralização de poder, e, por outro, é influenciado por traços comuns a sociedades nômades e clânicas, o que se observa, entre outros, na alta personificação do poder e na estrutura dos laços de lealdade criados entre sociedade e governantes.

Mapa do Cazaquistão

A figura de Nursultan Nazarbayev, nesse contexto, é emblemática. Presidente do país até 2019, o líder, cuja influência remonta ao período soviético, é ainda hoje visto como o grande símbolo nacional. A história de Nazarbayev à frente do Cazaquistão exemplifica a maneira pela qual o poder se configura no país. Primeiramente, vem à tona a personificação do governo. Em clãs, é comum que a liderança tenha um elemento corpóreo; ela é identificada em uma pessoa, um líder que goza da posse da lealdade dos demais membros do grupo. A regência do ex-presidente em grande medida reproduz essa estrutura política. A confiança há anos depositada em sua figura é mantida e aprofundada para uma espécie de culto que atrela a existência e as glórias do Cazaquistão ao seu líder absoluto. A influência deste é tamanha que não só se expressa em uma quantidade massiva de reproduções de sua imagem em estátuas e quadros espalhados por cidades do país, como também se manteve mesmo após sua sucessão.

Quando abdicou do cargo em 2019, Nazarbayev deixou a presidência para Tokayev, seu partidário e protegido, garantindo que este continuasse, de forma efetiva, a influenciar a política nacional. A saída de Nazarbayev se deu em meio a uma crise de popularidade inédita que ameaçava a manutenção dos altíssimos níveis de governabilidade do político. Com o crescimento econômico comprometido desde a crise de 2008, e em face de medidas austeras adotadas por imposição do Fundo Monetário Internacional como condição para acesso a novas linhas de crédito, Nazarbayev passou por um período de crescente contestação popular. O mesmo não se pode afirmar das elites políticas e econômicas, que em muito se beneficiaram do contexto. A indicação de Tokayev, assim, pode ser entendida como uma manobra política que a um só tempo garantiu: (i) a continuação do poder de Nazarbayev, (ii) o arrefecimento dos ânimos de parte da população insatisfeita e (iii) a sinalização ao mundo de que o país passava por um momento de abertura política. 

Há, ainda, um segundo elemento do governo de Nazarbayev que nos interessa para compreender a constituição do regime político cazaque: a centralização do poder. Ainda que o governo do Cazaquistão seja dividido em diversas instituições, como parlamento bicameral, ministérios, prefeituras, entre outros, é notável o peso do cargo de presidência no comando do país. Nesse contexto, é importante ainda ressaltar a ausência de uma oposição política devidamente organizada. Prática recorrente da URSS, o controle rígido de partidos e grupos opositores é uma realidade no cenário cazaque, que volta esforços consideráveis para o monitoramento e repressão de movimentos contrários ao regime, os quais são corriqueiramente classificados como células terroristas. Na esteira do cerceamento político, é importante salientar o intenso controle estatal sobre as mídias do país, fato que impacta a formação da opinião pública e dificulta a circulação de informações que possam favorecer o crescimento de sentimentos contrários ao status.

Dessa maneira, o Cazaquistão se caracteriza por um regime político autocrático afeito à personificação do poder e com uma oposição política pouco organizada. Há, porém, outras características importantes do país que devem ser consideradas para que analisemos os recentes protestos de janeiro de 2022. A primeira delas está relacionada à independência e abertura do país em 1991. O fim da URSS marcou a introdução de suas 15 repúblicas em um sistema internacional dominado pelo capitalismo e, por conseguinte, por grandes corporações. O caso cazaque não é diferente. Rico em minérios e hidrocarbonetos, o Estado rapidamente recebeu um fluxo massivo de capital estrangeiro, à época primordialmente representado por empresas estrangeiras que se instalaram no país para extrair e comercializar seus recursos naturais e por capital financeiro. O choque entre um capitalismo endógeno pouco desenvolvido e o crescente interesse do capital estrangeiro pelo Cazaquistão teve diversas consequências. De um lado, houve um crescimento econômico expressivo que enriqueceu as oligarquias no poder. Por outro, criou-se uma grande dependência de capital externo, que veio acompanhada de: (i) desindustrialização, ocorrida pela incapacidade das indústrias nacionais de competir com estrangeiras; (ii) pouca diversidade econômica, causada pela crescente dependência de atividades extrativistas; (iii) alianças entre o grande capital e as elites no poder em detrimento da população em geral; entre outros.

Nesse contexto, a maneira com que se deu a abertura econômica cazaque levou à criação de um regime que não somente é autocrático, mas que também é ensimesmado, que se afastou de sua sociedade. O atrelamento dos interesses das oligarquias no poder e dos interesses do grande capital que se instalou no país moldou um governo que por vezes preza mais o lucro das empresas multinacionais que se encontram no Cazaquistão – as quais em sua maioria têm como acionistas ou beneficiados membros das famílias no poder – do que o próprio país. Leis trabalhistas pouco eficazes na defesa do trabalhador, escassos incentivos à fomentação da indústria nacional (cenário que começa a mudar lentamente em 2014) e falta de garantias no que diz respeito ao emprego longevo de mão de obra local por multinacionais presentes no país são alguns exemplos de como o governo privilegia mais uma parte da sociedade do que outra. Somando esse cenário a uma histórica brutalidade policial, à proibição de manifestações públicas contra o regime e ao controle midiático, o diálogo entre o governo e o povo se deteriorou até atingir níveis insignificantes. Esse quadro, ademais, ganha novos matizes quando pensamos na imensa desigualdade social e nos altos níveis de corrupção que se estendem por todo o país.

É, pois, nesse contexto mais alargado que ganham corpo as manifestações de janeiro de 2022. Há, contudo, outros fatores de ordem conjuntural que merecem atenção para que possamos compreender o que levou todas essas contradições à ebulição. A COVID-19 é talvez a mais preponderante entre elas. Somada a uma economia que vinha desacelerando desde 2008, a pandemia teve um efeito especialmente devastador no cenário cazaque. Fechamento de empresas, cortes no número de empregados em grandes e pequenas indústrias, aumento da pressão sobre as contas públicas, aumento de desemprego, inflação. Esses são alguns dos problemas que vêm afetando severamente o país desde 2020 e cuja principal consequência tem sido um descontentamento social contra o governo, que face às novas dificuldades foi incapaz de oferecer auxílio adequado à sua população, a qual se viu à mercê dos acontecimentos e das devastadoras decisões de muitas multinacionais. Ainda em 2020, pequenos protestos liderados pelas classes trabalhadoras já vinham ocorrendo em regiões como Mangystau, local cuja principal atividade é a extração de combustíveis fósseis e que foi duramente atingida pela redução de operações lideradas por estrangeiras.

Para além dos desafios aqui apontados, 2022 começa com uma nova surpresa para o povo cazaque: no primeiro dia do ano, o presidente decidiu retirar subsídios nacionais direcionados ao gás liquefeito de petróleo, levando os preços do combustível a explodirem em um contexto no qual a renda da população vinha caindo expressivamente. É importante ressaltar que o sistema de aquecimento do Cazaquistão funciona majoritariamente à base de gás, combustível também muito usado por veículos. Em meio a um rigoroso inverno, impedir que parte da sociedade tenha condições de pagar pelo gás sob a justificativa de corrigir imperfeições do mercado que poderiam levar a uma crise de desabastecimento foi o suficiente para que os protestos eclodissem.

A resposta veio de imediato: no dia 2 de janeiro, manifestações pacíficas já tomavam Mangystau. Na pauta dos protestantes estavam não somente a revogação da medida, mas também insatisfações com os níveis de corrupção do governo, que estariam ligados à situação em que se encontra o país, e com a própria manutenção de um regime que se consolidou em detrimento da sociedade e em favor de elites e do grande capital – como explicitado nas referências diretas dos manifestantes a Nazarbayev. Ainda que não houvesse apelo à violência por parte dos manifestantes, estes foram duramente reprimidos pela polícia, a qual classificou o movimento como terrorista. Graças à legitimidade dos clamores das ruas e da brutalidade com que foram recebidos pelo Estado, os protestos logo foram apoiados por outros setores da sociedade em cidades como Almaty, onde se deram os principais desdobramentos do episódio.

A escalada violenta dos protestos, nesse ínterim, deu-se por motivos diversos: (i) a resposta genuína dos manifestantes à brutalidade demonstrada pela polícia e pelo governo, que violou de diversas maneiras os direitos da população, utilizando desde gás lacrimogêneo e bombas de dispersão a cortes à internet; (ii) a apropriação das manifestações por grupos oportunistas que viram no evento a possibilidade de se mobilizarem; (iii) a ação de vândalos não associados aos protestos. Considerando o controle midiático que o regime do Cazaquistão imprime sobre a imprensa e a limitação ao acesso à rede de comunicação, ainda é incerto afirmar a presença de grupos ligados a agentes estrangeiros. Atualmente, sobressaem-se duas hipóteses. A primeira propõe que a radicalização do movimento foi promovida pelos EUA que, na tentativa de conter o eixo sino-russo e após o fracasso no Afeganistão, viu no Cazaquistão a possibilidade de garantir sua presença na região. Nesse sentido, a Casa Branca teria conseguido coordenar os eventos sobretudo através do aumento da ocidentalização do país por meio da presença de ONGs financiadas pela National Endowment for Democracy (NED). De acordo com essa visão, a população cazaque seria porosa o suficiente para que houvesse a incitação de sentimentos pró-Ocidente e anti-regime. A outra leitura, porém, sugere o oposto: a Rússia, na esteira dos acontecimentos na Ucrânia, estaria por trás do episódio como forma de garantir a manutenção de seus interesses no país, cujo crescente alinhamento à China, somado à ameaça estadunidense, estaria atrapalhando a presença do Kremlin no local.

Ambas as hipóteses, ainda que importantes para compreendermos o episódio sob várias perspectivas, não são, no momento, claramente refutadas ou confirmadas. O que se pode afirmar, por hora, é que tanto EUA quanto Rússia têm interesses em se manter influentes no Cazaquistão e teriam condições de fazê-lo. Contudo, é preciso que não deixemos que a suposta relevância da atuação de agentes externos ofusque o cenário cazaque e sua força. Entender os recentes protestos também como um movimento proletário genuíno e nacional é fundamental para não perder de vista os interesses daquele que é o lado mais importante de todos os recentes eventos: o povo cazaque. É preciso, pois, cuidado para não reduzir, mais uma vez, uma sociedade complexa e suas expressões às vontades de grandes players da política internacional. Dito isso, há ainda uma consideração que devemos fazer a fim de entender melhor as relações estabelecidas entre o Cazaquistão, os protestos de janeiro de 2022 e os agentes estrangeiros: o nacionalismo cazaque, ou cazaquistanês, como preferem os nacionalistas. Este tema será o foco da segunda parte da nossa análise.

Danielle Makio é mestranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUCSP) e pesquisadora do Observatório de Conflitos.

Imagem 1: Mapa estilizado do Cazaquistão. Por Stasyan117/ Wikimedia Commons.

Imagem 2: Mapa do Cazaquistão. Por U.S. Central Intelligence Agency – University of Texas Libraries.

As eleições no Uzbequistão e as perspectivas para a sua inserção global

No artigo de Guilherme Geremias da Conceição, membro do CIRE, as eleições presidenciais de 2021 no Uzbequistão são analisadas dentro do contexto das reformas políticas que visam maior transparência e avanços no desenvolvimento econômico. O presidente Shavkat Mirziyoyev consolidou sua reeleição, mas o processo revela mais do que apenas resultados eleitorais. A pesquisa também explora o impacto dessas reformas na inserção global do Uzbequistão, destacando suas relações com grandes potências e sua crescente relevância na Ásia Central e no cenário global, especialmente na Belt and Road Initiative e em organizações multilaterais como a Organização para Cooperação de Xangai.

Confira o artigo completo aqui.

A Ásia Central sob o regime colonial russo e o início da administração soviética: Uma perspectiva

O artigo de Guilherme Conceição oferece uma análise histórica da Ásia Central, enfocando as políticas do Império Russo e o impacto da administração soviética na região. A pesquisa sugere que a chegada dos soviéticos representou uma ruptura significativa na ordem política e social da Ásia Central. Para entender as políticas dos regimes czarista e soviético, o artigo se baseia em uma perspectiva comparada, buscando destacar as transformações trazidas por essas administrações.

Para mais detalhes, acesse o artigo completo.